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    Publicado em 01 de Abril às 08:35:21

    Metais & Mineração | O modelo econômico da China se esgotou?

    Acreditamos que ações de todo o setor de Metais & Mineração sob a nossa cobertura tenham sido amplamente influenciadas por duas situações: (i) fluxo de notícias, no caso específico de Vale, através dos ruídos (overhangs) que a companhia vem atravessando e (ii) incertezas sobre a China.

    Embora seja inegável a forte correlação do ambiente macro com ações de empresas comercializadoras de commodities, avaliamos que os questionamentos levantados pelo mercado ligados à China também estão agindo como moderador do fluxo comprador nas ações da Vale e CMIN de maneira intensa. Do outro lado da cobertura, apesar de não ser o foco deste relatório específico, as ações das siderúrgicas brasileiras (Gerdau, CSN e Usiminas) também sofreram muito pela desaceleração do ambiente econômico chinês, através do aumento de exportações de aço bruto da China e, consequentemente, da maior penetração das importações do aço chinês no Brasil.

    Destacamos que não estamos otimistas com a situação da China, só nos parece que muitas vezes os piores cenários são precificados e nem sempre ocorrem. Em outras palavras, não vemos a China em seus melhores dias, mas a situação pode não ser tão ruim quanto alguns investidores precificam. Até porque, por mais que temos o entendimento de que a situação do mercado imobiliário é estrutural (e não apenas conjuntural), já tendo publicado diversos relatórios sobre o tema, cujo último segue em anexo (Metais & Mineração: Uma imersão sobre o próximo estímulo do governo chinês), ainda assim, nos parece que alguns investidores estão carregando um pessimismo além do ponto justo em seus vieses.

    Sobre o que é este relatório? Na primeira parte do relatório, abordaremos essa temática que mencionamos acima, através de diferentes pontos: (i) O que estamos escutando de investidores sobre a temática de crescimento da China, (ii) como o mercado está reagindo a esse assunto dentro dos ativos ligados à economia chinesa e (iii) qual a nossa perspectiva para frente, abrindo os tópicos em que concordamos com o consenso e quais divergimos, revisando a nossa curva de minério de ferro, mais uma vez, em nosso já consagrado capítulo “Para onde vai o preço do minério de ferro?”.

    Concluirmos o raciocínio geral da nossa tese sobre o ambiente macroeconômico da China no capítulo “Nossa visão e recomendação”, direcionando o foco do que os investidores podem esperar com relação ao consumo de commodities metálicas para os próximos anos. Além disso, ampliaremos os efeitos da nossa nova projeção de curva de preço do minério de ferro nos valuations de Vale e CMIN, bem como outras mudanças que afetariam o custo de capital, e, portanto, a taxa de desconto usada em nossos modelos para as companhias do setor de mineração.  

    No caso específico da Vale, publicaremos outro relatório, em seguida deste, ponderando sobre o que poderia estar afetando mais as ações: se é a situação macro na China através da desaceleração do minério de ferro ou os ruídos corporativos (overhangs). Neste outro relatório a ser publicado, abriremos as nossas premissas sobre o acordo em relação ao acidente de Mariana (MG), sobre as ferrovias (EFVM e EFC) e sobre o impacto do minério de ferro nas ações.  

    Apesar de já termos todos os cálculos prontos, e que as mudanças no Target Price 12M da Vale descritas no relatório aqui presente já fazerem alusões a essas questões, postulamos que seria melhor destinar um espaço exclusivo para comentar dos aspectos microeconômicos da Vale, uma vez que o foco deste relatório é entrar mais a fundo no aspecto macroeconômico da China. Se tivéssemos optado por colocar de maneira descritiva ambos os assuntos, a extensão do relatório poderia, de certa forma, desincentivar a leitura do conteúdo completo.

    Principais Destaques:

    Sobre a China:

