Disclaimer: Decretos, Leis e normas regulatórias diversas tendem a ser discutidas, interpretadas e absorvidas pelo corpo jurídico, político e sociedade civil ao longo do tempo de sua publicação até ser efetivamente se materializar como norma. Esse documento não tem a pretensão de trazer respostas definitivas sobre esse tema e, por isso, queremos ressaltar que toda interpretação aqui contida é limitada a necessidade de se trazer alguma resposta, ainda que preliminar, ao que foi publicado no dia de hoje. Sendo assim, os desdobramentos ainda precisam ser acompanhados de perto.
Por último, os decretos publicados não são endereçados a uma estatal específica. Vale lembrar que as estatais brasileiras são muitas e atuam em diversas áreas (armamento militar, abastecimento, comunicação, agropecuária etc.), mas não podemos deixar de considerar eventuais impactos naquela que é a mais relevante de todas sob a nossa cobertura: Petrobras.
Conclusão
Em nossa interpretação preliminar, julgamos a publicação desses decretos como negativa para a empresa. Em nossa leitura, os decretos pioram os quesitos relacionados a autonomia do poder de decisão, governança e, principalmente, alinhamento estratégico da empresa. É impossível determinar eventuais impactos no que interessa ao acionista (planejamento estratégico, lucros, dividendos, etc), mas com certeza não ajuda a reprecificar o case em relação as demais majors globais de petróleo (que negociam 5-6x EV/EBITDA 25E vs 3x EV/EBITDA 25E no caso da PETR4). Ou seja: tal evento não deve ajudar na percepção do mercado no que diz respeito ao prêmio de risco requerido para se investir na empresa. Seguimos com a nossa recomendação de MANTER para PETR4 tendo em vista a ausência de qualquer materialidade relevante nas nossas estimativas para a empresa e, claro, considerando que a empresa já negocia com múltiplos baixos e saudável rendimento de geração de caixa em relação ao seu valor de mercado, o que deve trazer alguma margem de segurança a eventuais decisões negativas do ponto de vista dos investimentos por parte da empresa. De acordo com a nossa análise de sensibilidade, a PETR4 o preço-justo da Petrobras seria muito mais atrativo caso a empresa começasse a ser interpretada como um case sem os mesmos riscos que ela apresenta hoje, fazendo com que o mercado viesse a negociar com uma menor necessidade de prêmio de risco por parte dos investidores.
Os fatos
O Governo Federal publicou três decretos no Diário Oficial da União:
Decreto Nº 12.301 de 09/12/2024
Dispõe sobre a aprovação de diretrizes e de estratégias relativas à governança corporativa nas empresas estatais federais e à administração das participações societárias da União.
Decreto Nº 12.302 de 09/12/2024
Institui o Sistema de Coordenação da Governança e da Supervisão Ministerial das Empresas Estatais Federais.
Decreto Nº 12.303 de 09/12/2024.
Institui o Programa de Governança e Modernização das Empresas Estatais – Inova.
Destrinchando os decretos
Como de costume, após ler os três decretos, vamos trazer aqui os trechos que julgamos mais relevantes em relação a cada um dos três decretos e as respectivas interpretações da nossa parte em relação aos trechos selecionados.
1º | Decreto Nº 12.301 de 09/12/2024
Dispõe sobre a aprovação de diretrizes e de estratégias relativas à governança corporativa nas empresas estatais federais e à administração das participações societárias da União.
(…)
Art. 1º Este Decreto dispõe sobre a aprovação de diretrizes e de estratégias relativas à governança corporativa nas empresas estatais federais e à administração das participações societárias da União.
