Os últimos meses têm se mostrado desafiador para as operações de varejo. Frente a um núcleo de inflação persistentemente alta e uma taxa Selic em 13,75% a.a., e sazonalmente afetada, sentimos que este foi um trimestre de desaceleração de demanda. As varejistas precisaram equilibrar o seu fraco crescimento de receitas, sem deixar a margem operacional escorregar.
Não é uma tarefa fácil, requer ajustes de investimentos e enxugamento de despesas a todo momento. Mas esse é o tom que enxergamos para o ano. Ao longo das teleconferências de resultados do 1T23, várias companhias mostraram a menor perspectiva de Capex para 2023, além de buscar otimizar o seu ciclo operacional.
Das 11 empresas de varejo sobre a nossa cobertura, 55% apresentaram um resultado em linha ao esperado e 27% abaixo de nossa estimativa. Confira a análise de cada setor!
Varejo alimentar
- Resultado mais forte: Grupo Mateus (GMAT3)
- Resultado mais fraco: Carrefour (CRFB3)
Temas centrais: Os resultados do 1º trimestre giraram em torno de dois grandes pontos: (I) desinflação alimentar e (II) integração de aquisições e novas lojas abertas no último ano.
Após cerca de 30 meses, a inflação da categoria alimentar saiu de um patamar de duplo digito para um único dígito, ao final do primeiro trimestre deste ano. Contudo, apesar da diminuição do peso dos alimentos na cesta de consumo, acreditamos que essa mudança ainda não será suficiente para compensar o impacto das elevações de preços ao longo dos últimos dois anos, principalmente quando analisamos as famílias de baixa renda, onde a inflação percebida ainda se mantém em um nível elevado.
Um parêntese mais do que necessário. Acreditamos que este atual cenário de menor inflação alimentar deve apenas estabilizar as contas na cesta de consumo. Não esperamos um efeito de recomposição de volume em cesta neste ano. Existe um delay natural a ser vencido! A partir daqui, e assim como já foi nesse 1º trimestre, o indicador Same Store Sales (SSS) ficará sob evidência do mercado.
E, falando em Same Store Sales, de longe, o Carrefour foi a companhia mais impactada no trimestre, apresentando o menor SSS do setor, a 5,7% (-180bps a/a), sem considerar o reajuste calendário. Existem três efeitos que, ao nosso ver, explicam esse movimento:
(I) Efeito de desinflação alimentar e maior representatividade de Vendas B2B dentro de seu braço de Cash-and-Carry;
(II) Maior competição do setor no eixo sul/sudeste; e
(III) Possível canibalização de vendas de lojas maduras por conversões abertas em um raio próximo.
Fora dessa briga pelo eixo sudeste, longe da alta competição e canibalização do setor, o Grupo Mateus “nadou de braçada”, sendo a única companhia a sustentar um indicador SSS em duplo dígito, a 11,3% (-140bps a/a).
As dores de crescimento. Outro ponto que marcou bastante os resultados das supermercadistas nesse 1T23 foi a integração de novas lojas (orgânicas e convertidas). Empresas como Carrefour e Assaí fizeram relevantes aquisições em 2022, vide compra do Grupo BIG e portfólio de hipermercado Extra.
Naturalmente, com a área de vendas do Carrefour e do Assaí crescendo a 55% a/a e 34% a/a, respectivamente, essas companhias apresentam o maior crescimento de receita líquida no trimestre, a 29% a/a e 32% a/a, em ordem.
Mas, não existe almoço grátis! Aumentar a área de vendas em um cenário macroeconômico mais desafiador trouxe uma pressão de despesas operacionais ao resultado do setor. Tanto Assaí quanto Carrefour viram sua margem EBITDA encolher 30bps a/a e 230bps a/a, respectivamente.