    (i) Mais uma vez, seguimos acompanhando minunciosamente os dados da economia Chinesa, para sermos precisos em nossas recomendações do setor de Metais & Mineração; (ii) A situação não é tão ruim quanto aparenta ser para o minério de ferro, e recuperação em “v” no 2S23 comprova que mesmo já amargando os efeitos da desaceleração econômica, o preço da commodity teve uma alta de +38% em 4M; (ii) Mas e com a queda em 2024? Hoje, a ~US$110/t, mesmo que tenha tido uma forte desaceleração de -20% YTD, o preço da referência 62% Fe permanece +20% acima da média histórica; (iii) O mercado imobiliário continuará sendo um problema? Nossa opinião é que, mesmo a infusão contínua de liquidez no mercado imobiliário pelo governo, dificilmente convencerá a população a comprar mais propriedades, especialmente em cidades Tier II e Tier III, então o setor continuará em declínio nos próximos anos, reduzindo a demanda por aço proveniente da construção residencial; (iv) O programa de social housing não iria ajudar? É necessário lembrar que esse programa é idealizado para acontecer ao longo dos próximos 4-5 anos, não mexendo muito o ponteiro de demanda no curto prazo; (v) Quais são os principais pensamentos dos investidores institucionais sobre o destino da economia chinesa? Tivemos diversas rodadas de conversa com investidores e compilamos nesse relatório as principais preocupações, crenças e diferentes pontos de vista sobre a desaceleração da China; (vi) Em nosso já consagrado capítulo “Para onde vai o preço do minério de ferro?”, fazemos mais um acompanhamento do balanço entre oferta e demanda da commodity e damos a projeção da nossa nova curva. Funcionando como um spoiler, a nossa projeção passa a ficar mais conservadora. Ainda assim,  a média de preços para 2024E e 2025E permanece acima de US$100/t, o que julgamos ser um preço atrativo.

    Sobre Vale:

    (i) Menor valor de realização de preço em minério de ferro, em razão da redução do benchmark 62% Fe que estimamos agora vs. a projeção anterior; (ii) Redução do Enterprise Value (EV) em nosso modelo, em virtude de agregar na conta o VPL do fluxo de caixa negativo com os pagamentos dos ajustes cobrados pelo governo brasileiro, através do Ministério dos Transportes, sobre a concessão das ferroviais EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas) e EFC (Estrada de Ferro de Carajás); (iii) Leve endurecimento de premissas relacionados a condições de pagamento do acordo de Mariana vs. estimativas anteriores; (iv) Prêmio All-in projetado em US$2,7/t 24E, abaixo do guidance US$3-4/t; (v) Custo C1 ex. compra de terceiros projetado em US$22,9/t 24E, colado na banda superior do guidance de US$21,5-23/t; (vi) Produção de minério de ferro estimada em 315Mt 24E, em linha com a banda intermediária do guidance de 310-320Mt, mesmo a Vale dando indicativos de que poderá atingir a banda superior; (viii) Modificação na nossa taxa de desconto, uma vez que cortamos a nossa projeção do PIB da China de longo prazo (2030) para 3,8%, o que infere uma redução nossa taxa g de crescimento na perpetuidade em -4p.p vs. taxa usada anteriormente; (ix) Em razão das modificações de premissas, o Target Price 12M foi cortado para R$72,30 vs. R$82,50 anteriormente para VALE3-B3. Já para as ADRs-NYSE, o novo Target Price 12M passa a ser de US$14,50 vs. US$16,75 anteriormente. Todavia, reiteramos a recomendação de COMPRA.

    Sobre CMIN

    (i) Menor valor de realização de preço em minério de ferro, em razão da redução do benchmark 62% Fe que estimamos agora vs. a projeção anterior; (ii) Manutenção do mesmo patamar de produção, com 43Mt 24E vs. 42-43,5Mt do guidance; (iii) Expectativa de maior equilíbrio do balanço entre produção própria vs. compra de terceiros, com um aumento de +2,5Mt vs. 2023 na produção própria e redução de -2,5Mt de compra de terceiros. (iv) Essa situação deve elevar as margens da CMIN, e como o movimento que segue independe do preço de minério de ferro, ainda acreditamos que as perspectivas para a companhia são boas no curto prazo e que o mercado está subvalorizando o potencial da companhia em relação a redução de compra de terceiros. A prova disto foi justamente o forte resultado do 4T23. Acreditamos que há mais por vir; (v) Em virtude das modificações de premissas, o Target Price 12M para R$6,20 vs. R$7,00 anteriormente. Ainda assim, reiteramos a recomendação de COMPRA.

    China: a grande dúvida passou a ser precificada como uma certeza…

    Nós vs. consenso. Colocando em perspectiva, avisamos sobre tudo o que está acontecendo antes do consenso. Nossa visão, no início do processo de reabertura da China em 2023, consolidava um pessimismo acerca dos indicadores macro. Nessa fase inicial, nossa opinião foi, portanto, contra consenso. Entre novembro de 2022 até abril de 2023, uma parcela relevante do mercado acreditava que havia um nível considerável de consumo reprimido, devido ao alto acúmulo de poupança e posterior gasto a ser destravado com a saída da China do sistema severo de lockdown (que ficou conhecido como Covid-zero). Com isso, a economia do país asiático poderia viver um 2023 de forte crescimento econômico. Conforme hoje já se sabe, isso não aconteceu, e fomos assertivos em nossa ótica do início ao final do ano passado.

