O Bradesco encerrou o ano de 2023 com um resultado consideravelmente aquém das expectativas. Apresentando um ROE de apenas 7% no 4T23, o banco notoriamente reconheceu a necessidade de mudanças estruturais e, como resposta, anunciou um plano estratégico abrangente de transformação. Essa reestruturação visa elevar o banco a uma rentabilidade consistente, alinhada com os líderes do setor, que atualmente operam com índices superiores a 20% de ROE.
Com o apoio de consultorias, como a McKinsey, o plano de 5 anos contempla reformas em diversos aspectos, incluindo níveis hierárquicos, tecnologia, cultura organizacional, custos e modelos de agências. O objetivo é posicionar o Bradesco em um patamar competitivo mais elevado e sustentável dentro do mercado financeiro.
Entretanto, o guidance para 2024 e o discurso do alto escalão trazem indícios de que a retomada será mais demorada do que o esperado, com maiores benefícios sendo capturados em 2025. O guidance aponta para um lucro de R$ 18,1b e ROE de 11,0% em 2024 no meio da faixa indicativa. Acreditamos que a nova gestão adotou uma postura conservadora para superar a entrega. Estimamos um lucro de R$ 22,1b e ROE de 13,3% para 2024, ficando na faixa superior do guidance.
A queda das ações do Bradesco hoje, de -15%, além do resultado fraco, talvez seja reflexo dessa demora para ver o banco retornando a níveis mais altos de rentabilidade apenas em 2025-2026. O ano de 2024 será transitório. A recuperação de rentabilidade para níveis mais próximos a 20% de ROE possivelmente em 2026.
No trimestre, o Bradesco reportou um lucro líquido recorrente de apenas R$ 2,9 bilhões no 4T23, uma queda de -37,7% t/t, mas um aumento de 80,4% a/a (o 4T22 teve o impacto das Americanas). O lucro veio -40% abaixo das nossas expectativas e do consenso de mercado. A rentabilidade (ROE) modesto de 7%, manteve-se em patamares abaixo do histórico do banco e bem abaixo de seus pares.
O trimestre foi impactado por um aumento no custo de crédito, decorrente de um caso no segmento de atacado e por um aumento nas outras despesas, principalmente por contingências cíveis e fiscais e outros. O banco reforçou o balanço com provisões. Considerando como recorrente, o Bradesco provisionou R$ 2,5 bilhões na carteira de atacado. Além disso, o banco provisionou antecipadamente R$ 1 bilhão em despesas de reestruturação, e R$ 1 bilhão em despesas cíveis, ambos tratados como não recorrentes.
A margem de juros com clientes teve uma contração de -2,6% t/t e -11,7% a/a, enquanto a carteira de crédito permaneceu em R$ 627 bilhões, registrando pouca evolução em relação ao trimestre anterior e contraindo -4,4% a/a.
Do lado positivo, a inadimplência caiu t/t, com boa melhora em pessoas físicas e pequenas empresas. Outro destaque positivo foi a unidade de Seguros que continua entregando um ROE próximo a 25%. Se excluirmos o grupo Segurador com lucro de R$ 2,5b, o banco (excl. seguros) estaria quase no breakeven esse trimestre.
Apesar do resultado e do guidance não ser tão animador, acreditamos que o pior já ficou para trás. Com a queda de 15% hoje, olhamos o copo mais cheio do que vazio. Estimamos que os próximos períodos devem ser de melhora sequencial e reiteramos nossa recomendação de COMPRAR com um preço-alvo de R$ 20. Considerando nosso cenário mais provável do guidance (lucro de R$ 22,1b), vemos as ações ainda atrativas negociando a 6,5x P/L 24E e 0,9x P/VP 23.
Bradesco Sem Seguros: Quase breakeven
Bradesco 4T23: Rentabilidade baixa com maiores provisões e receita fraca
Plano Estratégico: Mudanças estruturais
O banco está acelerando sua transformação por meio da implementação de um plano estratégico baseado em diagnóstico profundo em parceria com a McKinsey. Segundo o Bradesco, os frutos dessa iniciativa serão colhidos gradativamente a partir de 2024, com benefícios crescentes a partir de 2025. O objetivo é cultivar uma cultura de transformação, tornando o banco ágil em escala e centrado no cliente. A agenda estratégica visa recuperar a rentabilidade histórica de forma sustentável nos próximos anos, com alterações na estrutura organizacional, redução de níveis hierárquicos e maior autonomia para os executivos. Uma equipe dedicada será responsável por executar as mudanças, acelerando as agendas de pessoas, cultura e tecnologia para aumentar a competitividade em um ambiente dinâmico.
Como ponto a se destacar divulgado durante a apresentação de resultados, o novo CEO Marcelo Noronha comentou que o conselho de administração deu autonomia para o seu mandato. Além disso, pela primeira vez na história do banco, irão contratar dois C-Levels (vice-presidentes) de fora do banco, sendo que um ficará responsável pela área de Recursos Humanos (RH) e o outro com o Varejo digital – vemos essas mudanças como positivas para promover as transformações necessárias.
