Com a responsabilidade de executar um denso turnaround no segundo maior banco privado do país, Marcelo Noronha, CEO do Bradesco, nos convidou para uma conversa para esclarecer diversos pontos do recém anunciado plano estratégico de 5 anos. O plano visa elevar de forma sustentável a rentabilidade (ROE) do banco dos modestos 10% em 2023 a patamares mais competitivos em relação aos seus pares de referência, que possuem ROE acima de 20%. Isso certamente superaria o custo de capital, estimado em torno de 14-15%.
Foco: Aposta dobrada em PME e Massificados. O Banco Bradesco busca expandir ainda mais suas competências nas áreas em que já era competitivo, como PME (Pequenas e Médias Empresas) e varejo massificado. Essas áreas foram responsáveis pelo aumento de inadimplência nesse ciclo de crédito. Por consequência, o banco acabou sofrendo mais nesse ciclo pela sua grande exposição a esses segmentos. Consciente disso e de que demorou em fazer ajustes de limite e concessão de crédito, a organização se prepara para expandir novamente nesses segmentos. Irão aumentar a aposta. Será o único banco incumbente abertamente declarando a competir no baixa renda massificado confrontando os insurgentes neobanks (Nubank e Inter). Para se tornar competitivo no massificado, o plano é reduzir o custo de servir, digitalização e melhorar o risco de crédito. Já no PME, o banco possui vantagens competitivas de distribuição, pretende lançar 150 plataformas regionais com mais autonomia e sistemas de relacionamento melhorados.
Novo: Afluentes. Como não deveria faltar, o Bradesco pretende aumentar sua exposição no alta renda pessoa física (PF) que foi resiliente nesse ciclo. Para isso, está criando um segmento, afluente, entre o alta renda prime e o ultra-alta renda Private.
Desafios: Cultura e Digitalização. Pelos pontos discutidos, nossa percepção é que os maiores desafios serão na área de mudança cultural e transformação digital/tecnologia. Notadamente, pela primeira vez na história do banco, o Bradesco está trazendo vice-presidentes (C-level) externos para encabeçar as áreas de negócios digitais e recursos humanos que responderão diretamente ao CEO. A mudança cultural envolve aumento de remuneração variável baseada em resultados, criação de bônus pool para retenção de talentos, eliminação de cargos, aumentar a rapidez nas tomadas de decisão e abrir mais a contratação de profissionais externos em todos os níveis.
Nova Estrutura: Respondendo direto ao CEO com menos camadas hierárquicas
Noronha elaborou o plano em 60 dias após ter assumido o cargo de CEO. Reiterou que vai ter autonomia para implementar o plano e conta com o apoio do conselho. Como mudanças estruturais demoram, Noronha ressaltou que os resultados vão ser graduais e preferiu ser conservador nas promessas, provavelmente refletidos no guidance de 2024, que na nossa visão podem ser superados, principalmente porque o ciclo de crédito deve melhorar. Noronha reiterou que 2024 será um ano de transição.
Abaixo, destacamos os principais tópicos abordados:
Varejo Massificado: Maior risco de execução
O Bradesco foi o único entre os bancos incumbentes a declarar sua intenção de expandir no segmento massificado. O banco acredita que existem subsegmentos rentáveis dentro do varejo massificado.
O mercado massificado, principalmente o alta renda, sofreu mudanças estruturais com aumento relevante de competição e pressões regulatórias, principalmente em relação a cobranças de serviços bancários. O Nubank inovou oferecendo isenção de anuidade aos consumidores e conseguiu aumentar sua participação de mercado com essa estratégia disruptiva.
A gestão do banco, acredita que a estratégia no varejo massificado apresenta um maior risco de execução, mas destaca que já começam em uma posição vantajosa, com uma capacidade de distribuição e base de clientes maior.
Para ter sucesso nesse segmento, o banco pretende melhorar o controle de risco e reduzir significativamente os custos de serviço, que provavelmente serão alcançados através de uma oferta digital aprimorada, melhor experiência do cliente e avanços tecnológicos. Adicionalmente, o banco está buscando competir de forma diferente, aproveitando sua penetração, confiabilidade, escala e alcance para se destacar nesse mercado massificado.
O Bradesco Expresso, com seus 38 mil pontos, segue um modelo B2B2C e agora está expandindo sua oferta para incluir cartões, aumentando assim sua capacidade de atendimento.
Pequenas e Médias Empresas (PME): Maior chance de sucesso
O banco está direcionando esforços significativos para expandir sua presença no segmento de Pequenas e Médias Empresas (PME), reconhecendo uma maior vantagem competitiva no segmento. Segundo o CEO, a nova estratégia para o segmento PME apresenta maior potencial de êxito dentre todas as iniciativas principais de expansão.
A estratégia envolve quebrar o cluster de PMEs em dois grupos:
- Para as PMEs com receita entre R$ 3 milhões e R$ 50 milhões, estão criando em torno de 150 plataformas regionais dedicadas ao atendimento das PMEs, refletindo um compromisso com a proximidade e o suporte às necessidades específicas dessas empresas em diferentes regiões. Essas plataformas contarão com gestão de risco localizada e comitês de crédito específicos. Investimentos adicionais estão sendo feitos em força de vendas e em modelos de gerenciamento de clientes diferenciados. A integração da aquisição da Cielo se encaixa nessa estratégia, possibilitando um aumento no cross-selling com produtos de adquirência e outros serviços como Alelo e Bradesco Saúde.