    Em outras palavras, parte dos investidores ainda esperava que a China de hoje tivesse o mesmo comportamento da última década. Isso serviu tanto para (i) o processo de reabertura, iniciado ao final de 2022, com o consenso acreditando em uma forte retomada industrial em 2023 após o final da política de Covid-zero, passando também por (ii) melhores vendas no mercado imobiliário mediante ao final das incertezas pós pandemia, até chegar aos (iii) pacotes de incentivos para socorrer os setores, quando os dois primeiros pontos acabaram não acontecendo.

    Apesar das incontáveis vezes que o noticiário divulgou que seriam entregues pacotes de estímulos para economia chinesa durante boa parte de 2023, até então, estávamos adotando um tom de conservadorismo em relação à intensidade desses recursos, que o governo poderia ofertar, principalmente específicos ao setor imobiliário. Mesmo com os dados macro indicando a iminência de pacotes de auxílios, caso o governo mantivesse a postura mais intervencionista vista no passado, mediante aos PMIs de manufatura em grande parte dos meses de 2023 serem divulgados na zona de contração (abaixo de 50pts), ainda assim, enxergávamos poucas chances de pacotes de auxílios diretos por parte do governo, como era feito nos anos pré pandemia.

    Então não houve estímulos em 2023? Nossa opinião era que o governo tentaria fomentar as atividades econômicas alterando, principalmente, a política macro, ao reduzir a taxa de juros e realizar corte nas taxas de compulsórios, além de algumas medidas pontuais no mercado imobiliário. Nada muito além disso. Acreditamos que durante boa parte do ano passado, a postura do governo transparecia como menos intervencionista. Isso se torna verdade, especialmente, se compararmos esses ajustes nas taxas mencionadas com a injeção direta de capital vista nos últimos 5 anos, antes da pandemia (2013 a 2018), através de extensivos pacotes de estímulos. O montante totalizou uma média de ~US$130b por ano durante esse período, considerando apenas recursos destinados ao crescimento e auxílio ao mercado imobiliário.

    A situação não é tão ruim quanto aparenta ser para o minério de ferro. O mercado parece gostar de extremos quando o assunto é China. Em poucos meses, o humor dos investidores mudou drasticamente em 2023, saindo do excesso de otimismo em janeiro/fevereiro para um ceticismo nos meses de abril/maio do ano passado e um pessimismo forte a partir do meio do ano. Ou seja, em questão de alguns meses, a expectativa do consenso foi do céu ao inferno.

    A China acabou consolidando um desenvolvimento aquém do esperado pela maioria no início do ano passado, cambaleando e gerando incerteza sobre o cumprimento da meta de crescimento de 5% do PIB, a qual já havia sido divulgada abaixo das expectativas do mercado e em linha com as nossas projeções na época. Após alguns meses, investidores começaram a ficar tão pessimistas que descontaram de maneira irracional, em nossa opinião, alguns ativos importantes que possuíam correlação forte com a economia do país.

    Apesar da decepção com os dados macro da China, que ficaram abaixo da explosão de atividade econômica que o consenso “sonhava”, e isso ter provocado uma contração no preço do minério de ferro (batendo no bottom de US$102/t em agosto vs. US$135/t em março), a commodity viveu momentos de forte alta de setembro até o final do ano, subindo +38% em apenas 4M, para atingir ~US$140/t nos últimos dias de dezembro. Então, se olharmos o preço do minério de ferro ao longo de 2023, a curva mais se assemelha ao formato de um “v”. Em outras palavras, mostrou uma recuperação voraz e veloz de preço, mesmo com a economia já envolta em um pessimismo.

    Mas e com a queda em 2024? Nossa opinião é de que o preço do minério de ferro, mesmo com a queda forte neste primeiro trimestre do ano, apurando uma retração YTD de -20%, saindo de ~US$140/t para ~US$110/t na referência 62% Fe, ainda apresenta uma curva que se encontra em um patamar bastante atrativo. Não entendemos a razão de tanto pavor para as ações de mineração, considerando que mesmo em caso de queda, a média histórica de 10 anos do minério de ferro 62% Fe é de ~US$90/t. Ou seja, quando a commodity está acima de US$100/t, já consideramos esse como um bom patamar para as companhias de mineração.

    Portanto, hoje, a ~US$110/t, mesmo que tenha tido uma forte desaceleração YTD, o preço da referência 62% Fe permanece +20% acima da média histórica, como já mencionamos há algum tempo. É verdade que a China está crescendo menos do que no passado, mas a oferta de minério de ferro também está mais restrita do que anos atrás. Em 2016, o preço da referência 62% Fe chegou a ficar abaixo dos US$40/t, mas a China cresceu quase +7% o PIB no mesmo ano. Ou seja, hoje a economia está crescendo menos, mas o preço da commodity está muito mais alto. A razão para isso está mais ligada à variável da produção de grandes players (Vale, BHP e Rio Tinto) do que à demanda. Acreditamos que muitos olham para a demanda, mas poucos entendem, hoje, o peso da restrição de oferta nos preços do minério de ferro.  

