Muitos acontecimentos inesperados mudaram o cenário da indústria automotiva. Ao longo desse relatório, discutiremos os efeitos da falta de semicondutores, da subida brusca de juros e da chegada do Euro 6.
Um dos pilares da nossa tese era a expansão do mercado local de veículos pesados, puxado pela força da agroindústria e pelo efeito de compra antecipada devido à entrada da Euro 6, nova norma de controle da emissão de poluentes para motores a diesel. Assim como ocorreu nos anos que antecederam a Euro 5, esperávamos um movimento forte de renovação de frotas, com as empresas de transporte evitando os reajustes de preço nos veículos “pós-norma”. Na nossa visão, esses dois fatores combinados deveriam agir como catalisadores no aumento da produção de caminhões, impulsionando a demanda por implementos rodoviários e autopeças.
Como o mercado de implementos possui alta correlação com a fabricação de caminhões, precisamos primeiro entender os ciclos de produção/vendas de caminhões antes de entrarmos nas novas projeções.
Uma forma de acompanhar os ciclos de renovação, é monitorando a idade média da frota circulante no país. Para isso, analisamos os dados publicados pelo Sindipeças no relatório anual de frota circulante relativo ao ano de 2021 para compreendermos em que momento do ciclo de renovação de frota estamos.
Olhando para o passado
O baixo crescimento econômico do país nos últimos anos e as altas taxas de juros, limitaram as venda de novos caminhões. Ao longo da história recente, políticas públicas de incentivo a renovação e descarte dos veículos sem condições de rodar sempre surgem.
Reparem que, mesmo sendo afetados por fatores externos, o mercado de pesados se movimenta em ciclos, com duração média de 10 anos, porém, o gráfico a seguir, nos mostra que após os 22 anos, o número de caminhões retirados de circulação começa a subir rapidamente.
- Em 1940 e 1950, o governo restringiu as importações de veículos automotores e autopeças. Em 1953 foi implantada a proibição de importar carros inteiros.
- Na década de 60, via incentivos fiscais, a indústria automobilística nacional se fortaleceu e surfou a onda do Plano de Metas de JK.
- Nas décadas de 70, 80 e 90, com a reabertura indústria, a importação de veículos voltou a ser estimulada e a produção nacional voltou a sofrer. Depois de um longo período de recessão, a retomada da economia brasileira ajudou o setor automotivo a voltar a crescer.
- Entre 2009 e 2011 veio a tempestade perfeita, crédito abundante, juros baixos e a Euro 5. Naquela época, as montadoras só podiam produzir caminhões Euro 3, veículos que chegavam a ser 15% mais baratos, até 31/12/2011.
- Nos anos seguintes, entre 2011 e 2014 o setor passou por um momento de artificialidade, com o governo incentivando o financiamento, via Finame PSI, que fornecia linhas de crédito através do BNDES para pequenos empreendedores, facilitando a compra de caminhões. Nessa época, o número de veículos produzidos voltou rapidamente para patamares muito altos entre 19 e 22 mil unidades aproximadamente. Após esse novo momento de euforia, as consequências da alta forçada começaram a surgir.
- Entre 2015 e 2016, a perda do controle fiscal ocasionou a piora da economia, resultando no fim dos principais programas de subsídio de juros. Dos mais de 200 mil veículos produzidos no auge, muitos continuaram parados por anos.
- Em 2017, com economia mais previsível e retomada lenta do crescimento, o setor começou uma reação que ainda perdura atualmente.
Recentemente o governo fez o anúncio do novo projeto de incentivo a renovação da frota circulante. O programa tem um baixo orçamento de R$ 500 milhões anuais que provavelmente devem vir do Fundo Nacional do Petróleo. O foco é remover de circulação veículos acima de 30 anos sem condições de uso.
Na nossa visão, o número de caminhoneiros impactados seria muito baixo para reduzir a idade média da frota de maneira significativa.
Idade média da frota circulante
Quando olhamos para a idade média da frota brasileira, todos os segmentos de automóveis seguem em seu processo de envelhecimento. A idade média das frotas atingiu cerca de 10 anos e 3 meses em 2021, representando uma elevação de aproximadamente 1 ano e 10 meses em relação ao ano de 2013.
Analisando a frota de pesados, do total de 2,1 milhões de caminhões em circulação em 2021, 20,2% possuíam idade média de até 5 anos, outros 51,9% tinham entre 6 e 15 anos, por fim, 28,3% estavam em circulação há mais de 16 anos.
