Conclusão
Conforme anunciado em seu último dia do investidor (para maiores detalhes, clique aqui e leia o nosso relatório com os principais pontos abordados nesse evento), a empresa estima atualmente pelo menos R$15 bilhões em créditos tributários relacionados a prejuízos acumulados e diferenças temporárias a serem ativadas em suas subsidiárias (ou seja, ainda não reconhecida no balanço) e holding e, conforme dito no evento, a aquisição de ativos ou empresas deve ser utilizada como uma maneira de acelerar o reconhecimento de tais créditos. Nos próximos tópicos explicamos como funciona a aferição de tal crédito tributário e como a aquisição de ativos já operacionais ajudam na velocidade da apropriação de tais créditos tributários.
Em nossa leitura, achamos que os eventuais alvos de aquisição podem ser empresas de capital aberto e não apenas aquisições pequenas de ativos pontuais. Nossa tese é derivada de dois pontos: I) o tamanho do crédito tributário reconhecido e outros ainda a serem ativados (pelo menos R$15 bilhões) e II) o gigantismo da própria Eletrobras. Para se apropriar desses valores de maneira relevante e trazer uma real geração de valor para o acionista, a empresa precisará realizar aquisições relevantes em termos de tamanho do ativo a ser adquirido. Ou seja, empresas de capital aberto seriam alvos naturais desse processo exatamente por estarem entre as maiores. Vale lembrar que eventuais aquisições devem ocorrer apenas após o reconhecimento dos créditos tributários no balanço da empresa.
Achamos que a Transmissão Paulista seria um dos alvos prioritários desse processo. Atualmente, Eletrobras já possui uma participação de 35% na empresa entre ações ordinárias e preferenciais. Ou seja, conhece bem os negócios da empresa e a maneira como ela é tocada. Se considerarmos o valor relativo da empresa (baseado no nosso preço-alvo, por exemplo) e o incremento marginal em seu lucro tributável tendo em vista a consolidação total da empresa em seu resultado versus a quantia que a Eletrobras precisaria desembolsar para concluir a aquisição, nos parece ser algo ser o case mais óbvio a ser observado. Vale mencionar que os acionistas preferencialistas da Transmissão Paulista não possuem direitos de tag along, o que faria com que o valor a ser desembolsado para consolidação da empresa pela Eletrobras fosse menor no relativo a outros cases tendo em vista o potencial de destravamento de valor para Eletrobras.
Mas só a Transmissão Paulista pode ser alvo desse processo? Nossa resposta é não. Citamos o nome da Transmissão Paulista devido a participação que a Eletrobras já tem na mesma, conhecimento do ativo, modelo de negócios e ausência de direitos de tag along para acionistas minoritários. Ou seja, no relativo, seria o ativo potencialmente menos custoso para que a Eletrobras caso ela decida pela sua aquisição. Aquisições tendem a ser interessantes para acionistas minoritários por geralmente gerarem prêmio para os acionistas em relação ao valor de tela dos ativos. Ou seja, apesar de acharmos a aquisição da TRPL4 o caso mais óbvio, a possibilidade da Eletrobras ser uma compradora tende a ser potencialmente benéfico para o setor como um todo.
E empresas de Distribuição? Apesar de uma preferência natural aos segmentos de Geração e Transmissão, achamos que empresas expostas ao segmento de distribuição não devem ser descartadas nesse processo. Vale lembrar que o background do Wilson Ferreira Júnior (CEO da Eletrobras) foi exatamente em uma das maiores distribuidoras de energia elétricas privadas no Brasil, a CPFL Energia – empresa conhecida exatamente por sua grande qualidade na gestão e serviço no segmento de distribuição de energia elétrica. Sendo assim, seria um erro achar que a Eletrobras fosse simplesmente não considerar essa classe de ativos por estar exposta a apenas aos segmentos de Geração e Transmissão.