    O mercado imobiliário continuará sendo um problema? Boa parte da nossa abordagem, contra consenso, sobre a redução do crescimento da China em 2023, teve origem na percepção de que o mercado imobiliário encontraria grandes dificuldades. Acreditamos que a situação debilitada do setor é estrutural e não conjuntural. Então, mesmo que o Covid-zero tenha sido um dos catalizadores no processo que afastou potenciais compradores de imóveis, através do aumento da incerteza, as vendas iriam começar a cair de maneira mais enfática em algum momento, independentemente dos lockdowns de 2021-22.

    As intervenções do governo para evitar uma perda na oferta de imóveis acabaram permitindo que o mercado imobiliário se tornasse mais alavancado do que é financeiramente saudável. O múltiplo Dívida Líq./Equity das 5 maiores incorporadoras chinesas constitui uma média de ~140%, o que comprova que o índice de alavancagem das empresas do setor na China é quase 7x maior do que o que seria considerado um teto no nível de endividamento controlado. Nossa opinião é que, mesmo a infusão contínua de liquidez no mercado imobiliário pelo governo, dificilmente convencerá a população a comprar mais propriedades, especialmente em cidades Tier II e Tier III. Isso levará, involuntariamente, a um crescimento menor daqui para frente se comparado ao que foi reportado no passado pelo setor de construção de moradias. 

    O que pensam os investidores sobre a economia Chinesa?

    Três linhas vermelhas estão virando linhas verdes. Nos últimos dois relatórios setoriais publicados anteriores a este, já indicávamos essa tendência. Com o aumento da preocupação sobre o mercado imobiliário, uma vez que as vendas de propriedades novas e lançamentos de projetos de moradias construídas por incorporadoras privadas estão em uma tendência de baixa histórica, o governo está dando sinais mais claros de rever os discursos.

    Em 21 de julho de 2023, o governo da China discutiu o aumento do estímulo à construção de imóveis por meio de investimentos comunitários. O desenho da política de social housing começou a surgir nesse momento, mas falaremos um pouco mais dela adiante. Após reuniões do Politburo no ano passado, várias medidas foram introduzidas para flexibilizar as diretrizes anteriores, na tentativa de promover um maior interesse na compra de imóveis. Avaliamos que as medidas desse estágio foram ajustes em restrições anteriores e facilitação para aquisição de empréstimos para se comprar casas, não havendo, portanto, estímulos financeiros diretos do Banco Popular da China (PBoC) no setor. Algumas dessas medidas se opunham às Três Linhas Vermelhas, uma política promulgada em 2020 pelo governo, antecipando a crise da Evergrande, para restrição de tomada de dívida das incorporadoras. Mais sobre essa situação é encontrado em nosso relatório setorial de setembro do ano passado, cujo link segue em anexo (Metais & Mineração: Um raio x na fratura exposta do mercado imobiliário chinês).

    Avançando na linha do tempo, a regulamentação mais branda também teve como objetivo ajudar a reestruturar a dívida das incorporadoras, potencialmente evitando a desvalorização de seus títulos. A reestruturação da dívida da Sunac (Top 5 entre as maiores no segmento de média e alta renda), é vista como um reflexo dessa mudança de política. Além disso, aparentemente, o PBoC suavizou o tom e recomendou um novo mandato bancário para auxiliar o setor, o que começou a ser chamado por alguns investidores de “três linhas verdes”, visando facilitar empréstimos sem garantia. Entretanto, é incerto se isso, por si só, reavivaria os fluxos de caixa das incorporadoras em cidades de pequeno e médio porte, porém temos convicção que aumentaria o caráter especulativo em cidades maiores.

    No último trimestre de 2023 a Sunac reestruturou ~US$10b em dívidas onshore e offshore, com o mercado interpretando o feito como um importante marco para as companhias imobiliárias chinesas em dificuldades. Como parte do plano de resolução da dívida, a Sunac está emitindo novas notas e títulos conversíveis para seus credores, refinanciando as atingidas. Essa foi a primeira vez que um governo local auxilia uma incorporadora privada com a baixa de dívidas (gerando desconto no valor de face). Também foi a primeira vez que o bloco de controle ofereceu ativos pessoais como garantia. A restruturação foi importante para pautar potenciais caminhos para incorporadoras que também se encontram em estágio de insolvência. Entretanto, também abriu precedentes para que o governo chinês comece a ser mais leniente com políticas que antes eram mais rígidas sobre as consequências da alavancagem do setor, estipuladas nas três linhas vermelhas.