A estrutura organizacional será dividida em dois blocos: (i) Run the Bank e (ii) Change the bank. O primeiro bloco será focado em gerar ganho de eficiência e rentabilidade, enquanto o segundo bloco será dedicado para realizar à transformação do banco, com agenda focada nos novos alicerces. Os dois blocos terão execução simultânea.
A proposta da OPA da Cielo está incluída no novo plano estratégico, com a finalidade de aprimorar a proposta de valor para o segmento de micro, pequenas e médias empresas (MPME) e grandes empresas, visando assim ser mais competitivo no mercado.
Com o novo plano, a operação será dividida em unidades de negócio (BUs) e unidades de suporte especializadas, conforme segue abaixo:
Por fim, o Bradesco declarou algumas ambições:
- Liderança. Líder ou TOP 3 em todos os principais segmentos de clientes (PF em todas as rendas e PJ de todos os portes).
- Varejo Massificado. Adequar o modelo se servir crescendo a base de clientes em 5 milhões de forma rentável.
- Carteira. 15-19% market share de carteira de crédito (atualmente está em 14%).
- Alta Renda. Crescer no alta renda com um novo segmento Afluente (entre o Private e o Prime) com uma proposta de valor aspiracional com a ambição de crescer o share of wallet em 50% e atendimento remoto.
- PME. Expandir liderança no PME (pequenas e médias empresas), atingindo 2,0m – 2,5m de clientes PME (atual 1,7m) e alcançar um NPS de 70.
- Eficiência. Melhora de aproximadamente 8pp no índice de eficiência operacional (atualmente em 48%).
Guidance 2024
O guidance fornecido para 2024 apresenta melhoria em diversas frentes, com destaque para o custo de crédito, que no pior cenário leva a uma queda nominal a/a. Por outro lado, o crescimento da margem financeira deve ficar abaixo do crescimento de carteira, seguros deve apresentar uma robusta desaceleração e serviços ainda com crescimento pífio. As projeções feitas pela empresa são:
- Carteira de crédito: expansão de 7% a 11% a/a
- Margem financeira total: aumento de 3% a 7% a/a
- Receita de prestação de serviços: crescimento de 2,0% a 6,0% a/a
- Resultado das operações de seguros, previdência e capitalização: expansão de 4,0% a 8,0% a/a
- Despesas operacionais: 5% a 9%
- PDD Expandida: de R$ 35b a R$ 39b
O guidance, aparentemente conservador, aponta um lucro de R$ 18,1b e ROE de 11,0% no meio da faixa indicativa.
No entanto, estamos com nossas estimativas um pouco mais otimistas. Considerando nosso cenário mais provável, projetamos uma expansão de +35% a/a no lucro, lucro de R$ 22,1 bilhões e um ROE de 12,8% – aproximadamente R$ 1b a menos do que tínhamos em nossas projeções há algumas semanas atrás.
Guidance 2024: Ano transitório
Em relação aos valores de 2023, o banco ficou aquém das expectativas do guidance em diversas linhas como carteira de crédito, margem financeira e receitas de serviços.
2023: Realizado abaixo do guidance
Carteira de Crédito: Aumentando o apetite para risco
A carteira de crédito (visão BACEN) estacionou em R$ 627,2b, estável t/t (+0,1%) e com uma contração de 4,4% a/a. Apesar da estabilidade no trimestre, houve um leve aumento nas operações voltadas para pessoas físicas (+1,1% t/t e +0,7% a/a), especialmente em produtos com garantias, evidenciando a mudança na política de crédito para modalidades de menor risco, que ganharam mais espaço no mix. Na comparação anual, a variação reflete a redução nas operações com micro, pequenas e médias empresas.
No entanto, com a inadimplência sob controle, o Bradesco já está reacelerando a originação de crédito no varejo e PME.
Receita com Juros (NII): Impactado pelo mix e volume
As receitas líquidas de juros (NII) apresentaram um leve crescimento de 1,7% t/t, totalizando R$ 16,1b. O impacto negativo veio da margem com clientes que apresentou uma retração na taxa média dos spreads. Por outro lado, a margem com mercado já atingiu um patamar positivo um pouco mais atrativo com um total de R$ 696m. Na comparação anual, o NII apresenta queda de 3,3% a/a.
A margem com clientes teve uma queda de -2,6% t/t e -11,7% a/a com a taxa média caindo -0,3 pp t/t (8,8% ante 9,1% no 3T23) e -1,0pp a/a, reflexo do mix de produtos mais conservadores com spreads mais baixos e melhor qualidade nas novas concessões, reduzindo a taxa média.
A margem de mercado apresentou uma melhora significativa em relação ao trimestre passado (R$ 696m no 4T23 vs R$ 23 no 3T23), resultado de um melhor desempenho no ALM (Asset Liability Management) e invertendo o resultado negativo de -R$803m no 4T22.
Segundo o banco, só devemos observar uma melhora mais expressiva no NII a partir do 2S24 com o aumento do volume de crédito e da margem.
