Um novo programa habitacional?
A partir de 2023 teremos um o retorno do ex-presidente Lula à presidência e, com isso, mudanças em programas sociais e políticas econômicas no Brasil. Na nossa visão, já divulgada no relatório de eleições, um governo Lula terá como pontos principais: (i) a manutenção de uma taxa de juros em território contracionista, em vista de uma política fiscal mais frouxa, (ii) elevação da taxa de juros neutra da economia e (iii) desvalorização da taxa de câmbio.
Mesmo acreditando que, independentemente dos resultados das eleições, as construtoras que atuam dentro do Programa Casa Verde e Amarela teriam um 2023 excelente, a vitória do Lula monta um viés ligeiramente mais positivo para o setor. Pouco se sabe dos seus planos de governo, mas na “Carta para o Brasil do Amanhã” ele afirma que deve retomar o Minha Casa Minha Vida. Na nossa visão, a sua retomada deve implicar no aumento do uso do Orçamento da União para financiar parte do programa. O uso do Orçamento deve se concentrar em faixas mais baixas do programa, o que ter pouco efeito nas empresas listadas.
No mais, o funding do FGTS já garante um orçamento confortável para os próximos anos. Para 2023 já foram aprovados R$ 68,1b em financiamento habitacional e um incremento de R$ 1b nos descontos, totalizando R$ 9,5b para 2023. Este último aumento, inclusive, é uma sinalização de que o FGTS ainda está com um balanço confortável e busca continuar fomentando o uso por completo do orçamento, ou seja, esperamos que medidas de fomento que terminariam em Dez/2022 sejam continuadas.
Notamos, no entanto, que nem tudo são flores. A política expansionista e de aumento de gastos públicos que esperamos do governo Lula tem como ponto central a utilização de bancos públicos, dentre eles a Caixa Econômica Federal (CEF). Um dos maiores diferenciais das empresas listadas no segmento é a possibilidade do uso do crédito associativo (repasse na planta), possibilitando menor desembolso de caixa e menor risco para as companhias. Esta modalidade de crédito, hoje, é quase exclusividade da CEF. Isso muda nossa visão para o setor? Não. Mas colocamos uma lupa maior na estabilidade financeira do banco.
A estratégia vencedora
Nesta breve atualização, incluímos três companhias da nossa cobertura: Cury, Direcional e RNI. As três têm um ponto em comum: atuam nas faixas mais altas do Programa Casa Verde e Amarela (PCVA) e imediatamente acima do programa (“faixa 4”). Justamente a estratégia de atuar no limite do PCVA permitiu que as três seguissem aumentando os volumes lançados sem detrimento às suas VSOs e margens.
Ao atuar no limiar do PCVA, as companhias têm a capacidade de repasse de preço ao mesmo tempo em que conseguem utilizar o crédito associativo. A otimização da VSO/margem pode ser feita pela escolha de um mix de unidades desenquadradas do programa. A título de exemplo, quando olhamos para o mix Direcional/Riva, podemos reparar como o número de unidades desenquadradas precisou aumentar para a manutenção da margem bruta consolidada da Direcional.
Quando olhamos para as três companhias, o efeito é evidente: os lançamentos aumentaram significativamente (2,4x mais lançamentos nos últimos 12 meses vs. 1Q20 LTM) e as vendas aumentaram mais ainda (2,8x vs 1Q20 LTM), enquanto as margens ficaram saudáveis (entre 35%-40% para Cury/Direcional e 25%-30% para RNI) e as VSOs também permaneceram boas (~40% para Cury e de 17-20% para Direcional/RNI).