    Apesar do mercado ter visto como positivo, a nossa interpretação sobre essa situação é de que o governo pareceu ser mais responsável há cerca de 3 anos atrás, quando implementou as Três Linhas Vermelhas, do que agora. Entretanto, foi perceptível que a desaceleração do setor, provocado pela limitação da capacidade de endividamento das incorporadoras e ausência de estímulos diretos, veio a afetar a perspectiva de metas do PIB neste último triênio, uma vez que o capital na China está muito ligado a obras grandes de infraestrutura e mercado imobiliário para moradias. Destacamos que ~30% do PIB são oriundos do setor de construção civil. Essa alta correlação de PIB mais elástico com o setor de construção civil veio após o governo estimular projetos de incorporadoras muito além do ponto justo, pelo menos nas últimas duas a três décadas, criando um imenso estoque de imóveis.

    Parece-nos que um tom mais complacente com a situação na qual as incorporadoras se encontram hoje é um movimento potencialmente retrógrado, dando mais sinais verdes e apagando os vermelhos da política anterior. Porém, a situação se encontra nesse ponto difícil para as incorporadoras justamente pela falta de responsabilidade na gestão de fluxo caixa, com o governo premiando as companhias do setor que se alavancassem para entregar mais canteiros de obras, desde o final da década de 90 até meados dos anos 2010. Olhando para este ano, as seções de reuniões do Politiburo, que terminaram há poucos dias, reforçaram essa tese de que uma abordagem mais flexível está em curso.

    Reuniões do Politiburo em 2024: remoção de uma frase importante. O slogan “habitação é para morar, não para especular” foi removido do relatório de trabalho do governo do primeiro-ministro Li Qiang, indicando uma possível mudança na política chinesa para incentivar o investimento em habitação. Essa é a primeira remoção da famosa frase proferida pelo Presidente Xi Jinping na gestão da política imobiliária desde sua introdução em 2019. A ausência sugere que o governo central da China pode estar menos preocupado com a expansão de capital e a alta alavancagem no setor imobiliário, uma vez que as fracas vendas de casas e as perdas de mais de US$100b dos detentores de títulos vem aumentando a pressão em cima da atual gestão.

    Várias grandes incorporadoras privadas ficaram inadimplentes e estão se reestruturando. Muitos acreditam que se o governo não intervir, novas inadimplências poderão induzir o pânico até mesmo entre as incorporadoras estatais mais sólidas. Assim como ocorreu com a Sunac, órgãos reguladores, agora, exigem reestruturações de dívida semelhantes para demais incorporadoras em estado de insolvência, com os governos locais supervisionando a reorganização da dívida. Os proprietários de incorporadoras privadas, acionistas e investidores em títulos devem arcar com as perdas da reorganização da dívida por meio de swaps de dívida e patrimônio, enquanto bancos líderes serão nomeados para coordenar o processo.

    Onde divergimos do consenso? Já alertamos desde o relatório setorial passado que a reestruturação muito flexível de dívidas pode levar à impunidade para a assunção de riscos e os critérios deveriam permanecer um pouco mais rígidos. Apesar de não ser necessariamente a resposta que o mercado gostaria de ouvir, nossa visão é de que as incorporadoras deveriam enfrentar as consequências da alta alavancagem e do excesso de oferta de imóveis. Para que o setor volte a ser saudável, os governos locais adjuntos da coordenação central teriam que incentivar mudanças significativas nos hábitos das incorporadoras. A alternativa de presumir ajuda demonstra um claro problema de risco moral. Estimular o setor a continuar crescendo mais, sendo que já há atualmente um forte estoque de casas, estradas que ligam nada a lugar nenhum e cidades fantasmas, nos dá a ideia de que a resolução do problema pode levar anos e que passará por uma desaceleração inevitável de vendas de imóveis e redução do lançamento de novos projetos de construção, o que implicará em um PIB menor.

    Do ponto de vista fundamentalista, o crescimento deverá ser em níveis inferiores daqui em diante. Embora o consenso já tenha considerado isso na precificação dos ativos, não sendo mais novidade para ninguém, sabemos, através de conversas com investidores, que o mercado ainda interpretaria como positiva a volta de estímulos diretos no setor, o que nós chamamos de “velha política”.  Ou seja, mesmo com o largo estoque de moradias sem venda concluída ou não ocupadas, ainda há uma torcida para que o governo volte a ter o mesmo pensamento de anos passados, o que faria a China retornar a crescer high single digit o PIB.  Porém, a que custo? Nos parece que a situação ficaria sempre à beira do abismo, viciando o setor a estímulos e construindo casas sem a real necessidade de moradias.