Novamente, o Grupo Mateus figurou como um “ponto fora da curva”, sendo a única companhia do setor a elevar rentabilidade diante desse cenário (de 6,6% para 7,0%) – o que nos sugere que a varejista tem conseguindo replicar a sua estratégia comercial em novas praças da Regional Nordeste.
Varejo farmacêutico
- Resultado mais forte: RD – Raia Drogasil (RADL3)
- Resultado mais fraco: Pague Menos (PGMN3)
Temas centrais: Os resultados do 1º trimestre giraram em torno de três tópicos: (I) aberturas dos últimos doze meses; (II) último reajuste CMED 2022 de 10,9% (um dos mais altos dos últimos anos); e (III) o cenário competitivo mais favorável aos players de maior escala.
Os pilares (I) e (II) foram os grandes responsáveis pela expansão de receita bruta das companhias (em média 23% a/a).
(I) Com exceção de Pague Menos, que fez uma aquisição relevante (Extrafarma) e expandiu seu parque de área em 40,9% m² a/a, somando +478 lojas (em sua maioria inorgânicas), as demais atingiram seus respectivos guidances de aberturas de forma 100% orgânica. A RD cresceu sua área de vendas crescer 8,5% a/a, enquanto a Panvel elevou a sua metragem total em 7,2% a/a. Em termos absolutos, essas companhias abriram 216 e 38 unidades líquidas, respectivamente.
(II) Com uma inflação alta no ano de 2021, vimos o reajuste CMED passar para a casa de dois dígitos (10,89%) – um dos maiores reajustes já registrados. Tal feito foi responsável pelo forte crescimento de faturamento das farmacêuticas nos últimos 12 meses, impactando positivamente o Same Store Sales de lojas maduras.
(III) Os dados da IQVIA mostram um arrefecimento da competição de players independentes e de menor escala – o que trouxe ganho de market share para as três farmacêuticas nesse 1º trimestre. E este cenário deve continuar favorável, visto que o atual patamar da taxa de juros somado a balanços menos estruturados devem fazer com que os players de porte menor diminuam o ritmo de aberturas, ao passo que acelerem fechamentos.
Na somatória dos três pontos acima, observamos um bom desempenho de vendas para a RD e Panvel, que cresceram seu Same Store Sales em +14,8% a/a e 10,0% a/a – acima da inflação do período (de 4,70%) –, ao passo que a Pague Menos teve um fraco indicador de apenas 4,3% a/a.
O cenário para o ano de 2023 é diferente, principalmente, por dois motivos. O primeiro, é que com a baixa da inflação LTM, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos já anunciou o CMED 23, em 5,6% a/a. O aumento é benéfico ao setor e afeta, principalmente, os números do 2º trimestre do ano corrente – fruto do aumento de estoque pré-alta em março. Porém, devemos observar as margens brutas do setor farmacêutico sendo penalizadas na visão ano contra ano, em virtude da forte base comparativa provocado pelo reajuste de 2022.
Já o segundo fator é decorrente das aberturas orgânicas e guidances estipulados para o ano. Quando falamos de RD e Panvel, não devemos ter surpresas para o atingimento da meta de +260 lojas e +60 lojas, respectivamente. Em contrapartida, a Pague Menos anunciou, em seus resultados do 1T23, a revisão para baixo de seu plano de expansão, saindo de +60 novas aberturas para apenas +20 unidades – dado o maior custo de capital para as companhias em 2023 somado a maiores gastos de capital para incrementar estoques em sua adquirida, Extrafarma.
Em relação a margens, observamos dinâmicas diferentes entre as companhias sob nossa cobertura.
A Panvel apresentou expansão tanto de margem bruta (+20bps a/a), como margem EBITDA (+40bps a/a). O mix de vendas foi o responsável pelo ganho de margem bruta, onde o ganho de participação da categoria de HB mais que compensou a queda em OTC. A soma positiva de menores custos e maiores diluições em despesas com vendas ocasionaram o crescimento de rentabilidade operacional.