- O segmento de PMEs com receita de até R$ 3 milhões continuará sendo atendido nas agências de varejo tradicionais. Os melhores resultados obtidos no segmento de R$ 3m a R$ 50m serão introduzidos nessa segmentação.
No contexto das PMEs, o crédito continua sendo a principal alavanca de relacionamento na maioria dos casos.
A oferta de fechamento de capital da Cielo não terá um impacto significativo nos requisitos de capital regulatório do Bradesco, sendo considerado um movimento estratégico com impacto financeiro limitado.
Cultura: Mudanças de cargos e incentivos
Com cultura enraizada que valoriza o executivo de carreira de longa data, refletindo uma abordagem quase militar em sua estrutura organizacional, achamos que o CEO terá desafios em mudar a cultura organizacional do banco, embora o CEO tenha sido concedido maior autonomia, com apoio e aprovação do plano estratégico pelo conselho de administração. As mudanças visam aumentar a agilidade do banco e voltar e tornar a cultura organizacional mais voltada para resultado.
As mudanças passam pela contratação de um Head de Recursos Humanos externo ao banco, demonstrando uma abertura para trazer novas perspectivas e experiências para a gestão de recursos humanos.
O banco planeja revisar a remuneração e buscar contratações externas para complementar sua equipe, reconhecendo a necessidade de trazer talentos com novas habilidades e perspectivas.
A eliminação de cargos e camadas hierárquicas redundantes está sendo realizada, juntamente com uma revisão das estruturas de remuneração, visando aprimorar o processo de aprovação e agilizar a tomada de decisões.
Uma abordagem de remuneração variável com maior flexibilidade será adotada, com uma ênfase maior na vinculação da remuneração aos resultados alcançados. Por exemplo, está prevista a criação de pool de bônus para reter talentos e incentivar o desempenho excepcional, como já acontece no banco de investimentos (IB).
Premiações específicas serão introduzidas para as unidades responsáveis pela manutenção das operações (Run the Bank) e pela implementação de mudanças (Change the Bank).
Muitos valores culturais serão preservados, no entanto, como o senso de pertencimento, que são considerados importantes e que o Bradesco busca manter durante as mudanças.
Tecnologia: Novo Head de fora
O Bradesco pretende acelerar as mudanças em sua estrutura de tecnologia. Para isso, o banco está contratando um novo Head de Negócios Digitais externo à instituição para liderar os negócios digitais. Noronha acredita que o Bradesco tem investido em tecnologia em uma proporção semelhante a outros bancos incumbentes, mas planeja aumentar esses investimentos para impulsionar a inovação e a competitividade.
Uma das metas é melhorar a produtividade por meio de soluções tecnológicas mais eficientes e processos otimizados. O plano também contempla aprimorar a experiência do cliente em um ambiente cada vez mais digital.
O banco pretende aumentar a equipe de Tecnologia da Informação (TI), substituindo terceirizados por funcionários internos. Embora haja custos associados a essa transição, espera-se que os benefícios a longo prazo compensem esses investimentos. No entanto, esse processo de transição levará tempo para ser concluído.
A migração para a computação em nuvem (cloud) será acelerada, reconhecendo os benefícios em termos de escalabilidade, agilidade, flexibilidade e eficiência operacional que essa tecnologia oferece.
Alta Renda: Nova segmentação com Afluente
O Bradesco está introduzindo uma nova segmentação para fortalecer sua presença no segmento de alta renda. Esta nova categoria, denominada Afluente, ocupará uma posição intermediária entre o segmento Prime e o Private.
A marca Prime sofreu uma leve depreciação de imagem, impulsionando a criação do segmento Afluente como resposta a essa mudança.
Com o segmento Afluente, o banco busca aprimorar a proposta de valor para clientes com maior poder aquisitivo, reconhecendo suas preferências por um atendimento mais digital e remoto.
Ágora Plataforma de Investimento
A corretora e plataforma de investimentos Ágora também será integrada à oferta destinada ao segmento de alta renda. Especialistas em investimentos serão disponibilizados para atender às necessidades específicas deste segmento.
A integração com o banco e com produtos de previdência já foi concluída.
Segundo o CFO Cassiano, a Ágora conseguiu reduzir significativamente boa parte da saída de ativos para a XP e outras plataformas, demonstrando um avanço na retenção de clientes e na competitividade do segmento.
Despesas Operacionais: Melhora de eficiência é necessário
O Bradesco planeja reduzir suas despesas operacionais implementando uma série de medidas estratégicas. A redução de camadas gerenciais além de melhorar a agilidade, também ajuda no custo.
A estrutura organizacional será dividida em dois blocos: (i) Run the Bank e (ii) Change the bank. O primeiro bloco será focado em gerar ganho de eficiência e rentabilidade, enquanto o segundo bloco será dedicado para realizar à transformação do banco, com agenda focada nos novos alicerces. Os dois blocos terão execução simultânea.