    Então, divergimos da ideia consensual de que os estímulos seriam positivos para economia nesse estágio. Nossa visão é de que a China não precisa de mais estímulos, pelo menos não no mesmo formato que foi feito na última década. O que ela precisará é remodelar sua economia inteira para se voltar mais ao consumo de serviços do que à produção manufatureira. Uma hora o crescimento da indústria de base precisa desacelerar. É claro que isso não seria uma boa notícia para o setor de mineração, uma vez que a China comanda mais de 70% da demanda do sistema transoceânico de minério de ferro, e que as usinas de aço representam grande parte da indústria de base chinesa. Porém, nos parece ser a ordem natural da política de expansão dos meios de capital escolhida para ser a política econômica do país há décadas. É importante entender também que não foi só o governo da China que optou por esse caminho…

    China em uma trajetória similar ao Japão. Em rodadas de conversas com investidores, já escutamos que, resguardando algumas peculiaridades, a China passa por uma situação parecida com o Japão. Com juros negativo e um problema estrutural de previdência, o Japão está com taxas de crescimento baixas, vivendo um período de recessão prolongada. A questão é que o Japão de hoje muito provavelmente será a China de amanhã. Concordamos com essa analogia, e o mercado já observa essa tendência acontecer. Por isso o pessimismo com a economia chinesa.

    A desaceleração das taxas de crescimento do PIB japonês para a quarta maior economia do mundo agora em 2024, após já ter sido a segunda maior, é atribuída a vários fatores, incluindo o (i) estouro da bolha imobiliária na década de 1990, que levou a uma (ii) recessão prolongada, e o (iii) envelhecimento da população do país. De maneira próxima à opinião de um grupo de investidores, também avaliamos que a China pode entrar em uma situação muito parecida com o Japão. Essa analogia seria pertinente uma vez que a China também passa por uma crise imobiliária e está vendo sua população reduzir, com o ano de 2022 marcando o primeiro ano de decréscimo no número de habitantes. Ou seja, é como se o Japão reproduzisse um pedaço do caminho que a China ainda irá percorrer. Acontece que a trajetória é para baixo. 

    Com a desvalorização de sua moeda, o Japão mantém taxas de juros negativas para estimular a atividade econômica, enquanto outras grandes economias globais têm aumentado as suas, considerando que o mundo está lutando contra a inflação pós pandemia do Covid-19. Comparativamente, a taxa de câmbio RMB/USD também vem depreciando, e embora o Banco Popular da China (PBoC) ainda tenha mantido, essa semana, as duas taxas de juros básicas estáveis em 3,45% (LPR de 1 ano) e 3,95% (LPR de 5 anos) em relação à reunião anterior, em fevereiro o PBoC já havia reduzido a LPR de 5 anos em -25p.p, configurando uma taxa de juros real de apenas 3%. O valor só não é negativo uma vez que a China viveu em 2023 o maior período de deflação desde 1998, chegando ao final do ano com um CPI de apenas +0,2%, enquanto os EUA, por exemplo, experimentavam a maior inflação das últimas décadas, fechando 2023 em +3,4%.

    Cortes nas taxas de juros poderiam ser mais intensos. Estamos projetando uma queda de -10p.p Genial Est. na LPR de 1 ano para a próxima reunião do PBoC, chegando a 3,35% e uma manutenção da LPR de 5 anos. Entretanto, destacamos que a nossa visão é baseada no processo de baixa magnitude de inflação e não do viés econômico, uma vez que o governo insiste em limitar a política econômica com uma tendência de forçar a poupança pela ausência de um sistema previdenciário claro. Dessa forma, parte do mercado acredita que o PBoC manterá os juros nas faixas atuais por mais tempo, sendo opostos à nossa opinião de corte na LPR de 1 ano.

    Ou seja, embora o ritmo de redução da taxa de juros esteja aquém do potencial, dada a quantidade de meses em deflação, o juro real ainda é positivo e pode permanecer assim durante algum tempo (leia-se mais de um ano). Porém, é de se constatar que o número está em declínio se comparado com a média histórica recente. Nossa opinião é que, caso as taxas básicas de juros fossem cortadas mais rapidamente, uma vez que há espaço para isso, provavelmente o juro real seria negativo, mesmo com inflação baixa. Acreditamos ser possível então que a China demonstre mais uma vez uma situação semelhante ao Japão, porém em estágios mais atrasados.

    Estimativas para a taxa de utilização dos Alto-fornos em 2024. A grande questão aqui é que nos parece muito difícil reverter um quadro de baixo consumo na China devido a um viés cultural do governo em relação à preocupação com a previdência (também similar ao Japão). É evidente que a redução da taxa de juros possui o intuito de desincentivar a população a poupar, o que elevaria os gastos das famílias. As pessoas comprando mais bens duráveis por exemplo, geraria um upside para o consumo de aço interno. Porém, as leituras de PMI de manufatura da China ainda não deram sinais de melhora em 2024 e o setor industrial que consome aço (downstream) ainda está sem demanda significativa na ponta em relação ao consumo doméstico.