Margem Financeira (NII): Impactado por volume e mix
Provisão para Devedores Duvidosos (PDD) e Inadimplência: Impacto no atacado mas com melhora na inad do PF e PME
As despesas de provisão para devedores duvidosos (PDD) atingiram R$ 10,5b, com aumento de +14,5% t/t e queda -29,3% a/a (devido ao impacto de Americanas no 4T23, excluindo este efeito a PDD teria aumentado +4,9% a/a). O aumento no trimestre está vinculado às maiores despesas dos clientes do segmento atacado. As safras de crédito mais recentes estão apresentando desempenho positivo. Houve uma redução de 4% t/t nas despesas do segmento massificado e uma diminuição de 15% a/a.
O índice de inadimplência acima de 90 dias ficou em 5,1% (-0,5pp t/t e +0,8% a/a) – excluindo o efeito de Americanas. Considerando a varejista, a inadimplência teria ficado em 5,9% (-0,2pp t/t). O trimestre foi beneficiado pelo segmento de pessoas físicas (-0,7pp t/t e +2,1% a/a) e Micro, pequenas e Médias empresas (MPME), que contraiu 0,4pp t/t, mas com expansão ainda significativa de 3,7pp a/a. Em nossa consolidação, considerando os créditos de E-H, a inadimplência ficou em 6,0% (-0,7pp t/t e +1,2pp a/a).
A inadimplência de curto prazo (15-90 dias) ficou estável em 4,1%, com destaque positivo para pessoas físicas (-0,2pp t/t). Por outro lado, as grandes empresas apresentaram uma piora significativa de 0,8pp t/t, ficando em 1,3%.
A se destacar, o banco ressalta que novas safras vêm apresentando qualidade alta de crédito, mesmo quando aceleram a originação.
Por fim, em nossa consolidação, o índice de cobertura ficou em 142,8% (+3,2pp t/t e -40,2pp a/a).
Seguros: Continua segurando o resultado
A unidade seguradora apresentou um lucro líquido de R$ 2,5b (+5,6% t/t e +31,4% a/a), com uma rentabilidade (ROE) expressiva de 24,8% (+0,9pp t/t e +3,6pp a/a) no 4T23, representando 86% do lucro total do conglomerado.
O resultado das operações de seguros atingiu R$ 4,7b, aumento de 2,6% t/t e 10,3% a/a. O bom desempenho da seguradora é atribuído à expansão do faturamento, à melhoria do índice de sinistralidade e comercialização e ao resultado financeiro.
Receitas de prestação de serviços: Fraco
As receitas de prestação de serviços atingiram R$ 9,0b (-0,9% t/t e -2,4% a/a), em nossa visão possivelmente impactada em parte pelo menor número de dias úteis (61 dias no 4T23 vs 64 no 3T23 e 62 no 4T22). O destaque positivo no trimestre e no ano ficou com a administração de consórcios (+3,2% t/t e +2,7% a/a) e outras (+15,2% t/t e +29,1% a/a). Do lado negativo, a linha de conta corrente continua pressionada, apresentando uma contração de -3,9% t/t e -12,9% a/a, e cobrança e arrecadações (-3,8% t/t e -9,1% a/a). Por fim, na comparação trimestral, a linha de assessoria financeira retraiu -42% t/t, lembramos que no 3T23 o Bradesco participou da emissão da debênture de Aegea, que gerou uma comissão substancial de R$ 1b para os 7 bancos envolvidos na emissão.
Despesas: Redução na rede
As despesas administrativas totais ficaram em R$ 14,6b (+5,8% t/t e +3,6% a/a). O trimestre foi impactado pelo aumento nas despesas pessoais, reflexo do efeito do dissídio que ocorreu em set/23. Além de outras despesas administrativas devido a gastos sazonais como campanhas institucionais. Já as outras despesas que ficaram em R$ 2,4b (+55,8% t/t e 66,6%), foi impactada negativamente por maiores gastos com contingências cíveis e fiscais e outras.
No mais, vemos o banco reduzindo o número de agências e postos de atendimento, o que possivelmente deve ajudar a melhorar nas despesas mais à frente.
Distribuição: Otimização continua
Imposto: Deve aumentar em 2024
A alíquota de imposto ficou invertida em 15%, contribuindo para a composição do lucro líquido. Acreditamos que a alíquota foi beneficiada pelo pagamento de Juros sobre Capital Próprio (JCP) e pelo resultado tributável mais fraco.
Para 2014, o soft guidance da alíquota de imposto fica entre 16% a 18%.
Capital: Índice melhorou
O índice de capital principal ficou em 11,7% (-0,1pp t/t e +0,7pp a/a), enquanto o índice de capital nível 1 chegou a 13,2% (-0,2pp t/t +0,8pp a/a). Na visão anual, o índice nível 1 foi beneficiado pela geração de lucro líquido, ajustes de avaliação patrimonial e redução dos ativos ponderados pelo risco (RWA), parcialmente compensados pelo pagamento de JCP e efeito dos ajustes prudenciais. Por fim, a basileia ficou em 15,8% (-0,2pp t/t e +1,0pp a/a).