Para a RD, a dinâmica foi mista, onde a companhia teve pressão na margem bruta (-28bps a/a) por conta de maior penetração do digital e da 4Bio, enquanto o ganho de rentabilidade da operação de varejo conseguiu contrabalancear o impacto negativo de margem bruta, trazendo o ganho de margem EBITDA (+107bps a/a).
A Pague Menos teve um desempenho negativo tanto para margem bruta (-55bps a/a) como para EBITDA (-201bps a/a). O impacto foi provocado por dois fatores: (I) a companhia não conseguiu compensar a queda de OTC com volumes de outras categorias e (II) maior penetração do canal digital.
Carregando um efeito negativo na margem bruta, a rentabilidade operacional também foi prejudicada por maiores despesas de Gerais e Administrativas, em virtude dos efeitos de aquisição, além de maiores despesas de marketing no período.
Varejo e-commerce
- Resultado mais forte: Via (VIIA3)
- Resultado mais fraco: Magazine Luiza (MGLU3)
Temas centrais: Para o varejo e-commerce, quatro pontos nortearam os resultados desse 1º trimestre: (I) performance positiva de lojas físicas; (II) aumento de rentabilidade no canal de marketplace; (III) impacto do DIFAL (Diferencial de Alíquota ICMS); e (IV) alavancagem financeira.
A dinâmica de lojas físicas e marketplace foi unânime para Magazine Luiza e Via (ex Via Varejo). Ambas as companhias apresentaram um crescimento real a/a desses canais, no período, e também com um desempenho acima do reportado no 1T22 vs. 1T21.
Olhando para o canal físico, a nossa visão é que a Via performou acima do Magazine Luiza, impactada positivamente tanto por uma contribuição de um maior Same Store Sales (SSS de +9,0%, +230 bps acima do apresentado pelo Magalu), quanto da contribuição de abertura líquida nos últimos 12 meses – Via abriu 16 lojas entre 1T22 e 1T23, enquanto Magalu apenas 2 unidades, desconsiderando os números relativos a quiosques.
No digital 3P, ambas as companhias elevaram o seu crescimento, tanto em visão sequencial, quanto na visão anual. Colhendo frutos de um canal um pouco mais maduro, as duas companhias se beneficiaram de um maior nível de Take-Rate no período (12% para Via e est. 15% Magalu).
Mas, apesar da melhora em vendas nas lojas físicas e no marketplace, não vimos uma direção única para o Digital 1P (e-commerce de estoque próprio), o que nos leva a crer que este canal foi o “grande divisor de águas” do trimestre – e trouxe complicações externas imediatas nas margens.
Enquanto o GMV 1P da Via cai na mesma direção que o mercado, -15,0% a/a vs. -14,0% mercado on-line (Neotrust), o Magazine Luiza vê o seu GMV 1P crescer +6,4% a/a. Acreditamos que, apesar de nenhuma das companhias terem realizado um approach comercial para capturar a fatia devida a Americanas, o GMV 1P do Magalu foi positivamente impactado por operações como Netshoes e Zattini.
A maior diversificação do mix de categorias do canal 1P do Magalu a tornou menos exposta ao baixo ciclo de mercado vivenciado pela categoria de eletro-eletrônico, quando comparado com a sua principal concorrente.
Contudo, com o retorno do DIFAL e dado o impacto no e-commerce, o crescimento do canal 1P do Magazine Luiza trouxe uma complicação imediata na margem bruta: uma compressão de 3,2 pontos percentuais (pp) na margem de produtos à companhia no início de 2023. Ao longo do trimestre, sentindo o mercado e repassando aos poucos ao preço final, a companhia conseguiu diminuir essa pressão de rentabilidade para 2,4 pp.