    É importante destacar que, historicamente, o chinês não costuma gastar e as taxas de depósito como % do PIB são muito mais elevadas do que os EUA, por exemplo. Isso acontece porque a China tem um problema considerável de previdência, e agora com a população começando a envelhecer dentro do processo de inversão de pirâmide etária, isso só tende a piorar.

    As taxas de utilização dos Alto-fornos já reduziram para ~88% no meio de março vs. ~92% em outubro, mas ainda assim sobem +6p.p a/a. O sentimento que apuramos dos investidores nesse quesito (utilização do Alto-forno) é que o mercado acredita que basicamente irá ocorrer uma dentre duas situações que apresentaremos a seguir. (i) A maioria acredita que 2024 será parecido com 2023, com taxas próximas a 90% e a China fazendo dumping de aço bruto e embutido para demais economias globais, sem aumento do consumo doméstico. (ii) Já uma parcela menor de investidores pressupõe que 2024 será pior que 2023, com taxas mais baixas, chegando próximas de 80%, com uma redução mais forte no mercado doméstico e leve contração nas exportações, ocasionando uma produção de aço bruto que poderia sofrer um corte entre -5% e -10% vs. 2023.

    Tanto na alternativa (i) quanto na (ii), não vimos, portanto, investidores apostando em uma melhora em 2024.  Inicialmente, nossa visão era justamente que 2024 iria obter uma pequena reação do consumo interno, conforme foi mais detalhado no relatório passado, que segue anexo (link). Após conversarmos de maneira mais enfática com o mercado nas últimas semanas, passamos a ficar um pouco mais pessimistas em relação à nossa perspectiva anterior e estamos agora com uma tendência mais próxima da alternativa (i).

    Investidores acreditam que o modelo econômico chinês se exauriu. A gestão de Xi Jinping parece possuir como ideia principal um modelo econômico de cerceamento de consumo interno para carregar basicamente todo o volume financeiro na capacidade fabril e de infraestrutura. Esse é um modelo que funciona bem, mas até certo ponto. A renda per capita da China fechou ano passado em ~US$12,6k, e embora tenha reduzido frente a 2022, o número ainda traz uma evolução muito expressiva nos últimos 10 anos, dobrando de valor. Se pegarmos um espaço de tempo ainda maior, próximo à década de 90, o PIB per capita era extremamente depreciado. Isso comprova que durante os últimos anos o modelo tirou uma parte significativa da população da miséria e elevou para uma renda média acima de diversos mercados emergentes.

    Todavia, o modelo aparentemente se exauriu, dado que os retornos em infraestrutura e de instalação fabril ficaram marginalmente decrescentes, o que levou a poupança do chinês médio em direção à especulação imobiliária.  Hoje o mercado parece já estar convicto de que há de fato uma especulação imobiliária e que o sistema de moradias privadas na china possui características correlatas com uma bolha, da qual apontamos ainda em 2022. Uma parcela significativa dos investidores com quem conversamos entende que o governo reestimulou o setor imobiliário para que não houvesse desaceleração durante o final dos anos 2010. Ou seja, em condições normais de oferta e demanda (sem intervenção estatal), o setor teria desacelerado mais cedo do que acabou acontecendo. Concordamos com essa opinião.

    Conforme já expusemos em outros relatórios, a inversão da pirâmide etária na China em 2022 significa uma diminuição da população após 60 anos consecutivos de crescimento. Essa tendência é atribuída ao aumento do custo de vida ao longo de décadas e ao fato de as famílias optarem por ter menos filhos, com uma média de 1,3 filho por casal e uma taxa de natalidade de 7,5 filhos por mil habitantes. A retirada da política de filho único em 2015 não foi o suficiente para reascender a taxa de fertilidade. Isso representa um desafio para o setor imobiliário, especialmente em cidades menores, já que menos filhos significam menos possíveis herdeiros e ocupantes de imóveis.

    O aumento dos preços dos imóveis e a alta taxa de vacância impedem possíveis ocupantes ou compradores terceiros. A demanda por imóveis em cidades menores (Tier II e III) é baixa, com as políticas monetárias do governo não conseguindo estimular mais investimentos para compra de novas casas, principalmente para média e alta renda. A demanda por imóveis em cidades maiores (Tier I) provavelmente não desaquecerá tanto devido, justamente, ao fator da especulação imobiliária. Investidores que não possuem intenção de morar nas casas que estão adquirindo (second buyers) continuarão a procurar cidades maiores pela maior perspectiva de valorização do imóvel ao longo do tempo.

