Conclusão
No geral, achamos o decreto contendo os termos para renovação das distribuidoras de energia elétrica como positiva, principalmente por conter termos que julgamos como razoáveis para a renovação, como por exemplo questões mínimas no que diz respeito ao atendimento, qualidade do serviço e saúde financeiras das distribuidoras – questões que consideramos basais para a renovação de um serviço público e que já eram razoavelmente esperadas. O evento é especialmente positivo por se tratar de algo que teria o potencial de gerar um forte impacto ao longo de todo o segmento de distribuição/empresas caso os termos fossem exóticos e/ou leoninos e, claro, elimina o risco de qualquer viés populista em termos de tarifas ao consumidor final por parte do poder concedente.
Vale lembrar que o segmento de distribuição é considerado o mais “difícil” de se operar tendo em vista o fato de ser um negócio muito distinto aos segmento de transmissão/geração que operam com grandes contratos de longo prazo e com alta estabilidade de receita versus exposição as oscilações macroeconômicas, realidade social das áreas de concessão (áreas tomadas pelo tráfico de drogas ou milícias, por exemplo), oscilações em furtos, perdas, calotes, etc. onde não raro as operações precisam de reequilíbrio economico-financeiro. Qualquer intervenção na economicidade desse negócio (baixa desproporcional de tarifas, por exemplo) poderia levar a uma mudança radical na interpretação na regulação negócio e, consequentemente, afastar investimentos ou interesse do negócio.
Os fatos
O Governo Federal publicou o decreto Nº 12.068 de Junho de 2024, contendo o regulamento para licitação e prorrogação de distribuidoras de energia elétrica. Como costumamos fazer, vamos trazer um recorte dos pontos que julgamos mais importantes do decreto e inserir nossas opiniões. Colocaremos em itálico os trechos da lei e em negrito aqueles que julgamos mais importante.
Vale mencionar que a decreto é razoavelmente extenso. Sendo assim, não vamos colocar aqui por completo.
“CAPÍTULO I
DOS CRITÉRIOS PARA AVALIAÇÃO DA PRORROGAÇÃO DAS CONCESSÕES DE DISTRIBUIÇÃO
Art. 2º A prorrogação das concessões de distribuição fica condicionada à demonstração da prestação do serviço adequado, da expressa aceitação por parte da concessionária das condições estabelecidas neste Decreto e das demais disposições estabelecidas no termo aditivo ao contrato de concessão.
§ 1º Para os fins do disposto no caput, a verificação da prestação do serviço adequado será realizada com base nos critérios definidos na regulação da Agência Nacional de Energia Elétrica – Aneel relativos à eficiência:
I – da continuidade do fornecimento; e
II – da gestão econômico-financeira.
§ 2º A eficiência com relação à continuidade do fornecimento de que trata o inciso I do § 1º será mensurada por indicadores que considerem a frequência e a duração média das interrupções do serviço público de distribuição de energia elétrica.
§ 3º A eficiência com relação à gestão econômico-financeira de que trata o inciso II do § 1º será mensurada por indicador que ateste a capacidade de a concessionária honrar seus compromissos econômico-financeiros de maneira sustentável.
(…)
§ 5º Ficará caracterizado o descumprimento da prestação do serviço adequado quando for constatado, no período de apuração:
I – o não atendimento do critério de continuidade do fornecimento, caracterizado pelos limites anuais globais dos indicadores de continuidade coletivos de frequência e de duração, de forma isolada ou conjuntamente, por três anos consecutivos; ou
II – o não atendimento do critério de eficiência com relação à gestão econômico-financeira por dois anos consecutivos.
(…)
Nossa Opinião: Critério baseados em continuidade do fornecimento e equilíbrio econômico-financeiro são básicos, minimamente esperados e, principalmente, já são considerados dentro dos contratos atuais para multas, notificações, etc. Qualquer critério diferente desses sim, seriam surpreendentes.
