Perto de novembro de 2021, vimos a proposta não-vinculante da KKR (fundo de private equity americano) por 100% da Telecom Italia, empresa que detém 67% do controle da TIM Brasil. O fundo ofereceu EUR 33b (incluindo dívidas). Desde então, várias coisas aconteceram, desde a saída do antigo CEO da Telecom Italia, chamado Luigi Gubitosi, e a entrada de Pietro Labriola (que deixou o cargo de CEO da TIM Brasil para assumir a italiana), até o projeto de separação da empresa em duas partes: a ServCo e a NetCo, idealizada por Labriola. Até pouco tempo atrás, a Telecom Italia esteve analisando a proposta, enquanto a KKR solicitava a realização de due diligence (processo de estudo e avaliação detalhada de informações da empresa). Mas, o fundo americano acabou tendo a solicitação negada, culminando com a provável desistência no negócio.
Faz sentido a KKR desistir da oferta?
Olhando o conjunto de eventos que se desenrolou, a resposta é sim. A primeira coisa a se observar é no interesse da KKR. O que interessa de fato para o fundo são os ativos italianos, tendo em vista que ela possui participação na FiberCop (envolvida com redes de fibra neutras), o que possibilitaria para ela uma maior penetração dentro da rede fixa.
Ao mesmo tempo, o governo italiano almeja a formação da “single-network“, ou rede única italiana, de forma a evitar gastos desnecessários entre empresas competidoras dentro de uma mesma área em detrimento de áreas que poderiam ser exploradas com a parte de rede. Ainda, existe uma pressão do governo italiano pelo recebimento de fundos da União Europeia visando o investimento em áreas rurais, e com a rede única seria possível de se alocar os recursos de modo mais eficiente, sendo prioridade para o Estado, maximizando o retorno de capital.
Dessa forma, os ativos da Telecom Italia são considerados estratégicos para o Estado, visando essa rede única e, mais do que isso, o governo italiano via CDP detém quase 10% de participação na empresa (veja mais na seção Telecom Italia) e, além disso, possuem os “golden shares“, que dão poder de veto ao governo em qualquer transação que aflija o interesse nacional em ativos estratégicos. Por causa disso, faz sentido que a KKR desista desta oferta inicial temendo um veto governamental.
O que deveria acontecer para a formação da rede única?
Open Fiber
A primeira coisa é entender que a empresa Open Fiber, que compete com a Telecom Italia, é controlada 60% pela CDP e 40% pelo grupo Macquarie. A CDP, por sua vez, representa em grande parte o Estado Italiano. Com isso em mãos, é necessário entendermos o contexto da Telecom Italia, que é a maior empresa na parte fixa da Itália.
Telecom Italia
A separação da Telecom Italia proposta por Labriola, no qual se formariam duas empresas: 1) a ServCo, contendo os ativos de redes móveis (inclusive o stake na TIM Brasil), plataformas de serviços e data centers e a 2) a NetCo, contemplando os ativos de rede fixa da multinacional, o negócio de atacado na Itália e a operação da subsidiária Sparkle. A separação manteria a estrutura acionária atual da Telecom Italia para ambas as empresas.
Importância da Vivendi e da KKR
A Vivendi, grupo francês que controla a Telecom Italia, aparenta estar mais interessada nos serviços de varejo da italiana, que por sua vez englobariam as atividades da ServCo. Dessa forma, não seria surpreendente caso ela removesse sua participação da NetCo e focasse somente na ServCo. Com isso, a NetCo (10% do controle pela CDP) poderia potencialmente se fundir com a OpenFiber (60% de controle pela CDP). Vale lembrar que a NetCo leva em consideração a participação da Telecom Italia de 58% dentro da FiberCop, no qual a KKR também possui um stake de 37,5%.
É aí que notamos um papel essencial da KKR: apesar da participação minoritária na FiberCop, o fundo americano pode ser bastante relevante nos desenlaces da transação e o seu parecer positivo para o negócio é crucial. Em suma, a rede única envolveria a fusão do conjunto (Rede primária da Telecom Italia + FiberCop + Sparkle) com a OpenFiber.
Mas se a rede única ocorrer, o que sobra da Telecom Italia?
A resposta para isso é basicamente a ServCo, englobando o stake de 67% na TIM Brasil e os ativos remanescentes de serviços e rede móvel.
Recentemente vimos o interesse do CVC Capital Partners com uma oferta não-vinculante de 49% pela divisão empresarial da ServCo, que engloba o Cloud Business (subsidiária Noovle), Clientes corporativos, Cyber Security (via Telsy), e outros. Isso demonstra que já existe interesse em parte dos ativos da companhia dentro desse segmento, o que exibe ainda a possibilidade de maiores divisões dentro desse segmento ServCo.
Em suma, com essa série de eventos ocorrendo e no atual contexto de: alto endividamento da Telecom Italia que fechou 2021 com uma Dívida Líquida/EBITDA 2021 de cerca de 3,5x e com resultados ruins ao longo de 2021, com o rebaixamento nas classificações de crédito pela S&P, Moody’s e Fitch, a empresa se encontra numa posição delicada para realizar investimentos e promover updates nas suas operações. A venda da NetCo, portanto, aparenta ser uma das opções da empresa, indo ao encontro do projeto de rede única do governo italiano.
Existe algum impacto na TIM Brasil?
A TIM Brasil só seria influenciada caso houvesse uma troca de controle acionário da companhia e tivesse o ativamento do Tag Along. Porém, sem propostas na mesa, não existe razão para que haja impacto na brasileira.
O caso em si é fortemente dependente de quem potencialmente exerceria a compra do controle da companhia e supostamente estaria sujeita às regras do país de listagem da empresa compradora, mas mesmo assim abre-se espaço para discussões e controvérsias.