GRUPO CASAS BAHIA

    Ações > E-Commerce > GRUPO CASAS BAHIA > Relatório > O seguro de crédito pode destravar valor em Casas Bahia (BHIA3)

    Publicado em 11 de Setembro às 00:07:52

    O seguro de crédito pode destravar valor em Casas Bahia (BHIA3)

    O seguro de crédito deixou de ser detalhe operacional e se tornou uma variável central para a tese de Casas Bahia (BHIA3). É ele quem define até onde a companhia consegue recompor sortimento, quanto paga em despesa financeira para financiar o estoque e quão previsível será sua geração de caixa.

    Enquanto o mercado ainda olha principalmente para a dinâmica macro e para a alavancagem contábil, vemos que o destravamento de valor passa pela normalização de três pontos críticos: (1) spreads de risco sacado, (2) recomposição dos limites de seguradoras e (3) redução do volume financiado a custos elevados.

    Esse conjunto de fatores poderia reduzir em centenas de milhões de reais o peso da despesa financeira e acelerar a volta do lucro ao radar ‒ um vetor que, em nossa visão, ainda não está refletido no preço atual da ação.

    Nosso relatório aprofunda esse diagnóstico com projeções de sensibilidade, premissas macroeconômicas próprias e análise de possíveis aceleradores, como sale & leaseback de ativos e eventual follow-on.

    O objetivo é mostrar como a combinação entre ajuste operacional e reestruturação financeira pode redefinir a trajetória da Casas Bahia a partir de 2026.

    Dado o gatilho recente da conversão da dívida em equity pela Mapa Capital, estimamos que a Casas Bahia deverá liberar cerca de R$ 177 milhões em despesas financeiras. Incorporando esse efeito, junto a uma maior visibilidade sobre o 3T25 – que deve apresentar dinâmica semelhante ao 2T, com carteira de crédito praticamente estável na comparação sequencial e operação on-line mais forte que as lojas físicas – estamos elevando nosso preço-alvo em 12 meses para R$ 4,50 (ante R$ 4,00 anteriormente).

    Contudo, após o rali desde nosso upgrade de recomendação (+44% desde 28/julho), vemos o papel negociando em patamares mais justos. Um maior upside dependerá da execução operacional e de gatilhos externos ao nosso alcance ao longo dos próximos trimestres.

    Sumário executivo do relatório

    • O seguro de crédito passou de detalhe a variável-chave para Casas Bahia: define sortimento, custo financeiro e previsibilidade de caixa;
    • Hoje, a dependência do risco sacado (saldo de R$ 2,3 bi a custo médio de 27% a.a.) drena resultado e mantém a tese pressionada;
    • Projetamos três cenários: normalização parcial dos spreads, redução do volume e eliminação do risco sacado. O alívio no resultado financeiro poderia variar de R$ 114 mi a mais de R$ 500 mi por ano até 2028;
    • Para atingir o break-even, estimamos necessidade de 11,0% de margem EBITDA e redução da despesa financeira para 7,4% da receita, contra os atuais 13,2%;
    • O fluxo de caixa positivo recente não é sustentável: resulta de carência de juros, que expira em 2027. A partir daí, a drenagem deve se intensificar sem correção de estrutura de capital;
    • Possíveis aceleradores fora do nosso modelo: sale & leaseback da loja da Marginal Tietê, venda de algum outro ativo non-core (baixa visibilidade) e eventual follow-on como catalisador final.

    Da engrenagem invisível ao gargalo estratégico

    Por muitos anos, o seguro de crédito passou despercebido pelos investidores. Tratava‒se de uma apólice contratada pelo fornecedor para garantir o recebimento em caso de calote, e nada além disso.

    Esse quadro mudou em 2023, quando a crise da Americanas gerou indenizações bilionárias e expôs a fragilidade do modelo. Desde então, a cobertura das seguradoras deixou de ser burocracia: sem ela, fornecedores não embarcam grandes volumes de produtos.