Melhorias no PCVA
Ao longo de 2022, o conselho do FGTS aprovou uma série de mudanças nas regras do PCVA de forma a incentivar a utilização dos recursos já orçados, das quais destacamos:
- Mudança na curva de subsídios: mudanças nos parâmetros da curva de descontos dentro do PCVA aumentou a quantidade de desconto concedidos a famílias com renda de até R$ 4,000/mês, com maior impacto para famílias com renda entre R$ 1,400/mês e R$ 1,650/mês. Esta mudança não afeta significativamente as companhias deste relatório
- Acréscimo dos subsídios: em mai/22, o conselho do FGTS aprovou um aumento de 12,5% a 21,4% dos subsídios, o que implica em queda de até 6% no valor das parcelas a depender de uma série de fatores
- Ampliação das faixas de renda: o teto Grupo 1 foi ampliado de R$ 2,000/mês para R$ 2,400/mês; o Grupo 2 foi ampliado de R$ 4,000/mês para R$ 4,400/mês; o Grupo 3 foi ampliado de R$ 7,000/mês para R$ 8,000/mês. Esta mudança enquadrou diversas famílias que antes utilizavam o crédito via SBPE e agora gozam de juros fixos de 7,66% a.a. subsidiados dentro do PCVA
- Aumento do prazo de financiamento de 30 para 35 anos: desde set/22, o prazo máximo de financiamento dentro do PCVA aumento para 35 anos, possibilitando um aumento de preço de até 5%, para taxa de juros de 6% e entrada de 20%. É importante ressaltar que esta conta é simplória e não captura o efeito
- FGTS consignado (PL 14.438/2022): aprovado recentemente, esta mudança permite o uso dos 8% do salário mensal do FGTS como complemento dos pagamentos mensais do financiamento imobiliário. A mudança se aplica apenas para o Grupo 1 do PCVA, para rendas familiares menores que R$ 2,400/mês, o que não deve ter efeito nas companhias deste relatório.
Direcional
Estamos atualizando o preço-alvo de Direcional para R$ 23,00 (de R$ 19,00), reiterando a recomendação de Compra com um upside de 32%. Nossa mudança de preço-alvo incorpora os seguintes pontos: (i) incorporação dos números de lançamentos/vendas do 3T, (ii) atualização das expectativas de lançamentos e margem com base nas mudanças do PCVA, (iii) ajustes em variáveis macroeconômicas e (iv) estabilização em um nível de VSO mais elevado (+50bps).
A Direcional tem mostrado boa resiliência nas sua margem bruta, sentindo pouco os efeitos dos aumentos de custos, em parte graças ao crescimento vertiginoso das suas operações da Riva, que representam 30% das suas vendas nos últimos 12 meses. Esperamos que este valor aumente para ~40% até o final de 2023, mesmo com a nossa expectativa de aumento de taxa de juros dentro do SBPE e consequente desaceleração dos lançamentos dentro da Riva.
As mudanças dentro do PCVA aliado ao mix de vendas no segmento de média renda (Riva) nos levam a crer que a Direcional deve ser capaz de manter em neste patamar elevado pelos próximos anos. Também acreditamos que as novas mudanças também devem permitir que a Direcional atue com uma VSO mais elevada, próxima dos 19%, levando a um maior turnover dos ativos e possível expansão do seu P/BV (hoje próximo de sua máxima histórica).
Desde a nossa iniciação em fev/22, vimos uma valorização significativa da Cury (nossa top pick até então), com aumento de ~70% até hoje, enquanto os papéis de Direcional tiveram um aumento de “apenas” 33%. Acreditamos que a diferença da precificação dos ativos no período é em grande parte justificável, tanto que tínhamos a Cury como a nossa preferida. Em um movimento de rotação, entendemos que as ações de Direcional devem outperformar Cury em 2023, em vista de: (i) crescimento mais acelerado do lucro nos próximos 2 anos, (ii) precificação, pelo mercado, do landbank robusto da Direcional, justificado pelo crescimento dos lançamentos nos últimos meses (e expectativa de continuidade deste crescimento) e (iii) diluição das despesas com o aumento das receitas. Isso significa que deixamos de gostar de Cury? Não! Mas temos uma expectativa levemente mais construtiva para Direcional para 2023.
Prévia trimestral
Esperamos que a Direcional apresente uma receita relativamente flat no comparativo trimestral, com uma pequena queda de 40bps na margem bruta, mas ainda em patamar extremamente forte de 35,0%. As despesas devem se manter relativamente estáveis em relação à receita líquida, mas ainda um pouco acima da média. A surpresa deve vir no resultado financeiro, com efeito da valorização das ações da Direcional no trimestre impactando positivamente em ~R$ 25m. Desta forma, vemos o lucro crescendo 74% no comparativo trimestral, atingindo R$ 72m.
