Em março de 2021, o Grupo Carrefour Brasil anunciou a aquisição do Grupo BIG, por R$ 7,5 b. Em termos de múltiplos, a transação implicou em um EV/EBTIDA 2020 de 7,8x.
Em nossa análise, essa é uma aquisição transformacional, que poderá criar a primeira varejista do Brasil a faturar R$ 100 b/ano, colocando-a em uma posição de liderança “indiscutível” no varejo alimentar. O novo grupo abocanhou 23,5% do market share do setor em 2021, enquanto o segundo colocado (Assaí) tem menos da metade de participação, 10,5%.
Estamos reavaliando nosso modelo para incluir as novas operações. Logo mais traremos novidades sobre o novo price-target do Carrefour. Nossa recomendação é de COMPRA para as ações CRFB3.
Uma leve contextualizada
Que tal darmos dois passos para trás antes de seguir em frente?
Tom Jobim cunhou uma das maiores frases de efeito já conhecida até então: o Brasil não é para “amadores”. Um país de extensão continental e de facetas multiculturais acaba criando uma barreira natural na consolidação de investimentos estrangeiros por aqui.
Até mesmo empresas com grande nome e forte “track record” internacional (ou seja, nada amadores) acabam tendo dificuldade em escalar operações aqui no Brasil. O Walmart, uma das maiores lojas de varejo dos EUA, é um exemplo concreto disso.
A rede de departamento embarcou no Brasil em 1995, no entanto, não conseguiu se adaptar às peculiaridades do mercado brasileiro. O resultado disso foi a venda de 80% de suas operações ao Private Equity Advent International, por R$ 1,6 b, em junho de 2018. Após uma conversão de dívidas, a gestora ficou responsável por 74% do negócio.
A Advent é conhecida por investir em empresas conhecidas aqui no Brasil. Listamos alguns exemplos abaixo.
As operações brasileiras do Walmart foram convertidas para o que conhecemos hoje por Grupo BIG. Ao longo dos 18 meses após a aquisição do controle, a Advent International investiu mais de R$ 1,2 b na reformulação de seu negócio.
Hoje, o Grupo BIG é dona de marcas famosas no varejo alimentar, atuando no modelo de supermercado, hipermercado e clube de compras. São eles: BIG, BIG Bompreço, Nacional, Maxxi Atacado, TodoDia e Sam’s Club. O grupo tem forte atuação no Nordeste e Sul, guarde isso em mente, porque ele é chave para o movimento que vem a seguir.
A Advent deu um novo rumo ao negócio do BIG. Desde início de 2019 foram realizadas 36 novas aberturas, sendo 20 concentradas em 2021. Ressuscitando o conceito das bandeiras regionais, a gestora também reformulou mais de 200 unidades do grupo.
O Mercadorama deu lugar ao Nacional e a operação de farmácias teve um ponto final. A gestão da Advent melhoraram as ineficiências do grupo, no entanto, em questão de faturamento, a rede ainda ficava muito atrás de seus concorrentes.
Em meados de 2020, o Grupo BIG anunciou intenção de abrir capital na B3, mediante oferta primária e secundária de ações. A ideia era captar recursos e investir ainda mais em seu negócio, correndo para fechar o “gap” herdado.
O BIG iria juntar o útil ao agradável. Em época de vacas gordas de IPO na B3, a oferta secundária seria utilizada como mecanismo para que o Brazil Holdings, controlada do Walmart, se desfizesse da participação restante no grupo. O prospecto do IPO foi até distribuído no mercado (clique aqui caso tenha curiosidade em ver).
Mas, como já deve ter ficado óbvio até aqui, a oferta não foi pra frente. O prospecto do IPO foi a última novela dessa saga. Em março de 2021, o Grupo Carrefour Brasil anunciou a aquisição do Grupo BIG, por R$ 7,5 b.
Desses R$ 7,5 b, cerca de R$ 5,3 b foram pagos em dinheiro, enquanto os 30% restante foram “quitados” mediante a emissão de novas ações do CRFB3. A Advent e a Walmart, juntas, detém 5,6% da nova empresa.