Art. 2º Compete à Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União – CGPAR:
I – aprovar as diretrizes e as estratégias relativas à participação acionária da União nas empresas estatais federais, com vistas à defesa dos interesses da União como acionista;
II – manifestar-se nos processos de aquisição e de venda de participações detidas pela União, inclusive quanto ao exercício de direitos de subscrição, observado o disposto no art. 6º, caput, inciso IV, da Lei nº 9.491, de 9 de setembro de 1997;
III – manifestar-se sobre as propostas de criação de empresa estatal ou de assunção, pela União ou por empresa estatal, do controle acionário de empresas, inclusive mediante aporte de capital e exercício de direito previsto em acordo de acionistas;
IV – estabelecer diretrizes gerais, em relação às empresas estatais federais, para:
a) negociações de acordos coletivos de trabalho;
b) remuneração fixa e variável de administradores;
c) distribuição de dividendos; e
d) temas transversais prioritários de interesse da União; e
V – estabelecer as diretrizes para a atuação dos representantes da União nos conselhos de administração e fiscal, ou órgãos com funções equivalentes, das empresas estatais federais e das sociedades em que a União participe como minoritária, observado o disposto no art. 14, caput, inciso II, da Lei nº 13.303, de 30 de junho de 2016.
(…)
Art. 3º A CGPAR será composta pelos Ministros de Estado:
I – da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que a coordenará;
II – da Fazenda; e
III – da Casa Civil da Presidência da República.
Nossa Opinião | Em nossa opinião, tal decreto trás uma série de medidas que conflitam em relação ao processo de tomada de decisão da empresa. Hoje, o Planejamento Estratégico e decisão de distribuição de dividendos é conduzido pela diretoria executiva e conselho de administração da empresa. Em nossa leitura, a CGPAR pode definir diretrizes que conflitem com os interesses diretos da empresa como a distribuição (ou não) de um dividendo extraordinário, venda (ou compra) de um ativo que deixou de ser estratégico ou questão salarial dos seus funcionários. Evidentemente, os indicados pelo governo federal tendem a seguir o alinhamento de idéias do Governo Federal, mas enxergamos esse decreto trazendo uma sobreposição decisória em relação a maneira que é feita hoje.
Por último, citamos a composição proposta do CGPAR: Ministro da Fazenda, Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e Casa Civil.
Atualmente, do ponto de vista de decisão estratégica dos seus negócios, entendemos que a Petrobras responde diretamente e principalmente ao Ministério de Minas e Energia (que não está dentro da CGPAR) e Ministério da Fazenda. Além de interação óbvia com demais órgãos como Tribunais de Contas da União, Comissão de Valores Mobiliários, Controladoria Geral da União e outros. Colocar a Casa Civil como parte do processo decisório estratégico da empresa é algo que nos soa no mínimo, estranho.
2º | Decreto Nº12.302 de 09/12/2024
Institui o Sistema de Coordenação da Governança e da Supervisão Ministerial das Empresas Estatais Federais.
(…)
Art. 1º Fica instituído o Sistema de Coordenação da Governança e da Supervisão Ministerial das Empresas Estatais Federais – Sisest, com a finalidade de organizar as atividades de supervisão ministerial e de coordenação da governança das empresas estatais federais no âmbito do Poder Executivo federal.
(…)
Art. 2º São objetivos do Sisest:
I – aprimorar a organização das atividades de supervisão ministerial e de coordenação da governança das empresas estatais federais;
II – constituir rede colaborativa com vistas a desenvolver padrões de qualidade e de racionalidade na supervisão ministerial da governança das empresas estatais federais;
III – estimular ações e políticas para o aprimoramento e o fortalecimento institucional e da governança das empresas estatais federais;
IV – facilitar os trâmites documentais e a disponibilização de informações sobre as empresas estatais federais; e
V – monitorar a realização dos objetivos estabelecidos nos atos de constituição das empresas estatais federais e a harmonização de suas atividades às políticas públicas, com vistas à geração de valor para a sociedade.
Art. 3º Integram o Sisest:
I – como órgão central, a Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos;
II – como órgãos setoriais, as unidades administrativas dos Ministérios setoriais responsáveis pela supervisão ministerial das empresas estatais federais; e
III – as empresas estatais federais.
Parágrafo único. Os órgãos setoriais do Sisest, sem prejuízo de suas competências na supervisão ministerial das empresas estatais vinculadas, deverão seguir as orientações normativas do órgão central.
Art. 4º Compete ao órgão central do Sisest:
I – estabelecer normas gerais sobre o funcionamento do Sisest, inclusive a definição de procedimentos e a padronização de fluxos para o envio de informações relativas às competências de supervisão ministerial;
II – coordenar as atividades que demandem ações conjuntas dos órgãos setoriais;
III – realizar ações de comunicação e de capacitação relacionadas às competências do Sisest; e
IV – gerir o Sistema Eletrônico de Informações das Estatais – Siestgov.br, de que trata o art. 7º.