Os quase 12 anos de idade média não refletem a real situação da frota circulante. Segundo dados da ANTT, em 2021, a idade média da frota das 209.529 empresas de transporte rodoviário de cargas registradas no país estava entre 10 e 11 anos. Já entre os caminhoneiros autônomos, que somam mais de 695.593 registrados, a idade média ficava próxima de 20 anos.
A idade média atual é a maior da série histórica que começa em 2009. Se considerarmos a curva de retirada de caminhões de circulação mostrada anteriormente, se fossem produzidos 0 caminhões nos próximos 5 anos, cerca de 400 mil sairiam de circulação devido ao envelhecimento.
Entendendo o presente
Hoje, após atravessar bem o período de pandemia, a indústria automobilística caminha com as próprias pernas. A combinação de juros baixos e câmbio alto impulsionaram as exportações de grãos. Além disso, as fortes safras ajudaram a indústria de veículos pesados.
O ano de 2021 foi conturbado para a indústria automotiva, com diversos fatores externos atrapalhando o setor. No começo do ano, projetávamos um crescimento de 25% na produção de veículos, porém o realizado foi bem abaixo, sendo de apenas 11,6%. Destacamos o aumento da frota de caminhões devido aos bons resultados do agronegócio, mineração e construção civil, além do aumento da demanda por entregas de e-commerce e exportação
A combinação de juros baixos, liquidez global abundante e demanda reprimida impulsionaram a busca por carros acima da capacidade de realocação de oferta, o que gerou distúrbios ao longo de toda cadeia de suprimentos, desde o aumento nos preços das commodities e fretes marítimos, que acarretaram maiores custos para montadoras e proprietários e o desabastecimento de pneus e principalmente, semicondutores.
Um dos riscos setoriais que alertávamos há um ano era justamente uma possível subida brusca de juros. As altas taxas prejudicam processos de renovação das frotas, devido ao encarecimento das linhas de financiamento. Os reflexos seriam nas vendas de caminhões zero km, refletindo em volumes menores de autopeças para as montadoras (OEM’s) e de implementos rodoviários.
Euro 6
Nossa expectativa de aumento significativo da venda de caminhões e implementos rodoviários devido ao movimento de compra antecipada causada pela Euro 6 não deve se concretizar com intensidade esperada. Mesmo sendo uma oportunidade importante para alavancar vendas no segundo semestre, o movimento visto em 2011 não deve se repetir.
Naquela época, a entrada do Euro 5 encarecia os caminhões 15% em média, hoje o efeito de aumento preços é menor. Além disso, o patamar de juros era outro, estamos falando de uma Selic de 6,75% vs. 13,25% hoje.
O que são semicondutores?
Os semicondutores são componentes eletrônicos responsáveis pelo controle das requisições da maioria dos dispositivos. O material mais utilizado na fabricação desses componentes é o silício. Eles revolucionaram o mercado pelo seu poder de controle de corrente elétrica, já que podem atuar como condutores (permitem a passagem de corrente), ou como isolante (impedem a passem de corrente).
Um microchip, para executar um comando, depende de um estímulo elétrico. Deixar ou não a corrente fluir é a tarefa do transistor, que funciona como um bloqueador ou condutor de corrente a depender do estímulo, sendo geralmente a passagem de corrente. Juntando vários microchips, formamos um processador.
Então, por uma limitação física, quanto mais transistores couberem em um chip e maior a capacidade de processamento, para isso, a distância entre os transistores precisa ser a menor possível. A marcação dos circuitos nas placas de sílica é chamada litografia. Essa etapa de produção transforma a matéria-prima dos chips, em bilhões de transistores. Essa marcação é feita com um laser a base de gás neon.
Crise dos semicondutores
O grande rali dos semicondutores começou na pandemia. As restrições de mobilidade forçaram as pessoas a buscarem novos dispositivos eletrônicos, para comunicação, trabalho ou lazer. Ao longo de 2021, essa demanda não parou de crescer, durante o primeiro trimestre de 2021, as vendas globais de computadores subiram 55% em comparação com o mesmo período de 2020.
Outro movimento que colaborou para a escassez de semicondutores foi a alta das criptomoedas que gerou um forte aumento na produção de placas gráficas para mineração.