    No caso da Casas Bahia, o tema ganhou relevância ainda antes. Em 2022, a empresa já enfrentava restrição ao mercado de dívida, em meio à sua reestruturação, enquanto a Selic avançava para dois dígitos. Sem alternativas baratas de financiamento, a companhia passou a recorrer ao risco sacado como principal válvula de escape.

    É importante que você saiba…

    A diferença em relação ao confirming tradicional é decisiva. No confirming, a obrigação de pagamento da Casas Bahia não se altera: ela segue quitando a fatura no prazo original. O fornecedor, se desejar, pode antecipar seu recebível junto ao banco, arcando com o custo da taxa.

    Nessa estrutura, a companhia não reconhece despesa financeira, e em alguns casos ainda recebe uma comissão pela intermediação, registrada como receita financeira. Ou seja, o confirming pode até ter efeito positivo marginal no resultado.

    Já no risco sacado, a lógica se inverte: é a empresa que alonga o pagamento via banco e assume o custo da taxa transformando o mecanismo em despesa financeira relevante. Na prática, é como se a Casas Bahia estivesse pegando crédito caro disfarçado de prazo estendido

    Esse arranjo cria um círculo vicioso. Limites mais baixos das seguradoras empurram a companhia para usar mais risco sacado; quanto maior a dependência desse instrumento, mais caro fica o funding e mais difícil recuperar a confiança das próprias seguradoras.

    Na prática, decisões tomadas em comitês de crédito na Europa ou na Ásia podem determinar tanto o sortimento disponível nas lojas quanto o tamanho da despesa financeira registrada no balanço.

    Além de limitar crescimento, o seguro de crédito pode precipitar crises de liquidez. Quando a cobertura é cortada, fornecedores exigem pagamento antecipado ou suspendem entregas. O efeito se assemelha a um run bancário: em poucas semanas, a empresa pode ficar sem caixa ou sem estoque.

    Quem decide o jogo

    O mercado brasileiro de seguro de crédito é concentrado em três grandes grupos globais: Allianz Trade, Coface e Atradius. Juntas, controlam cerca de 80% do mercado mundial.

    Outras seguradoras, como AIG e Chubb, têm atuação marginal, enquanto a estatal chinesa Sinosure cobre exportadores da China, influenciando indiretamente o abastecimento de eletrônicos e linha branca no Brasil.

    Não existe exclusividade: cada fornecedor escolhe qual seguradora utilizar. A consequência prática é que a empresa pode ter espaço para comprar mais de um fornecedor, mas não de outro, dependendo do teto que cada seguradora impõe.

    O movimento recente envolvendo a Fast Shop ilustra como o risco de imagem pode alterar rapidamente a alocação de limites pelas seguradoras. À medida que players menores perdem cobertura, as seguradoras buscam redirecionar capacidade para empresas que já mostraram demanda consistente.

    A Casas Bahia poderia ser uma das beneficiadas: além de precisar de mais espaço para recompor sortimento, a companhia já sinalizou capacidade de absorver novos limites.

    Assim, acreditamos que uma recuperação gradual no limite de cobertura deve ocorrer tanto por fatores exógenos (realocação setorial de risco) quanto endógenos (fortalecimento da governança financeira e renegociação com bancos e fornecedores).

    Risco sacado em foco: cenários de impacto no resultado financeiro

    O mecanismo é direto: quando o limite cai, o fornecedor exige pagamento antecipado ou reduz embarques. Para evitar ruptura de estoque, a Casas Bahia recorre ao risco sacado, financiandose junto a bancos a custos elevados ‒ em junho de 2025, esse saldo somava R$ 2,3 bilhões, com custo médio próximo de 27% ao ano, um spread que está 7,5 p.p. acima de uma operação saudável (i.e. próximo a 130% do CDI).

    Gráfico 1: Nível de antecipação de fornecedores via risco sacado desde 2022.

    A análise de sensibilidade do risco sacado mostra o quanto o resultado financeiro da Casas Bahia poderia se alterar diante de uma normalização de spreads e de diferentes trajetórias de volume. Para capturar esse efeito, projetamos três cenários, todos ilustrados no Gráfico 2, localizado ao final desse tópico.