Parte da redução de posições será compensada e utilizados para preencher as posições da unidade de transformação Change the Bank.
Embora não tenha sido especificamente mencionado devido, o banco tem a intenção de fechar agências como parte de seus esforços para otimizar suas operações. A meta é fechar pelo menos 10% dos pontos de venda, com a possibilidade de sair de cidades onde os custos operacionais não são justificados. Uma alternativa será fortalecer o uso do Bradesco Expresso, um modelo de correspondente bancário que envolve comerciantes e segue um modelo de negócio B2B2C para substituir parte da rede desativada.
O banco pretende revisitar as tarifas cobradas a outras instituições financeiras que desejem utilizar sua estrutura do Bradesco para servir clientes dessas empresas.
Provisão para Devedores Duvidosos (PDD)
O Bradesco enfrentou desafios significativos durante este ciclo devido à sua maior exposição proporcional aos segmentos massificados e PME (Pequenas e Médias Empresas). Os riscos associados ao crédito pessoal, capital de giro e cartão foram particularmente impactantes. Noronha reconhece o banco demorou a restrição na concessão e limite de crédito em comparação com outros bancos.
Foram implementados novos modelos de crédito e mudanças na política de concessão de crédito. Anteriormente, enquanto concorrentes adotavam uma política de concessão que limitava o crédito a 20% ou 6% da renda do cliente, o Bradesco, por vezes, concedia até 100% da renda do cliente. Essa abordagem mudou substancialmente.
A piora da qualidade do crédito não apenas impactou o custo do crédito, mas a freada da concessão e mudança de mix tiveram efeitos negativos na receita com de juros (NII).
O Bradesco sofreu o ônus de maiores provisões para devedores duvidosos (PDD) em 2023, atribuído ao crescimento da carteira de crédito e subsequente deterioração das safras de 2021 e 2022. 2024 deve ser um ano de transição.
O custo de crédito historicamente situa-se em torno de 3,2%, porém, no momento, está em 4%. O management prevê que essa taxa diminua gradualmente, aproximando-se de 3,2% até 2025, embora ainda acima desse patamar.
Uma abordagem passo a passo está sendo adotada para aprimorar o modelo de crédito, monitorar as safras e garantir que a perda esperada seja adequadamente mensurada.
Controles de risco estão sendo implementados dentro das unidades de negócios (BU – Business Units) para mitigar esses desafios e garantir uma gestão mais eficaz do crédito.
Tarifas: Sob pressão
As tarifas bancárias enfrentam ameaças dos neobancos, que frequentemente oferecem serviços sem cobrança de tarifas, e das pressões regulatórias cada vez mais intensas.
Existe uma assimetria nos compulsórios dos bancos em relação aos intermediários de pagamento (IP), o que sugere a necessidade de mudanças regulatórias para equilibrar essas disparidades.
Embora o Bradesco detenha aproximadamente metade do total de transações processadas (TPV) em relação ao líder de mercado, a receita gerada pelo cartão de crédito indica que o Bradesco possui 88% da receita do líder. Isso sugere uma oportunidade para o banco aprimorar seus relacionamentos com os clientes, considerando possíveis ajustes nas taxas e tarifas cobradas. A renda proveniente de anuidades de cartão de crédito está sob revisão, pois o banco precisa reconsiderar sua abordagem diante das mudanças no mercado.
Crédito: Ganho de Market Share
O plano tem a ambição de expandir o market share dos atuais 14% para 15-19% nos próximos 5 anos. Parte do ganho deve vir da recuperação market share no curto prazo. Nesse ciclo de crédito o Bradesco perdeu de 1 a 2 pontos percentuais de participação no mercado, especialmente nos segmentos de varejo massificado, pequenas e médias empresas (SME) e corporativo.
Abordagem Progressiva (step by step). O crescimento envolve uma abordagem passo a passo para a melhoria de seu modelo de concessão: melhora de modelo de crédito, monitoramento da qualidade das safras, ajustes no modelo, crescimento. Modelo deve garantir que as perdas esperadas sejam adequadamente mensuradas.
Controle de Riscos. Dentro das unidades de negócio (BU), está sendo implementado controles de riscos, que visam fortalecer a gestão de riscos em todas as áreas de atuação do banco, contribuindo para uma tomada de decisão mais ágil, sólida e sustentável.
Outros Pontos de Destaque: M&A
O Bradesco está considerando opções de crescimento inorgânico, oportunidades de fusões e aquisições.
O management destacou que ainda existe uma quantidade significativa de oportunidades de negócios inexploradas dentro do próprio banco.
O plano estratégico foi montado em um período relativamente curto de 60 dias desde que Noronha assumiu a liderança. Acreditamos que terão que rever ou adicionar novas iniciativas ao longo dos 5 anos.
Programa de Buyback: Ativo
Negociando abaixo do valor patrimonial (book value), o Banco Bradesco anunciou um programa de buyback, indicando sua intenção de recomprar suas próprias ações no mercado. O programa está aberto e disponível para ser executado.