Conclusão | A Grande Contradição
O evento é positivo ou negativo? Depende de um ponto chave: Margem Equatorial.
O ingresso do Brasil a OPEP+ é algo que deve ser visto com cautela. No ponto de vista positivo, vemos os eventuais benefícios geopolíticos de se entrar em um “clube” de países e possibilidade de participar da formação de preços do petróleo soe muito interessante (de price-taker para price-maker) – a depender do nível de interação que o Brasil terá com o resto do bloco, principalmente no que diz respeito ao respeito as cotas de produção estabelecidas pelo cartel com o objetivo de controle de preços. Além disso, existem uma série de benefícios geopolíticos ao se fazer parte de um bloco econômico para além da indústria que estamos analisando, mas que acabam por fugir da nossa capacidade de análise.
Enxergamos uma série de limitações nessa proposta, principalmente se a Margem Equatorial deixar de ser uma promessa para se tornar em uma realidade. A principal limitação diz respeito ao cumprimento de cotas de produção estabelecidas pelo cartel em meio a um processo franco de expansão da produção do Brasil: até 2030 com o pré-sal e para além disso caso a Margem Equatorial venha a se materializar. É importante lembrar que a Petrobrás é uma empresa de capital aberto e que se beneficiou dos preços estabelecidos da OPEP na última década via expressivo aumento do volume produzido pela entrada operacional dos campos do pré-sal. Por último, citamos as limitações relacionadas aos impactos no segmento de Refino e Derivados, inflação, fretes tendo em vista a participação ativa do país em uma estrutura que tem como objetivo pressionar os preços do petróleo para cima em meio a uma estrutura democrática onde o preço dos combustível já se mostraram uma variável importante para eleições e reeleições.
E se a Margem Equatorial não se materializar? Nesse cenário, acredito que a entrada do Brasil na OPEP+ possa ser interpretada como algo positivo tendo em vista o cenário de produção e reservas declinantes a partir de 2030. Ou seja: a empresa poderá valorizar a suas reservas atuais e melhorar o seu fluxo de caixa via maiores preços do brent via maior participação nas cotas de produção.
Mas calma lá. Ainda é cedo para estimar o impacto exato da entrada da empresa nessa nova estrutura, principalmente no que diz respeito a participação das cotas de produção ou não. Resta aguardar a evolução do tema.
Os fatos
No dia de hoje, o governo anunciou o interesse em ingressar na OPEP+. Tal medida já vinha sendo rumorada a bastante tempo e a tentativa de ingresso na organização não chega a ser uma surpresa. É importante que a decisão ainda é preliminar e ainda falta ser oficializada pela própria OPEP.
Histórico da OPEP
A OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) foi fundada em 1960, em um contexto histórico marcado por mudanças significativas na indústria do petróleo e nos países produtores. Na época do anúncio da sua fundação, os grandes operadores do mercado internacional do Petróleo eram grandes companhias petrolíferas americanas e européias, principalmente, que acabavam por exercer um grande controle sobre a exploração, produção e preços do petróleo. Por estarem descontentes com o nível de preços da época, a OPEP foi criada com o principal objetivo de coordenar a produção da commodity e, consequentemente, os seus preços. De acordo com o site da OPEP, o seu objetivo é “coordenar e unificar as políticas petrolíferas entre os países membros, a fim de garantir preços justos e estáveis para os produtores de petróleo; um fornecimento eficiente, econômico e regular de petróleo às nações consumidoras; e um retorno justo sobre o capital para aqueles que investem na indústria”
Em resumo, a OPEP é um cartel de países produtores de petróleo. O controle dos preços é obtido via cortes (ou aumento) da produção em cotas entre os membros participantes.
É importante mencionar a atuação direta da OPEP em alguns eventos históricos como:
I) 1º Crise do Petróleo (1973-1974): Durante a Guerra do Yom Kippur (Outubro/73), os países árabes membros da OPEP impuseram um embargo ao petróleo em retaliação ao apoio do ocidente a Israel.
II) 2º Crise do Petróleo (1979-1980): Durante a Revolução Islâmica no Irã (Janeiro/79) e a Guerra Irã-Iraque levaram a uma queda na produção de Petróleo. Além disso, a OPEP reduziu a sua produção durante o mesmo período.
III) Crise do Corona Virus (2020): O cartel optou por cortar produção em meio aos lockdowns com o objetivo de elevar o preço do petróleo.
Geopolítica. A formação da OPEP foi muito além da mera composição para controle de preços. Desde a sua implementação os membros de tal cartel passaram a ter grande expressão geopolítica exatamente por controlar uma commodity tão fundamental para economia global.
O que é a OPEP e OPEP+?
Inicialmente, a OPEP era formada por apenas por cinco países (Irã, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela). Atualmente, a OPEP é formada por 14 países: Argélia, Angola, Guiné Equatorial, Gabão, Irã, Líbia, Nigéria, República do Congo, Arábia Saudita, Emirado Árabes Unidos e Venezuela.
A OPEP+ é um grupo expandido da OPEP. Tal grupo não tem direito a voto e nem precisa participar das cotas de produção propostas. A OPEP+ é formada pela Rússia, Cazaquistão, Bahrein, Brunei, Malásia, Azerbaijão, México, Sudão, Sudão do Sul e Omã.
Os números da OPEP!
De acordo com o anuário estatístico da ANP 2023 (com dados atualizados até 2021), podemos concluir alguns pontos:
I) A produção da OPEP está praticamente estável longo da última década. Entretanto, isso não quer dizer que os seus atores não tenham o poder de aumentar sua capacidade produtiva caso necessário.