A reintrodução do DIFAL é uma “pedra no sapato” para as margens de operações de e-commerce 1P do Magalu, que precisará de tempo para incorporar esse adicional ao preço final do produto, sem deixar de lado o crescimento de vendas. Por outro lado, ela tende a ser positiva para o canal físico, uma vez que a diferença entre preços praticados nos canais começa a cair – o que pode gerar um maior apetite de consumo às lojas (a ver).
Enquanto o Magazine Luiza sente uma pressão negativa de -50bps a/a na margem bruta, a 27,3%, a Via consegue sustentar uma rentabilidade acima de 32,0%, crescendo a margem bruta em +140bps a/a (visão contábil). Esse gap de rentabilidade é levado para a margem operacional e, novamente, a Via é o destaque positivo, com 10,3% de margem EBITDA aj. – bem acima do apresentado pelo Magalu (de 4,9%).
Via e Magalu possuem uma relação de Dívida Líquida (inc. arrendamento e exc. recebíveis) / EBITDA aj. de 3,4x e 4,2x, respectivamente. Apesar de vermos essa alavancagem arrefecer um pouco em relação ao 1º trimestre de 2022, fruto de um menor investimento de capital (Capex) e Capital de Giro mais otimizado, ainda se mantêm em alto patamar, contribuindo para o forte prejuízo do setor, que em média foi negativo em R$ 350 milhões no período.
Varejo vestuário
- Resultado mais forte: C&A (CEAB3)
- Resultado mais fraco: Guararapes (GUAR3)
Temas centrais: No geral, os resultados do 1T23 foram impactados por duas principais dinâmicas: (I) registro de temperaturas mais altas no mês de março e (II) remarcação promocional.
A dinâmica das vendas no 1T23 ainda foi marcada por um cenário macroeconômico desafiador que reduz o apetite para consumo de itens discricionários, afetando diretamente o top line das empresas de varejo de vestuário. Neste trimestre, o desaquecimento das vendas foi potencializado pelo registro de temperaturas mais elevadas no mês de março.
O registro de temperaturas mais elevadas se deu justo quando as coleções de outono/inverno tendem a entrar nas lojas, levando as empresas de varejo vestuário de baixa renda a reportarem crescimentos “mais amenos” (LREN3 +2,2% a/a e GUAR3 +2,9% a/a e CEAB3 +2,9% a/a).
A C&A se destacou, reportando um crescimento de +6,3% a/a da receita de vestuário. Porém, esse crescimento foi parcialmente compensado por uma retração do segmento de Fashiontronics e Beleza (F&B), devido à demanda por itens eletrônicos enfraquecida frente ao cenário macro.
A dinâmica de vendas mais fraca observada no 4T22 levou as companhias a aumentarem a remarcação promocional neste trimestre para girar o estoque. Isso, somado a menor venda de itens de inverno, pressionou a margem bruta de varejo tanto da Renner (-100bps a/a), quanto da Guararapes (-240bps).
Na contramão, a C&A reportou um crescimento de +270bps a/a da margem bruta de varejo, em função da implementação da distribuição Push & Pull e de ferramentas de precificação dinâmica. Além disso, a maior penetração de Beleza no segmento de F&B também contribuiu para um melhor mix de rentabilidade. Ainda assim, a companhia apresenta o menor nível de margem bruta entre as três.
Ganho de rentabilidade foi o destaque do trimestre. Tanto a C&A, quanto a Guararapes conseguiram consolidar ganhos de eficiência em termos de despesas, registrando um aumento de margem EBITDA de +619bps a/a (CEAB3) e +120bps a/a (GUAR3). A maior alavancagem operacional no segmento de varejo, conseguiu, para ambas as empresas, mais que compensar a queda do resultado operacional das verticais de serviços financeiros devido a maiores despesas de provisão.
A exceção foi a Renner. O fraco crescimento de topline não foi capaz de diluir os gastos com o ramp-up do CD de Cabreúva que pressionaram as despesas do trimestre. Com uma menor alavancagem operacional, a companhia foi a única a reportar retração da margem EBITDA, na ordem de -560bps a/a.