Os fatos
Eletrobras realizou o seu Investidor Day no último dia 12/07, demonstrando grandes detalhes sobre as múltiplas alavancas de valor para tese da empresa. Dentre os pontos apresentados, citamos a estratégia da empresa em se apropriar em créditos fiscais via eventuais operações de M&A e incorporação de ativos rentáveis. E quanto mais rápido for a apropriação desses créditos, maior o valor gerado pela empresa. Afinal de contas, o dinheiro possui valor no tempo e os créditos tributários não são atualizados por inflação.
Como citamos, dentre as possibilidades citadas para apropriação de tais créditos, a empresa citou o uso de aquisições no setor elétrico. A aquisição de uma empresa ou de um ativo específico pode gerar valor para além dos métodos tradicionais (corte de custos, sinergias operacionais, estratégicas, ganho de escala etc). No caso específico da Eletrobras, ela conseguiria acelerar a apropriação de créditos fiscais devido a ampliação da base tributável para cálculo do benefício fiscal.
Exemplo: entendendo o benefício fiscal dos prejuízos acumulados
Empresas podem transformar prejuízos acumulados em anos anteriores em créditos fiscais. Prejuízos acumulados reduzem a base de cálculo para recolhimento dos tributos sobre o lucro. Entretanto, o limite para abatimento no ano em questão é de apenas 30% do lucro tributável no período. Essa limitação trás dois desafios: I) se o crédito fiscal a ser apropriado for muito grande, a apropriação do crédito será muito longa ou II) lucro tributável pequeno, caso de empresas com baixas margens operacionais.
Exemplo: Supondo uma empresa fictícia que apresentou prejuízo de R$1,250 bilhão em seu primeiro ano, gerando crédito tributário de valor equivalente no seu primeiro ano. Considerando o limite de 30% do LAIR (1), a linha 02 mostra o cálculo da compensação. A linha 03 mostra o resultado do lucro tributável (LAIR – Compensação) que incidirá o imposto de renda. Como podemos perceber, a alíquota efetiva é reduzida para apenas 24% vs a alíquota original de 34% à medida que o lucro tributável é diminuído. A linha do lucro tributável pode ser incrementada de maneira orgânica ou via aquisições de outra empresa, que por sua vez aumenta o Lucro Antes do Imposto de Renda. Ou seja, existe o aumento da base de cálculo que incidirá o cálculo da compensação.
Uma vez mais queremos lembrar que esse tópico é apenas um exemplo da aplicação do benefício fiscal do prejuízo acumulado. A maneira como os créditos fiscais derivados das diferenças temporárias ainda precisa ser apresentada.
Análise de caso: ENEVA vs AES Brasil
O caso mais recente que podemos citar envolvendo empresas de capital aberto foi tentativa de aquisição da AES Brasil (a época chamada de AES Tietê e negociando sob o ticker TIET11) pela Eneva (ENEV3) em Março/21. A proposta envolvia pagamento de parte em dinheiro e outra parte via troca de ações. Como sabemos, a oferta acabou não avançando.
Entretanto, é importante mencionar que dentre as alavancas de valor no processo de aquisição, foi citada a apropriação de créditos tributários relacionados a prejuízos acumulados – no 1T20, ENEVA possuia R$1,9 bilhões em prejuízos acumulados reconhecidos em seu balanço e os resultados da AES Brasil ajudariam na velocidade do reconhecimento desses créditos com o aumento do lucro tributável da nova empresa formada.
Para quem não sabe: A Eneva é a antiga MPX Energia, um dos projetos do executivo Eike Batista que acabou não logrando sucesso e acabou sendo tocado por outro grupo de executivos.
Qual “poder de fogo” da Eletrobras?
A dívida líquida da empresa alcançou R$36,7 bilhões no 1T23 e um EBITDA nos últimos meses de R$18 bilhões, a relação Dívida Líquida/EBITDA de 2.0x. Ou seja, um endividamento muito razoável em uma indústria que tende a operar com limites de endividamento de 3,5x – 4,0x. Sendo assim, considerando a possibilidade Eletrobras elevar o seu endividamento até o limite de 3,5x-4,0x e o EBITDA 12M de R$18 bilhões e as nossas estimativas de R$21 bilhões em EBITDA para 2023E, o “poder de fogo” da empresa para aquisições é de pelo menos R$26-47 bilhões. Como podemos perceber, tal “poder de fogo” permitiria a empresa adquirir maior parte das empresas de capital aberto em bolsa do Brasil.