II) A produção dos países fora da OPEP aumentaram na última década. Como destaques, citamos Estados Unidos, Canadá e Brasil. No relativo, os membros da OPEP perderam poder de regularização de preços a medida que a sua produção cai no relativo.
III) Venezuela perdeu produção dentre os países da OPEP. Dentre os países membros da OPEP, Venezuela foi apresentou a maior deterioração de produção entre 2011 e 2020, saindo de 2,7 milhões de barris para apenas 731k barris, respectivamente.
IV) Países OPEP tem grande potencial de aumento de produção. Tal queda de produção foi compensada pelo aumento de outros paises da OPEP, como Iraque (+1,4 milhões 2020/2011), Arábia Saudita (+743k BOE 2020/2011), Emirados Árabes (+480k BOE 2020/2011) e Irã (+213k BOE 2020/2011). Tais países são exatamente aqueles com o volume de reservas mais relevantes dentre os membros da OPEP e o aumento de capacidade de produção não aparenta ser um grande desafio para estes caso isso seja necessário (como foi necessário para recompor o espaço deixado pela Venezuela). Ou seja: os países que fazem parte da OPEP possuem mais que o dobro de reservas dos países que não fazem parte da OPEP. Entretanto, produzem apenas a metade da produção global.
V) A grande contradição: quem se deu bem foi quem esteve FORA da OPEP. A criação da OPEP foi de grande valia para os seus países membros. Entretanto, observando as curvas e produção e reservas relativas em comparação aos países OPEP e Não-OPEP, concluímos que, atualmente, os grandes beneficiados foram os países e empresas que se mantiveram FORA da OPEP e da necessidade de se submeter as cotas de produção impostas pelos países que fazem parte da OPEP. E dentro desse universo, citamos a própria Petrobras e a evolução da sua produção com os campos do Pré-Sal. Ou seja: enquanto os países OPEP limitam a sua produção para manter os preços do petróleo em patamares mais elevados, os países que conseguiram elevar a sua produção ao longo do tempo se beneficiaram desses preços mais altos – que diga os bilhões de reais distribuídos em dividendos e impostos pagos pela Petrobras nos últimos anos.
VI) O que a Margem Equatorial tem a ver com isso? É de comum conhecimento a expectativa da exaustão da produtividade dos campos de pré-sal a partir de 2030. Dito isso, existe uma grande expectativa em relação ao início da exploração a Margem Equatorial. As recentes descobertas na Guiana foram de 15 bilhões de barris de petróleo equivalente provados – para fins de comparação, as reservas provadas do Brasil são de 11,9 bilhões (dados 2020). Ou seja, para que a produção brasileira continue crescente e não entre em estágio de declínio a partir de 2030, as novas fronteiras exploratórias precisam ser desenvolvidas. Dito isso, enxergamos dois cenários:
A) Caso a Margem Equatorial se transforme em uma realidade, acreditamos que fará mais sentido o Brasil ficar FORA da OPEP e se livrar de qualquer obrigação relacionada a cotas de produção, se aproveitar pelos preços manipulados pela OPEP e surfar o resultados econômicos dessas descobertas.
B) Vemos o cenário oposto no caso a Margem Equatorial não se transforme em uma realidade. Fará muito sentido fazer parte da OPEP caso o cenário de produção declinante venha a se materializar – afinal de contas, essa deverá ser uma maneira de valorizar as reservas remanescentes e monetizar melhor a produção declinante.
VII) Desafios e Limitações. Caso o país venha a migrar para o regime mais restrito para o estabelecimento de cotas de produção, nos perguntamos como vai ser a questão da operacionalização das cotas, tendo em vista:
A) Como aplicar cotas de produção em uma empresa com ampla expansão da produção (ao menos até 2030)? Como aplicar cotas de produção caso a Margem Equatorial venha a se provar um sucesso em termos de produção?
B) Como aplicar cotas de produção em uma empresa de capital aberto?
C) Como coordenar a produção em um país com outras empresas produtoras além da Petrobras?
D) Participar de cartel implica em preços estruturalmente mais altos e por mais tempo. Como lidar com o eleitorado?
E) Com preços de petróleo mais caros, como lidar essa questão com o segmento de refino da Petrobras?
F) Com preços de petróleo estruturalmente mais altos impactando combustível, alimentos, transporte, como lidar com o eleitor? Vale lembrar que os países participantes da OPEP possuem regimes políticos muito distintos do nosso… alguns são ditaduras explícitas (Rússia, Venezuela, etc) ou Monarquia Absolutistas (Arábia Saudita) fazendo com que decisões tomadas “de cima para baixo” sejam aplicadas com maior facilidade.
G) Alguns países saíram da OPEP exatamente por passarem a desgostar do regime de cotas de produção. Dentre eles, citamos o Catar, Equador e Indonésia.
H) O interesse de países que mais relevantes no que diz respeito a produção (Arábia Saudita, Rússia, etc) acaba por subrepujar o interesse dos países menos relevantes no que diz respeito a produção. Vale lembrar que Arábia Saudita e Rússia já produzem mais de 10 milhões de barris/dia a muito tempo vs Brasil que deve alcançar o pico de produção de 5 milhões de barris em 2030 e depois entrar em estágio declinante. Sendo assim, os melhores interesses do país não será necessariamente representado pela estrutura atual que a OPEP opera.