Conclusão: Atualmente, observamos que os preços praticados pela empresa estão alinhados com a paridade internacional, com uma variação média de +/- 5% em relação à nossa estimativa do Preço de Paridade de Importação (PPI). Observamos essa faixa de variação com normalidade, uma vez que o mercado internacional de petróleo passou por flutuações significativas devido a fatores como conflitos e cortes ocasionais na produção da OPEP. Entretanto, a nova estratégia comercial da empresa introduz fatores subjetivos na definição dos preços dos combustíveis. Nosso receio é que os preços possam se afastar da paridade e que essas subjetividades sejam usadas como justificativas. Embora a PPI também não possuísse uma fórmula, ela continha uma lógica mais compreensível, que será demonstrada no decorrer desse documento. Sendo assim, criamos nossa estimativa para paridade de preços e estamos introduzindo esse documento como plataforma para o acompanhamento da política de preços de base mensal. Achamos que tal medida pode nos ajudar a interpretar as altas e reduções nos preços dos combustíveis de acordo com o que pode ser interpretado como o preço “justo” tendo em vista as atuais condições de mercado. Enfatizamos que o problema dessa nova estratégia é a falta de clareza na definição dos preços dos combustíveis, o que aumenta o receio de que a empresa possa voltar a subsidiar o consumo dos combustíveis como no passado. Em nossa leitura, podemos tratar o gráfico da paridade como se fosse um “termômetro” da percepção de risco político em relação a Petrobras… sempre que as linhas fiquem muito abaixo da linha média da paridade, entendemos que as ações da empresa podem sofrer negativamente.
Os objetivos desse documento são:
I) Entender a importância de a Petrobras acompanhar os preços de paridade internacional;
II) Apresentar a lógica que utilizamos na construção de nossa estimativa;
III) Acompanhar a evolução dos preços comercializados pela Petrobras em relação ao PPI estimado;
IV) A partir desse documento, realizar uma publicação mensal de acompanhamento dos preços vs PPI.
O que é e qual a finalidade da política de preços de paridade de importação (PPI)?
O Brasil é autossuficiente na produção de petróleo, com uma produção média de 3.1 Mbpd e um consumo médio apenas de 2.3 Mbpd em 2022, segundo a ANP (Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis). Se apenas a Petrobras teve uma produção média de 2.1 Mbpd no 1T23, então por quais razões a empresa teria que seguir uma paridade de preços internacionais se, além de autossuficiente, sua operação é basicamente brasileira?
A autossuficiência do Brasil é apenas numérica. Apesar de o Brasil ter uma produção que excede o consumo de derivados, parte do petróleo extraído no país é classificado como ‘pesado’, o qual as refinarias brasileiras não possuem a capacidade de processar – nas décadas de 60 e 70, o Brasil não tinha produção substancial de petróleo e importava principalmente do Oriente Médio óleo ‘mais leve’ para ser processado, assim, as refinarias que foram construídas nessa época foram projetadas para esse tipo de óleo e hoje não conseguem processar parte do petróleo extraído no Brasil. Ou seja, dos 2.1 Mbpd que a Petrobras produz, ela exporta em média 0,7 Mbpd, dentre outros motivos, por não se adequar as refinarias locais.
Além disso, outro fator explica essa falsa autossuficiência é a capacidade do parque de refino. Hoje, o parque nacional tem capacidade de processar 2.4 Mbpd, mas como uma refinaria não opera em sua capacidade máxima, o volume refinado no Brasil gira em torno de 1.9 Mbpd. A Petrobras atende cerca de 80% do consumo do país, sendo o restante importado por outras empresas e pela própria Petrobras.
Em geral, devido à proximidade geográfica, os derivados importados têm sua origem na Costa do Golfo e seus preço estão atrelados aos custos de produção local e ao preço internacional do petróleo, negociado em dólar. A Petrobras poderia optar por comercializar seus derivados ignorando essa questão internacional e considerando apenas os custos brasileiros, mas isso acarretaria em I) criar um cenário competitivo inviável para as outras empresas, uma vez que, devido ao custo de importação, as importadoras possuem um preço de combustíveis maior, assim, o setor perderia atratividade para os demais players privados e a Petrobras eventualmente teria que arcar com a necessidade de importar todo o combustível para suprir a demanda do país, o que geraria II) um déficit de caixa para a empresa, uma vez que ela estaria vendendo os derivados internacionais à um preço menor do que o preço de custo.
Criada em 2016, a PPI é uma política de preços que busca refletir os custos totais de internalização dos derivados de petróleo no território nacional. Com isso, a Petrobras ao seguir o PPI, como comprometido com o CADE, consegue fomentar um ambiente onde os players privados tenham margem operacional para atuar, diversificando o setor, retirando a necessidade da Petrobras de ser exclusivamente responsável pela importação e atuando de forma a prevenir o déficit de caixa da empresa.
Apesar disso, a PPI também traz alguns aspectos negativos, como por exemplo maior volatilidade dos preços ao se expor ao cenário internacional, ainda que a Petrobras atualmente absorva parte dessa volatilidade ao realizar reajustes mais espaçados e, a alta do preço dos combustíveis em momentos de alta do dólar e do preço internacional do petróleo, impactando a inflação brasileira, dada a relevância do transporte rodoviário na economia brasileira.
