O que aconteceu?
A JBS informou após o fechamento do mercado de ontem (17 de março) mais um passo importe para viabilizar a transferência da sua listagem primária para a Bolsa de Nova York (NYSE), mantendo apenas BDRs listados na B3. Em desejo antigo (final de 2022, mas remonta uma intenção preliminar de ~9 anos atrás) de promover uma dupla listagem com liquidez tanto no mercado dos EUA quanto no brasileiro, observamos que a companhia segue desatando os nós para romper burocracia e exigências do agente regulador norte americano, que tem o poder para autorizar a oferta de ações primárias nos EUA, a Securities and Exchange Commission (SEC).
O plano de dupla listagem (NYSE e B3), que depende da (i) aprovação da SEC e (ii) e dos acionistas minoritários em assembleia geral extraordinária (AGE) ainda a ser convocada em data posterior, inclui agora um acordo entre J&F Investimentos (48,34% do capital total) e BNDESPar (20,8% do capital total). O acordo, tornado oficial pela companhia após o fechamento do mercado na seção de negociações de hoje, vincula o recebimento de até +R$500m pelo BNDESPar em caso do não atingimento de determinando nível de valorização das ações, medidante a liberação da SEC e a viabilização do processo de listagem primária na NYSE.
O acordo garante também que o BNDESpar irá se abster da votação na assembleia (AGE) quando ela ocorrer, deixando a decisão para os demais acionistas minoritários. Esse trecho, mencionado em comunicado oficial da JBS, parece evidenciar que o BNDES era contrário à dupla listagem e o acordo foi elaborado de forma a expurgar o voto contrário que muito provavelmente seria proferido na assembleia.
Principais Destaques:
(i) Listagem Primária na NYSE: A JBS pretende transferir sua listagem principal para a NYSE, mantendo apenas BDRs na B3 para aumentar liquidez e atrair investidores globais; (ii) Condições para a Dupla Listagem: A operação depende da aprovação da SEC e do aval dos acionistas minoritários em uma AGE; (iii) Acordo J&F e BNDESPar: Em caso de não atingir o patamar de valorização esperado, o BNDESPar receberá até R$500m pagos pela J&F, além de se abster de votar na AGE; (iv) Acreditamos que o acordo visa garantir uma rentabilidade mínima (R$500m) para com o dever fiduciário do BNDESpar e ao mesmo tempo se abster de votar na AGE, o que implicaria em tomar uma posição politicamente contrária a financeira, caso participasse. Ou seja, financeiramente parece fazer sentido a dupla listagem, mas politicamente seria ruim para o BNDES votar a favor de forma a contribuir para a JBS pulverizar uma parcela maior do seu capital para investidores estrangeiros; (v) Ainda, uma visão adicional que trazemos seria de que o BNDESPar estaria hipoteticamente sendo pressionado a vender parte de sua posição, uma vez que a SEC poderia facilitar a aprovação da dupla listagem caso a concentração de capital diminua, e libere free float para garantir acomodação da demanda de investidores que farão o fluxo das ações na NYSE. Nesse cenário, os R$500m atuaria como garantia de retorno diante da incerteza sobre a valorização futura, além de exercer um prêmio para cobrir o custo de oportunidade do BNDES em ter que se desfazer das ações; (vi) Com múltiplo de 4,4x EV/EBITDA 25E (vs. 5x na média histórica) e FCF yield ~14%, o potencial de reprecificação com a listagem na NYSE torna o valuation atrativo. Dessa forma, seguimos com nossa recomendação de COMPRA com Target Price 12M de R$42,50, perfazendo um upside de +29,77%.
Quem pagaria essa quantia?
O valor seria pago integralmente pela J&F Investimentos (holding de participações da família Batista, fundadores da JBS). Portanto, não sairia do fluxo de caixa da JBS, de forma a não exercer penalização aos acionistas minoritários. Outro ponto importante é que não foi divulgado (i) qual a trava que indicaria o nível de valorização das ações que acionaria o mecanismo de pagamento e (ii) nem o escalonamento de valores, uma vez que podemos supor que seria até +R$500m, o que significa dizer que há a possibilidade também de ser um valor mais baixo que este a depender de condicionantes não reveladas. Apenas foi divulgado que a data limite para o acionamento do mecanismo é 31 de dezembro de 2026, considerando que até lá a dupla listagem já teria sido executada.
Por que o BNDES se colocaria contra a dupla listagem?
O primeiro fator seria as críticas que o BNDES poderia receber em manter uma posição relevante dentro de uma companhia que estaria vinculando ações primárias em uma bolsa de valores fora do Brasil. Isso demostra a insatisfação do BNDES mediante ao processo de dupla listagem, com o formato das ações primárias serem na NYSE. Isso faria com que uma parte relevante dos acionistas não fosse brasileiros, uma vez que a negociação as ações na B3 ficariam a cargo das BDRs.