Parágrafo único. As atividades do Sisest serão realizadas em conjunto com os demais sistemas estruturadores do Poder Executivo federal, respeitadas as respectivas competências.
Art. 5º Compete aos órgãos setoriais do Sisest:
I – assessorar o Ministro de Estado na supervisão ministerial das empresas estatais vinculadas à Pasta;
II – manter registros atualizados de acordo com a regulamentação do órgão central;
III – promover a harmonização do planejamento estratégico da empresa estatal vinculada com as políticas públicas, as estratégias e as prioridades estabelecidas para o setor de atuação;
IV – acompanhar e avaliar o desempenho da empresa estatal relacionado à qualidade da governança corporativa, à eficiência operacional e à eficácia na promoção das finalidades para as quais foi criada; e
V – prestar informações e enviar documentação pertinente ao órgão central do Sisest.
Art. 6º Compete às empresas estatais, no âmbito do Sisest:
I – cumprir as orientações procedimentais expedidas pelo órgão central do Sisest;
e
II – fornecer ao órgão central e aos órgãos setoriais as informações necessárias ao acompanhamento e à avaliação de sua atuação.
(…)
Nossa Opinião | Em nossa leitura, tal decreto trás uma supervisão mais centralizada e direta por parte do Governo Federal. No limite, esse decreto pode limitar a autonomia da Petrobras em decisões estratégicas que eventualmente visem minimizar interferências políticas, por exemplo. Além disso, a necessidade de se colocar as decisões da Petrobras em coordenação com múltiplos órgãos governamentais podem aumentar a burocracia dentro do processo decisório e afetar a eficiência operacional da empresa.
3º | Decreto Nº12.303 de 09/12/2024
Institui o Programa de Governança e Modernização das Empresas Estatais – Inova.
(…)
DECRETA:
Art. 1º Fica instituído o Programa de Governança e Modernização das Empresas Estatais – Inova, em âmbito federal, com as finalidades de aprimorar o desenho institucional e a governança, formar capacidades em gestão, coordenação e supervisão de empresas estatais federais e produzir conhecimento sobre o tema.
§ 1º A coordenação do Inova compete ao Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos, que observará as diretrizes estabelecidas pela Comissão Interministerial de Governança Corporativa e de Administração de Participações Societárias da União – CGPAR.
§ 2º O Inova será regido pelos princípios da autonomia das empresas estatais, da integridade, da eficiência, da transparência e do impacto social.
Art. 2º O Inova compreenderá medidas destinadas a fortalecer estruturas e capacidades do Poder Executivo federal e das empresas estatais federais necessárias ao cumprimento dos objetivos para os quais essas empresas foram criadas.
Parágrafo único. As medidas de que trata o caput contribuirão para:
I – o desenvolvimento nacional sustentável e a redução das desigualdades sociais e regionais;
II – a eficiência econômica e a competitividade;
III – o aumento da produtividade;
IV – a soberania nacional;
V – o fortalecimento das atividades de pesquisa e inovação; e
VI – a prestação de serviços públicos com qualidade e amplo acesso, quando for o caso.
Art. 3º O Inova contemplará o planejamento e a execução das seguintes ações:
I – estudos sobre governança, modelagens de negócios e modernização dos instrumentos de gestão e administração das empresas estatais federais;
II – produção e difusão de conhecimento sobre a atuação das empresas estatais federais;
III – aperfeiçoamento contínuo da capacidade técnico-administrativa e fomento da cultura de inovação destinados a:
a) administradores e conselheiros fiscais de empresas estatais federais indicados pela União;
b) empregados de empresas estatais federais; e
c) servidores públicos federais, cuja atuação esteja relacionada com as empresas estatais federais;
(…)
Nossa Opinião | Em nossa leitura, esse decreto apenas cristaliza e direciona tudo aquilo que foi levantado nos demais decretos, principalmente no que diz respeito ao alinhamento de políticas públicas “top-down” e não mais estritamente os negócios da empresa – no caso da Petrobras ao menos, essa é a nossa interpretação.