O cálculo do PPI
O PPI é resultado de um cálculo que visa achar o custo de internalização dos derivados de petróleo no território brasileiro. Em linhas gerais ele leva em conta o custo do barril no exterior, os custos de transporte, taxas portuárias e a flutuação do câmbio. Todos esses fatores são variáveis no tempo e nem sempre as informações são abertas e disponibilizadas para um cálculo preciso. Para facilitar o acesso à informação, a partir de novembro de 2018, a ANP passou a divulgar semanalmente uma referência de formação de preços no país, utilizando como base dados levantados pela empresa de consultoria S&P Global Platts. O mesmo acontece com a ABICOM (Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis), que também divulga diariamente o PPI calculado a partir de suas fontes. Ainda assim, devido a pluralidade de variáveis e fontes de informação, as duas organizações acima apresentam um PPI divergente.
Em razão disso, estamos iniciando nosso acompanhador de preços para a gasolina e o diesel, a partir de nossas estimativas. Nossa metodologia para o cálculo do PPI está detalhada abaixo:
- Para o custo de aquisição do barril, utilizamos o preço de referência de comercialização da Costa do Golfo, em virtude da proximidade geográfica e por ser a principal fonte de derivados para as empresas importadoras brasileiras. Os dados de preço são obtidos através da plataforma Bloomberg.
- Nos Estados Unidos, existe uma política de incentivo ao uso de combustíveis renováveis, o RVO (Renewable Volume Obligations), semelhante ao renovabio brasileiro, que visa a redução das emissões de gases do efeito estufa. A inclusão desses biocombustíveis é de responsabilidade das refinarias americanas, sendo parte do preço de comercialização do barril. Entretanto, o RVO não é obrigatório para a exportação de derivados, assim, o preço obtido em (1) não representa o real custo do barril para as importadoras, fazendo-se necessário ajustar o preço e retirar o custo do RVO. Para isso, a partir das proporções de volumes de biocombustíveis obrigatórios na mistura final, dadas pela Agência de Proteção Ambiental (EPA) americana e, dos preços de negociação desses combustíveis, conseguimos estimar o custo desse programa no preço do barril.
- A gasolina comercializada na Costa do Golfo apresenta melhor qualidade (octanagem) do que a brasileira, desse modo, aplica-se um desconto ao preço do barril para que os produtos se tornem compatíveis.
- Há ainda o custo logístico de importação dos derivados que inclui custo de frete marítimo, impostos, taxas portuárias, custos de transporte rodoviário, entre outros. Devido as proporções continentais do Brasil, esses custos variam entre regiões, sendo possível dizer que no Brasil existem diversos PPI’s. Esses custos não são públicos, então para obter uma estimativa plausível, a partir do PPI divulgado pela ANP, fizemos o caminho oposto, seguindo todos os passos acima, para acharmos a estimativa do custo logístico por barril.
- Por fim, após a compra do derivado, entre o Golfo e os portos brasileiros há uma viagem que varia entre 2 e 3 semanas e, para refletir isso no cálculo, os valores de comparação foram defasados em 3 semanas simulando essa diferença entre obtenção do produto no exterior e comercialização no território nacional.
Dadas as premissas acima, conseguimos obter uma estimativa do prêmio/desconto que a Petrobras negocia a Gasolina e o Diesel em território nacional com relação ao preço de paridade internacional. Como visto nos gráficos, a adesão do PPI e a exposição ao cenário internacional traz volatilidade aos preços dos combustíveis, mas apesar disso, a Petrobras, ao espaçar os reajustes, consegue reter parte dessa volatilidade ao mesmo tempo em que permite a manutenção de um ambiente economicamente viável as demais empresas importadoras do setor.
Na média, ao longo do período analisado, a Petrobras comercializou esses derivados em suas refinarias com um desconto de 5%, conciliando nesse período a recuperação financeira da empresa e a obtenção de resultados recordes no último ano.
Comparação com os pares internacionais
Para a Petrobras as principais empresas de petróleo comparáveis seriam outras majors ao redor do mundo. Dentre essas empresas podemos separar em um grupo composto por empresas privadas globais (ex. Shell, BP, Exxon) que, em geral, são razoáveis exemplos de governança e qualidade operacional e, um grupo composto pelas estatais russas, que estariam no oposto lado em questão de governança corporativa.
Acreditamos que a Petrobras seria uma empresa que deveria ser precificada pelo mercado no meio termo entre as empresas privadas e as empresas russas, por ser uma estatal, mas não apresentar tantos problemas de governanças e possuir razoável independência e transparência em suas políticas se comparadas as empresas russas. Entretanto, no momento, com todas essas decisões do governo interferindo nas políticas da empresa de forma mais ativa, vemos a Petrobras negociando a níveis muito próximos à média das empresas russas, com um múltiplo EV/EBITDA de 2,2x 23E, muito descontado para o que a empresa vem apresentando de resultados, mas ainda assim, sem muitos gatilhos de curto prazo para uma eventual reavaliação.