Hoje os microchips são imprescindíveis na fabricação de veículos e a indústrias automobilística consome cada vez mais esses componentes eletrônicos. Segundo a Afavea, entre janeiro e maio de 2022 a falta de componentes eletrônicos fez com que as montadoras deixassem de produzir 150 mil veículos com 16 paradas de fábricas, uma média de 20 dias de linhas inativas por fábrica. No ano passado, deixaram de ser produzidos no Brasil cerca de 350 mil veículos.
O desequilíbrio oferta-demanda segue alto no setores automotivos, embora eleve os preços dos produtos e seja positivo para os fabricantes de chips, é um cenário que gera receio de pedidos duplicados.
Se a oferta mundial de veículos era ruim em 2021, em 2022 com a guerra na Ucrânia, ficou ainda pior. Da região, saem insumos essenciais ao processo de produção dos chips. Rússia e Ucrânia são grandes exportadores de paládio e gás de neon, usados na fabricação de chips, portanto, a continuidade da guerra também afeta diretamente a fabricação de veículos.
Em maio, com a reabertura de Xangai, houve melhora parcial da oferta de componentes eletrônicos, sendo o melhor mês de produção de veículos em 2022. Os dias de estoque nas montadoras e nas concessionárias apresentaram melhora.
Quando tudo parecia melhorar, os novos lockdowns na China fizeram com que a cadeia de suprimentos global voltasse a ficar congestionada. A política de covid zero, tem gerados novos gargalos na cadeia de suprimentos e mesmo com melhora nas entregas no 2T22, voltamos a ver novas paralisações no setor automotivo nas últimas semanas.
Na nossa visão, a crise de semicondutores deve persistir até 2023. Mesmo que haja uma demanda reprimida, o cenário ainda é ruim e esse descasamento pode perdurar, isso porque o aumento de capacidade produtiva, via construção de novas fábricas, dura em média 3 anos, portanto, só ao final de 2023 teremos incrementos significativos do lado da oferta.
Perspectivas para o futuro
É importante ressaltar que o segmento de pesados é menos afetado pela falta de semicondutores que o segmento de veículos leves, e o motivo é simples: além de não competirem pelos mesmos semicondutores, as montadoras conseguem ter margens maiores nos veículos pesados. Assim, os pesados acabam sendo priorizados pelas montadoras e os volumes de produção tendem a cair menos.
Embora o movimento de renovação de frota tenha se enfraquecido, as montadoras ainda permanecem com estoques de veículos nas mínimas históricas. Acreditamos que setor deve apresentar crescimento, mesmo que mais discreto, porém com o volume se mantendo em um patamar alta, se beneficiando justamente do processo de renovação mais lento. O Plano Safra 22/23 teve um aumento de 36% em relação ao orçamento do Plano Safra anterior, o que também deve beneficiar a manutenção da demanda por implementos em patamares elevados.
O aumento da locação de veículos de cargas e a consolidação do setor de transporte rodoviário, devem ajudar a manter a produção de caminhões em níveis elevados.
A nova agenda de investimentos em infraestrutura resultante da aprovação dos marcos regulatórios (saneamento, gás natural, navegação de cabotagem, transporte ferroviário), também têm potencial de gerar crescimento na demanda por veículos pesados.
Cabe destacar o PLP 18/2022, recém aprovado pelo Congresso, que classifica combustíveis, energia elétrica, telecomunicações e transporte coletivo como bens essenciais, desta forma, cria um teto para a alíquota de ICMS destes bens em 17% ou 18%, dependendo do estado. Essa proposta deverá, nos próximos meses, resultar em uma queda, em termos absolutos, dos preços destes bens.
Nossa equipe macroeconômica estima que o efeito sobre a taxa de inflação será da ordem de 2,1 pontos percentuais. A implementação dessa medida poderia aumentar o ritmo de diminuição da taxa básica de juros. Essa junção de fatores pode voltar a trazer otimismo para a demanda de veículos pesados.
Como vimos, os caminhões representam o grupo com idade média maior em 2021, nesse contexto, um possível final de ciclo de alta de juros sinalizaria uma virada nas expectativas de longo prazo, podendo beneficiar o valuation super descontado de Randon e Tupy.
As novas projeções apresentadas refletiram em alterações dos nossos preços alvos. Randon (RAPT4), se manteve com a recomendação de COMPRA com preço alvo caindo de R$ 18,00 para R$ 16,00 e segue sendo nossa principal escolha do setor. Já para Tupy (TUPY3), mantemos nossa recomendação de COMPRA, com o mesmo preço alvo R$ 28,00.