“CAPÍTULO II
DAS DIRETRIZES PARA O TERMO ADITIVO AO CONTRATO DE CONCESSÃO
Art. 4º A Aneel definirá a minuta do termo aditivo ao contrato de concessão que contemplará as condições previstas neste Decreto, que deverá conter cláusulas que assegurem, no mínimo:
I – sustentabilidade econômico-financeira das concessionárias, inclusive por meio de aporte de capital;
(…)
III – satisfação dos usuários, por meio da apuração de indicadores de tempo de atendimento de serviços e pesquisas de opinião pública;
IV – investimento prudente;
V – qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, por meio da apuração de indicadores de continuidade do fornecimento que contemplem o atingimento de metas de qualidade para um percentual mínimo de conjuntos elétricos, além do valor global, conforme regulação da Aneel;
VI – obrigação de dar publicidade à qualidade na prestação do serviço de distribuição de energia elétrica, por meio da apuração de indicadores de duração e frequência de interrupções efetivamente percebidas pelos usuários, sem aplicação de expurgos;
VII – definição de metas de eficiência na recomposição do serviço, após eventos climáticos extremos;
(…)
XIV – aprimoramento das condições econômicas, de modo que:
(…)
d) as tarifas homologadas pela Aneel possam ser diferenciadas para áreas de elevada complexidade ao combate às perdas não técnicas e de elevada inadimplência;
e) a Aneel possa definir diferentes tipos de tarifas em função de critérios técnicos, locacionais e de qualidade, a serem aplicados de forma não discriminatória, resguardadas a transparência de cálculo e a publicidade dos valores aplicados em cada tipo tarifário; e
(…)
XV – aplicação de incentivos compatíveis com a capacidade de gestão em concessões com relevante presença de áreas com severas restrições ao combate às perdas de energia e à inadimplência;
(…)
XXII – possibilidade de a Aneel, no caso de descumprimento de indicadores de qualidade técnica, comercial e econômico-financeiros, estabelecer limitação do pagamento de dividendos e de juros sobre o capital próprio, respeitados os limites mínimos legais, e de limitar novos atos e negócios jurídicos entre a concessionária e suas partes relacionadas;
(…)
Nossa Opinião: Em relação aos termos aditivos ao contrato da concessão, destacamos esses pontos acima. No aspecto negativo, citamos essa questão relacionada a opinião pública. Achamos essa questão negativa por se tratar de uma avaliação extremamente volúvel e que nem sempre considera pontos estritamente técnicos para a prestação do serviço.
Sob o aspecto positivo da questão, mencionamos a preocupação da ANEEL em considerar tratamento especial as tarifas em áreas especiais ou com restrições ao combate de perdas de energia e inadimplência. Ponto interessante para empresas que atuam em áreas de concessão complexas, como a Light-D.
Por último, a possibilidade de pagamento de proventos em concessionárias que não estejam cumprindo os requisitos mínimos também não é nenhuma surpresa, ainda que isso possa levantar algum questionamento por parte das empresas.
Qual era o grande desafio?
Concessões de distribuição, assim como de Transmissão/Geração (“GT”), tem um prazo de duração de 30 anos. Ao término desse prazo, os ativos relacionados a prestação do serviço que não foram depreciados precisam ser reembolsados pelo poder concedente. Enquanto ativos GT se depreciam de maneira expressiva ao longo do tempo e ficam com baixo valor residual a ser indenizado, distribuidoras necessitam de massivos investimentos em todos os seus anos de operação. O resultado dessa característica é a evolução da Base de Ativos (ou Base de Remuneração Regulatória/BRR) ao longo de todo esse tempo, resultado em um valor expressivo a ser indenizado ao término do prazo da concessão (a Light-D, por exemplo, possui uma BRR superior a R$10 bilhões). Sendo assim, o processo de reembolso desses ativos por parte do Governo Federal tende a ser muito oneroso, transformando a renovação das concessões (ainda que com contrapartidas) em um cenário muito razoável. Por último, o negócio de distribuição já possui tarifas baseadas no quesito de modicidade tarifária, ou seja, aquela tarifa ja é a mínima para remunerar os custos operacionais e retorno sob capital, ambos calculados periodicamente a cada 4-5 anos baseada em métricas de eficiência/benchmark. Regras que viessem para reduzir tarifas “de cima para baixo” sem nenhuma compensação clara iria necessariamente quebrar esse equilibrio.