Por outro lado, é importante esclarecer que a JBS já possui ações negociadas na NYSE, por meio de ADRs. Entretanto, sabemos que as ADRs da JBS (JBSAY-NYSE) possuem baixa liquidez e são negociadas no mercado de balcão (OTC), com um ADTV 6M de 806 mil vs. 279 milhões da JBSS3-B3. Os números demonstram que a liquidez é ínfima, como geralmente ocorre em mercados OTC. Então, para o processo de dupla listagem atrair investidores internacionais em quantidade relevante de fluxo, as ações precisariam ser líquidas, aliados a um free float capaz de absorver a demanda. Para isso, a alternativa de realizar uma transferência de ações primárias pela NYSE (não mais as ADRs) nos parece ser de fato o melhor caminho. O que, por sua vez, desagradaria ao BNDES sob o argumento de investir em empresas de capital majoritariamente brasileiro.
SEC poderia criar barreiras na autorização com concentração da estrutura de capital.
O segundo fator que colocaria o BNDES contra o processo de dupla listagem seria uma possível obrigação de venda de ações dos acionistas de referência (J&F Investimentos e BNDESpar) para reduzir a concentração da estrutura de capital e aumentar o free float. Salientamos que o mercado norte americano preza muito mais pelas boas práticas com acionistas minoritários do que o mercado regulado brasileiro, mesmo incluindo o chamado “Novo Mercado” da B3. Embora não nos pareça haver um pré-requisito evidenciado como uma regra clara nesse sentido, ainda assim, acreditamos ser válido cogitar que a SEC teria essa preocupação. Principalmente se nos aprofundarmos nas intenções da JBS em acessar o mercado de ações nos EUA de forma mais ampla.
Pensando que a JBS tenha a ambição de se candidatar para o índice S&P500 (o que achamos ser provável), destacamos duas exigências importantes: (i) 50% ou mais da receita líquida total da companhia seja proveniente do território norte-americano, o que já é uma realidade para a JBS, como também (ii) 50% ou mais de capital esteja em free float,isto é, na mão de acionistas minoritários. Esse segundo requisito atualmente não é cumprido pela JBS, que possui 69,15% do capital detido pelo BNDESpar e J&F Investimentos, sobrando, portanto, 30,85% na mão de acionistas minoritários.
Nossa visão e recomendação
Não nos surpreenderíamos se o BNDES anunciasse a venda da sua participação.
Considerando o contexto e as ambições que a JBS possa ter com a dupla listagem, acreditamos que uma das hipóteses que pode estar por detrás da confecção deste acordo celebrado entre a J&F e o BNDES seria a possibilidade da SEC dificultar a dupla listagem em virtude da alta concentração dos acionistas de referência, que remonta a distorção da percepção de governança corporativa que a JBS possa ter criado junto aos investidores e órgão reguladores. Portanto, poderíamos assumir, neste caso, que uma das fortes motivações do acordo seria a vinculação de um compromisso posterior do BNDESpar desfazer-se de parte de sua posição, mediante autorização da SEC para liberar a dupla listagem.
Assim, o acordo foi costurado para, caso as ações não subam com o primary listing na NYSE até um determinando nível – via reaproximação de múltiplos relativa aos pares – o BNDES receberia um aporte de até +R$500m da J&F Investimentos como (i) um prêmio pela eventual diluição – que acreditamos que seria uma possível condicionante da SEC para aprovação da dupla listagem – ou (ii) uma espécie de apólice de seguro, que compensaria a possível não valorização das ações na NYSE mesmo já tendo se desfeito de parte de sua posição.
Existe algum tipo de restrição do BNDES em investir em empresas fora do Brasil?
O apoio à internacionalização das empresas brasileiras pelo BNDES começou no início dos anos 2000. Em 2002, alterações no Estatuto do BNDES permitiram o financiamento de investimentos estrangeiros diretos (IED). Essa iniciativa surgiu juntamente com uma expansão do investimento direto brasileiro (IBD). Entre 2003 e 2013, o IED brasileiro no exterior aumentou de US$55b para US$293b. Em 2002, foram estabelecidas diretrizes de financiamento para esses investimentos e, em 2005, foi criada uma linha de financiamento dedicada à internacionalização.
Inicialmente, as diretrizes exigiam que os beneficiários fossem (i) empresas exportadoras brasileiras sob controle nacional, envolvidas em atividades industriais de produção de bens de consumo ou de capital, refletindo preocupações com a vulnerabilidade econômica do Brasil. Atualmente, o acesso ao financiamento da internacionalização está aberto a todas as empresas ou subsidiárias brasileiras, desde que o acionista de maior relevância seja brasileiro. Olhando por essa perspectiva, como não acreditamos que a J&F Investimentos irá se desfazer do controle (atualmente 48,34% do capital total), o maior acionista continuaria sendo brasileiro.