    Cenário 1

    No cenário em que o saldo permanece em R$ 1,5 bilhão e o spread converge para 130% do CDI a partir de 2026, o alívio seria moderado: cerca de R$ 114 milhões em 2026, R$ 118 milhões em 2027 e R$ 123 milhões em 2028.

    Esse ganho dificilmente mudaria a percepção estrutural sobre a tese e seria mais interpretado como um ajuste tático. O mercado tenderia a ver a melhora como pontual, sem alterar a dinâmica de desalavancagem ou de geração de caixa.

    Ainda assim, um efeito desse tamanho poderia ganhar relevância no trimestre, dado o peso que investidores atribuem à linha financeira (Gráfico 2b).

    Cenário 2

    Combinando a normalização do spread e a redução do risco sacado à metade do nível atual, para R$ 750 milhões, o impacto seria substancialmente maior: R$ 284 milhões em 2026, R$ 297 milhões em 2027 e R$ 309 milhões em 2028.

    Esse seria o ponto em que o mercado poderia começar a precificar uma mudança de patamar, já que a companhia reduziria a dependência de um instrumento caro e ganharia maior previsibilidade de caixa.

    A questão estaria na execução: se a empresa conseguiria sustentar esse movimento de forma consistente. Essa combinação de custo menor e menor dependência do risco sacado abriria espaço concreto para recomposição de margens (Gráfico 2c).

    Cenário 3

    O cenário extremo é transformacional. A eliminação do risco sacado já a partir de 2026 implicaria em uma economia de R$ 454 milhões em 2026, R$ 476 milhões em 2027 e R$ 501 milhões em 2028.

    Um cenário como esse não estaria no preço ‒ e provavelmente não deveria estar, dado o baixo grau de visibilidade ‒, mas serviria como referência do potencial de destravamento caso a relação com seguradoras e bancos se normalizasse por completo.

    Nesse arranjo, a companhia voltaria a operar apenas com confirming tradicional, deixando de arcar com o custo e ainda capturando receita financeira marginal (Gráfico 2d).

    Todas as simulações foram feitas em comparação à manutenção do cenário atual de volume e spread até 2028.

    Trabalhamos com premissas macroeconômicas da Genial, que projetam Selic em 15,0% em 2025, 13,75% em 2026–27 e 13,75% em 2028. Esses níveis estão acima do consenso do Boletim Focus (15,0%, 12,5%, 10,5% e 10,0%) e abaixo da curva de juros DI (15,0%, 14,9%, 14,0% e 13,5%).

    Essa diferença refletiria uma postura mais conservadora no médio prazo, servindo como âncora para nossas estimativas de custo de capital e resultado financeiro. Como nossas premissas são mais rígidas que as do Focus, os ganhos projetados tenderiam a se mostrar ainda mais robustos caso o ciclo de cortes fosse mais acelerado.

    Gráfico 2 (a–d): Projeções de alívio no resultado financeiro sob diferentes cenários de risco sacado, elaborado pela Genial.

    Quando o lucro volta ao radar em nossas projeções?

    Se todos os vetores caminharem na direção correta ‒ normalização dos spreads de risco sacado, redução gradual do volume e recomposição dos limites de seguro de crédito ‒ a Casas Bahia poderia, de fato, começar a virar o jogo. Nada disso parece estar refletido no preço atual de mercado.

    Projetamos que a receita avance acima da inflação, com CAGR de 5,9% entre 2025 e 2028, superando o IPCA projetado pela Genial para o período (4,8% em 2025, 5,4% em 2026 e 5,0% em 2027–28, média de ~5,0% a.a.). Esse crescimento seria sustentado por três vetores principais:

    (i) Forte volume em 2025, alavancado pela carteira de crédito, que cresce 11,3% a/a até agora e deve encerrar o ano em R$ 6,3 bilhões (+2,5% a/a), refletindo a normalização no 4T após a recente aceleração;

    (ii) Estímulos adicionais em 2026, ano de Copa do Mundo e eleições, quando a política econômica provavelmente tenderia a ser mais expansionista;

    (iii) Retomada gradual da confiança de fornecedores e seguradoras.