Mas por quê a ISA CTEEP (TRPL4)?
Os mais atentos vão se lembrar que a Eletrobras já é dona de 25,1 milhões de ações ordinárias e 210,4 milhões de ações preferenciais, resultando em uma participação total de 35,7% da Eletrobras na ISA CTEEP. Ou seja, imaginamos que a Eletrobras conheça bem as operações da ISA CTEEP e entenda bem eventuais sinergias e benefícios em caso de uma eventual aquisição. Além disso, a medida que a Eletrobras já possui uma fatia relevante na empresa, o valor total a ser desembolsado para que a mesma fosse totalmente consolidada seria bem menor do que adquirir outros nomes no setor.
Como podemos perceber na tabela abaixo, a ISA CTEEP possui um grupo de controle muito bem definido e a sua aquisição dependeria da aceitação desse bloco controlador. Além disso, é importante mencionar que a ISA CTEEP é o braço brasileiro de uma estatal colombiana. Sendo assim, a decisão de aceitar uma eventual proposta de aquisição pode não necessariamente representar a melhor decisão para o seu acionista minoritário.
Qual o LAIR dos possíveis alvos?
Como mencionamos, a apropriação dos créditos tributários depende do tamanho da base do lucro antes o imposto e renda de acordo como demonstramos nos tópicos anteriores. Sendo assim, para além da observação da qualidade dos ativos a serem adquiridos, o tamanho do incremento da base tributável com a incorporação do ativo adquirido também deve ser levada em conta. No caso específico da TRPL, chama a atenção o valor a ser desembolsado para consolidação total do ativo vai ser menor no relativo a outros nomes tendo em vista a participação que a Eletrobras já tem na empresa. Se ajustarmos o valor de mercado da ISA CTEEP para a participação remanescente ex-Eletrobras, o múltiplo EV/LAIR seria de apenas 10x vs média de 15,4x no restante da indústria.
Direitos de Tag Along
Como comentamos ao longo do nosso documento, a aquisição da ISA CTEEP pela Eletrobras não passa de uma mera possibilidade – ainda que faça muito sentido, na nossa opinião. Podemos concluir também que tendo em vista o tamanho da empresa e o seu potencial de alavancagem, o “poder de fogo” da Eletrobras faz com que qualquer empresa de capital aberto no Brasil possa ser alvo do seu apetite. Sendo assim, faz muito sentido que a empresa também observe para outros nomes no setor como possíveis alvos. Dito isso, achamos importante levantar quais os nomes do setor garantiriam 100% de direitos de tag along para os acionistas minoritários. Como podemos perceber, os acionistas preferencialistas não possuem direitos de Tag Along enquanto os acionistas Ordinários teriam direito a apenas 80% do valor ofertado.
O que são Direitos de Tag Along? É um mecanismo em casos de venda de uma empresa. Ela permite que sócios minoritários vendam suas ações para o novo controlador em termos similares ou equivalente a pelo menos 80% do valor oferecido pelas ações dos acionistas majoritários.
O que o CADE pode achar desse tipo de movimentação?
Historicamente, aquisições ou fusões no setor elétrico tendem a não levantar tanta polêmica nos órgãos antitruste. O motivo é bem razoável: o negócio de energia em seus múltiplos segmentos (Geração/Transmissão/Distribuição) são monopólios naturais e com preços já regulados (no caso da distribuição) ou em leilões públicos (Transmissão ou Distribuição). Ou seja, o modelo de negócios não permitiria o exercício do poder de mercado “de cima para baixo” da empresa em relação aos consumidores. Entretanto, imaginamos que algum questionamento relacionado a pressão na cadeira de fornecedores e/ou matérias-primas pode se levada em consideração. Ainda assim, achamos que o risco de eventuais aquisições por parte da Eletrobras ser simplesmente negada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) como uma possibilidade muito limitada.