Jogo político faz parte do imbróglio.
Este acordo entre BNDESpar e J&F Investimentos foi finalizado quase 9 anos depois que o BNDES vetou uma reorganização corporativa da JBS que poderia transferir a sede da companhia para a Irlanda do Norte, com o argumento de evitar a “desnacionalização”. Isso fazia parte de um plano inicial para a JBS listar ações no exterior. Conforme comentamos, esse sonho da companhia já vem de longa data. Desde então, a JBS modificou sua estratégia para manter sua sede no Brasil, e o BNDES perdeu seu poder de veto após a expiração do acordo de acionistas em 2019.
Agora, com o contrato assinado com a J&F, o BNDES parece estar se distanciando de uma questão politicamente sensível. A relação do BNDESpar com a dupla listagem também nos parece ser, curiosamente, dual (sem trocadilhos aqui). Se por um lado, (i) o apoio exercido na assembleia (AGE) poderia causar reações negativas, ligadas ao cunho político da decisão por uma autarquia do governo brasileiro, mediante a facilitação demasiada da dissipação do capital para o investidor estrangeiro, por outro lado (ii) a oposição poderia aniquilar o dever fiduciário que o BNDESpar de fato possui se a operação for bem-sucedida e as ações aumentarem de valor.
Conclusão: Tanto há motivação política quanto possíveis restrições da SEC.
Considerando que o acordo firmado garante um retorno mínimo de até +R$500m, acreditamos que isso de certa forma protege a administração do BNDES de críticas relacionadas aos melhores interesses do governo brasileiro. Já para a J&F, esse acordo elimina a possibilidade de o BNDES votar contra a dupla listagem na assembleia (AGE). Ressaltamos que o BNDESpar seria o principal acionista na reunião do minoritários caso participasse, e poderia sofrer pressão política para se opor ao projeto. Já a J&F Investimentos não irá participar da assembleia (AGE), uma vez que é controlador. Dessa forma, a decisão sobre a dupla listagem no que cabe a vontade dos acionistas será tomada pelos minoritários que detêm 30,85% das ações. O maior acionista individual desse grupo é o fundo de investimentos Capital Group, com 5,03% das ações.
Acreditamos o grupo J&F tem um certo grau de convicção de que que a operação irá destravar valor significativo, permitindo à JBS acessar investidores globais, especialmente fundos passivos que hoje praticamente não possuem exposição à companhia devido à sua listagem exclusiva na B3. Vemos a JBS negociando atualmente a 4,4x EV/EBITDA 25E, o que nos parece significativamente descontada em relação a seus pares internacionais como Tyson Foods (8,5x) e Smithfield (8,0x). Portanto, a listagem primária das ações na NYSE, garantindo liquidez, expurgaria esse gap frente aos pares. Isto é, o valuation de mercado da JBS iria esticar mais do que o patamar atual, para convergir para valores mais similares aos pares, fazendo com que as ações subissem, via reprecificação por múltiplos.
Adicionalmente, acreditamos que a JBS haveria uma necessidade deconstituir um maior nível maior de free float para acomodar o fluxo de investidores em uma base de acesso a capital muito mais vasta, podendo até possivelmente vindo a participar do SP&500. Tão logo, conjecturando como um cenário hipotético (mas bem fundamentado), nos parece haver uma sinalização da SEC em facilitar a aprovação das ações primárias na NYSE mediante a redução da concentração na estrutura de capital.
Como não acreditamos que essa redução virá da J&F Investimentos, sobraria para o BNDESpar realizar a venda de parte de sua posição. Por isso, poderia ter exigido uma garantia real de retornos (traduzida através do recebimento dos R$500m) para se desfazer das ações, sob algum grau de incerteza do ponto de vista factível de que as ações subiriam após a realização da operação. Isso considerando o cenário traçado onde não haveria vontade do BNDES em ser diluído, mas uma obrigação, por assim dizer, em fazê-lo para viabilizar a operação. Sumarizando, ainda assim acreditamos que o valuation permanece atrativo, apoiado por (i) um múltiplo de 4,4x EV/EBITDA 25E (vs. 5x histórico), com (ii) geração de FCF yield 25E em ~14%, além de (iii) se beneficiar de um potencial desbloqueio de valor com a conclusão da listagem dupla das ações na NYSE. Seguimos com a nossa recomendação de COMPRA, com um Target Price 12M de R$42,50, levando a um upside de +29,77%.