A aquisição do Grupo BIG foi dada como complexa pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que pediu mais tempo para poder analisar os remédios cuidadosamente. Em maio deste ano, em decisão unânime, a transação foi aprovada, mediante restrições acordadas, principalmente em relação ao seu modelo “cash-and-carry”.
Ativos a serem convertidos
A complementariedade geográfica de lojas entre o Grupo Carrefour e o Grupo BIG colocam a nova gigante do varejo alimentar em destaque no Sul e Nordeste, aumentando sua presença em 2x e 1,5x, respectivamente. Em nossa análise, essa é uma aquisição transformacional, que coloca a rede na liderança “indiscutível” dentro do varejo alimentar brasileiro, com quase 25% do market share do setor.
O Grupo Carrefour passa a ter 443 mil m² em área de vendas, um aumento de 55% em relação a sua estrutura ex aquisição. Com mais de 900 lojas, o grupo integra diferentes formatos com diferente posicionamento de pricing, em diferentes momentos de compra.
Menor preço e maiores volumes: Atacadão e Maxxi Atacado
Maior variedade de produtos: Sam’s Clube e Hipermercados
Compras semanais: Supermercados
Compras pontuais: Lojas de conveniência
O Grupo Carrefour está bem confiante do sucesso de seu novo formato: o clube (Sam’s Club). Mas o que exatamente significa um clube de compras? Basicamente, é um supermercado onde o cliente tem acesso a produtos importados. A grande virada de chave é que apenas sócios podem realizar compras nessas unidades, e para isso, eles precisam realizar uma assinatura anual.
Assim como o grupo apostou no modelo de atacarejo lá em 2007, com a compra do Atacadão, que ainda não detinha tamanha visibilidade como alcançou nos últimos anos, a varejista está confiante nesse novo formato de clube de compras. A cesta média desse formato é de R$ 340 (para fins de comparação, o hiper Carrefour tem uma cesta de R$ 140).
Voltando para a visão geral do negócio, das 374 unidades adquiridas do Grupo BIG, serão convertidas 124 lojas (incluindo 2 combos, que funcionarão com hiper e clube em simultâneo). Ao total, a varejista terá um portfólio de 936 lojas.
Durante a conversão entre lojas de diferentes formatos, por exemplo, de um modelo de hipermercado para atacarejo, será necessário a desmobilização da unidade, assim como seu fechamento por 2 meses. Das 122 conversões, 35 estão neste cenário (Big para Atacadão e Big para Sam’s Club). Essa transformação exige mais do Capex do que a conversão que falaremos a seguir.
Olhando apenas para conversão entre bandeiras, que compreende a transformação do Maxxi para o Atacadão e do Big para o Carrefour, serão necessários apenas 3 dias de fechamento, uma vez que não é necessário desmobilizá-la. 89 lojas estão contemplados aqui.
É esperado que conversão total esteja finalizada até dezembro de 2023. O Grupo Carrefour investirá R$ 2,1 b nesse processo, sendo R$ 1,9 b relativos ao Capex e R$ 0,2 b para despesas operacionais na conversão ao longo dos próximos meses.
Além da reformulação de lojas, o Grupo Carrefour irá cortar 10 Centros de Distribuição (SP, SC e RS) e unificar 2 unidades, o que permitirá que a varejista atinja um total de 51 CDs.
Sinergias esperadas
Olhando para a base de custos do Cash-and-Carry, entre as categorias analisadas, 69% de seus fornecedores são compartilhados. O número é levemente semelhante em relação à base de custos do varejo, com um fornecimento compartilhado de 64%.
Com Grupo Carrefour ganhando ainda mais escala, é esperado que a varejista alinhe as condições de fornecimento de sua adquirida, com melhores termos e condições. A companhia estima que, até 2025, essa otimização gere um aumento de R$ 800 m em corte de custos com mercadorias.
No total, espera-se sinergias de ao menos R$ 2 b nos próximos 3 anos: R$ 700 m em receitas, R$ 500 no enxugamento de despesas e, como já dito, R$ 800 em cortes de CMV. Vale destacar que: sinergias levam tempo. Esperamos ver efeitos disso a partir de 2024.