Cury
Estamos atualizando os números de Cury com alteração do preço-alvo para R$ 16,00 (de R$ 12,00), reiterando a recomendação de Compra e upside de 26,1%. Nossa mudança de preço-alvo incorpora os seguintes pontos: (i) incorporação dos números de lançamentos/vendas do 3T, (ii) atualização das expectativas de lançamentos e margem com base nas mudanças do PCVA, (iii) ajustes em variáveis macroeconômicas e (iv) estabilização em um nível de VSO mais elevado (+140bps).
Desde a nossa iniciação, a Cury foi um grande acerto, desempenhando de forma muito superior à média do setor, tanto operacionalmente quanto financeiramente. Suas ações também performaram bem, subindo quase 70% no período. Aos que questionam se ainda vale a pena comprar Cury, a nossa resposta é um grandessíssimo “sim”.
Hoje, a Cury negocia a um múltiplo P/E 2023 de 6,6x e temos uma perspectiva de pagamento de um dividend yield de ~7% referente ao ano de 2022 e de ~9% referente a 2023. Ou seja, acreditamos que o papel ainda está barata, mesmo depois de andar bem ao longo deste ano.
Prévia trimestral
A Cury deve continuar apresentando números trimestrais muito fortes. A receita líquida deve ter um crescimento robusto de 4,3% atingindo R$ 629m, enquanto sua margem bruta deve continuar a mais alta das empresas de baixa renda que temos na cobertura, fechando o trimestre em 36,1% (+30bps). Dessa forma, esperamos um lucro líquido de R$ 95m, representando uma margem líquida de 15,1%.
RNI
Estamos atualizando os números de RNI sem alteração do seu preço alvo, reiterando a recomendação de Compra com preço-alvo de R$ 12,00 e upside de 69%. Nossa mudança de preço-alvo incorpora os seguintes pontos: (i) incorporação dos números de lançamentos/vendas do 3T, (ii) atualização das expectativas de lançamentos e margem com base nas mudanças do PCVA, (iii) ajustes em variáveis macroeconômicas e (iv) estabilização em um nível de VSO mais elevado (+20bps).
Desde a nossa iniciação em fevereiro, as ações RNI (que temos recomendação de compra) não performaram bem, caindo 24% no período. Atribuímos o desempenho fraco à falta de liquidez, que tem desempenhado um papel de precificar erroneamente a companhia. Os últimos 3 meses foram de suma importância para o desempenho do setor, com o posicionamento de novos investidores levando os preços das construtoras a um novo patamar (vide Cury, Direcional, Tenda, MRV, Cyrela, etc). Na nossa visão, a baixa liquidez afastou o posicionamento dos investidores institucionais do papel, impedindo que a empresa se beneficiasse do movimento.
O números financeiros e operacionais da RNI tiveram uma melhora significativa desde fevereiro, que não se traduziu em performance do papel. Por isso entendemos que, desde então, o papel virou uma barganha. Hoje, a RNI negocia ao menor P/E 2023E da nossa cobertura e ao menor P/BV, mesmo em um momento operacional muito positivo para a companhia, deixando para trás os lucros negativos, voltando a pagar dividendos e terminando o ciclo da queima de caixa (contraste com Tenda e as operações da MRV no Brasil).
Entendemos que o não-posicionamento de investidores institucionais é justificado uma vez que a entrada no papel causaria grande alarde, movendo significativamente o preço das ações a ponto de diminuir o potencial upside do comprador. Por outro lado, acreditamos que investidores menores conseguem se posicionar com pouquíssimo efeito no preço frente ao upside potencial da companhia e, portanto, são super bem-vindos a fazê-lo. Faço aqui uma provocação: por que se posicionar em cases de “longo prazo” que não dão lucro, queimam caixa feito lenha e tenham poucas perspectivas para o próximo ano, se temos alternativas como a RNI: baratas, bem posicionadas para continuar entregando resultados no próximo ano e com potencial altíssimo (possivelmente acima do nosso preço-alvo)?
Prévia trimestral
O crescimento das vendas de RNI nos últimos trimestres pode ser visto nos resultados deste trimestre, com receita atingindo R$ 196m, um aumento de 63% no comparativo anual. Esperamos um crescimento de 30bps ficando em 26,9%, ainda abaixo das nossas projeções de longo prazo. Devemos ver este número convergindo para as nossas expectativas conforme o reconhecimento das receitas/custos dos novos projetos. Assim, esperamos um lucro de R$ 10m no trimestre com uma margem de 5,3% (+2,1p.p. t/t).