    Em conjunto, esses fatores poderiam permitir expansão real de receita acima da inflação ao longo do horizonte projetado. Para alcançar o breakeven, estimamos que a companhia precisaria entregar algo próximo a 11,0% de margem EBITDA e reduzir a despesa financeira para cerca de 7,4% da receita, ante os atuais 13,2%.

    Ainda assim, entendemos que a recuperação não deveria ser vista apenas como função de receita e margem. A normalização da estrutura de capital tende a ser condição necessária para que o fluxo de caixa volte ao normal e a percepção de risco seja reprecificada.

    Além disso, parte relevante desse cronograma dependeria de fatores fora do controle da companhia ‒ como a conversão das debêntures, a disciplina das seguradoras e o comportamento da inadimplência.

    Do lado comercial, a execução seguiria desafiada. O parcelamento sem juros continua sendo um ponto de pressão, e há pouco espaço para erros num ambiente em que a confiança de fornecedores é quase binária: sem seguro de crédito, simplesmente não há embarque de mercadoria.

    Existem, por outro lado, aceleradores que poderiam encurtar o cronograma de breakeven. Uma capitalização via mercado ou a venda de ativos noncore ajudariam a reduzir endividamento mais rápido, abrindo espaço para a trajetória de recuperação se materializar antes de 2028. Nesse cenário, o lucro poderia voltar ao radar mais cedo ‒ um divisor de águas para a percepção de risco.

    Nossa leitura é que há espaço para um cenário mais otimista, mas ele dependeria de uma sequência de eventos de baixa visibilidade. Por isso, mantemos o cenário base mais conservador e tratamos esse upside como opcionalidade.

    Estrutura de capital: carência temporária, desafios permanentes

    Apesar de vermos um fluxo de caixa positivo nos últimos semestres, entendemos que ele ainda não transmite confiança de previsibilidade. O resultado contábil segue poluído por efeitos não caixa ligados às séries da 10ª debênture ‒ seja por marcação a mercado, seja por conversão em equity. Esses movimentos ampliam o prejuízo líquido reportado, mas são neutralizados no fluxo de caixa.

    O caixa positivo recente tem uma explicação temporária: a companhia ainda usufrui de carência de juros em parte relevante de sua dívida. Esses encargos são reconhecidos na DRE, mas não têm saída de caixa imediata. Essa carência se encerra a partir de 2027, quando os pagamentos efetivos devem começar a drenar de forma significativa a geração de caixa.

    Por isso, a reestruturação da estrutura de capital é inevitável. O fortalecimento da geração de caixa operacional ‒ via crescimento de receita e margem, como projetamos ‒ precisaria vir acompanhado da correção da estrutura financeira. A normalização do risco sacado e a menor dependência de antecipação de recebíveis seriam passos importantes.

    Não nos surpreenderia ver outras alternativas fora do nosso escopo de projeção. Uma possibilidade já ventilada na mídia seria a venda da loja da Marginal Tietê em operação de sale & leaseback. A depender do valuation acordado, esse movimento poderia antecipar pagamento de debêntures e reduzir o peso dos juros. Vemos essa operação como mais imediata e factível, dado que é lastreada em ativo físico com valuation objetivo.

    Após a recuperação de confiança dos investidores ‒ sustentada pela normalização dos spreads e pela redução do risco sacado ‒ um follow-on poderia funcionar como catalisador final: reforçaria liquidez, aceleraria a desalavancagem e traria reprecificação de risco. Esse gatilho, no entanto, só faria sentido depois que o mercado enxergasse a execução dos vetores operacionais e financeiros.

    Casas Bahia | Visão financeira [ IFRS 16 ]

     

    Confira esse conteúdo em PDF

    Acesse o disclaimer.

    Leitura Dinâmica

    Recomendações

      Vale a pena conferir