    Essa tendência pode prejudicar a recuperação do setor de construção de moradias devido à menor demanda por compras de imóveis em cidades pequenas e médias e às previsões de redução forte de lançamento de novos projetos. É necessário lembrar que cidades Tier II e III carregam ~70% do PIB da China, e que as vendas de novas casas estão em queda livre desde 2021. Nossa preocupação com o setor é grande, e não julgamos ser exagero do mercado nesse quesito, já que a situação só piora mês após mês.

    Desconfiança sobre a taxa de crescimento oficial do PIB. Percebemos que o mercado ainda continua muito cético em relação à veracidade de alguns indicadores oficiais do Escritório Nacional de Estatísticas (NBS), principalmente sobre o PIB. Embora o NBS tenha informado que a expansão econômica da China para 2023 foi de 5,2%, ultrapassando levemente a sua meta anual de 5%, conversamos com investidores que usam abordagens com cálculos de trás para frente, mostrando uma variação significativa para os dados oficiais. Observações de fontes de dados alternativos, como números de voos domésticos e crescimento da receita de empresas voltadas para o consumidor, confirmaram que a economia da China melhorou com o fim das restrições da pandemia, mas há muito mais controvérsia e as raízes dessa discussão são mais profundas.

    É necessário apontar que mesmo com a receita crescendo, o lucro líquido das companhias não acelerou muito. E isso não é de agora. Já faz alguns anos que a economia, pela leitura do indicador oficial, cresce +5% a/a ou acima (em termos reais), mas o lucro nominal das ações chinesas em sua média cresce próximo de +1% a/a. O que supostamente indicaria que há algo de errado em algum dos dois números, muito provavelmente sendo o de PIB. Na última década, o PIB composto acumulou uma alta de +66%, enquanto o indicador de lucro por ação (LPA) das companhias da bolsa de Xangai (SSE Composite Index) atingiu uma alta de apenas +12%, crescendo quase 6x menos que o PIB oficial.

    Favorecendo essa opinião, obstáculos como o declínio na construção de imóveis, as finanças apertadas do governo local e a diminuição das exportações exerceram pressão negativa. Ao contrário dos dados oficiais, que indicam que o aumento dos gastos com manufatura e infraestrutura equilibrou o impacto econômico do setor imobiliário, há uma parcela do mercado que acredita que o investimento geral ficou praticamente estagnado em 2023, sugerindo que o valor genuíno do PIB ficou no intervalo de +1,5% a +3,5% (e não +5,2% indicados pelo NBS).

    As dúvidas sobre as estatísticas de investimento da China, que contabilizam os gastos com moradia, fábricas e infraestrutura, foram intensificadas por ajustes frequentes nos últimos anos. O NBS informou um aumento nominal de +3% a/a no Investimento em Ativos Fixos (FAI) em 2023, totalizando ¥50,3 trilhões (~US$7 trilhões). No entanto, o NBS acabou admitindo que seus dados não puderam ser comparados diretamente com o relatório de 2022 devido a questões que incluem “dados problemáticos descobertos durante as inspeções estatísticas de aplicação da lei”. Sendo assim, o número oficial do FAI para 2023 implica a redução do valor de 2022 em -¥7 trilhões (~US$980b), o que corresponde a -17% vs. o anunciado inicialmente.

    Já ouvimos também em conversas que alguns investidores utilizam o índice Li Keqiang. Entretanto, embora esse indicador tenha sido popular anteriormente, nossa avaliação é que as condições econômicas atuais na China começaram a ser mais rodeadas em torno de serviços, e menos na produção industrial, reduzindo a relevância do método, e que isso deve se tornar uma tendência cada vez mais forte agora, principalmente se o governo optar por não enviar pacotes diretos de estímulo ao mercado imobiliário de incorporadoras privadas e auxílio à indústria manufatureira. Para esclarecer, o Índice Li Keqiang é uma ferramenta de avaliação de desempenho econômico criada pela The Economist em 2010. Esse indicador foi projetado para verificar o crescimento da China por meio de três parâmetros: (i) volume transportado em ferrovias, (ii) consumo de eletricidade e (iii) carteira de crédito dos bancos comerciais.

    Outro método alternativo, que sabemos que é usado, é a captura do PIB pelos números oficiais do NBS, porém não ajustados pela inflação, e, continuamente, a aplicação de um deflator de preços independente para se chegar ao PIB real. Com diferentes abordagens independentes e uma forte desconfiança nos números, concluímos que o NBS parece ter dificuldades para elaborar relatórios precisos devido à falta de autoridade sobre funcionários e ao aumento da pressão política. Isso está de acordo também com a interrupção da divulgação oficial da taxa de desemprego entre jovens, após ter atingido o pico histórico em 2023, chegando a 21,3% em junho e parando então de ser divulgada pelo NBS em agosto. A resposta oficial para a interrupção foi que o método de cálculo da estatística “precisaria ser melhorado”.

    Crise no pagamento de títulos de dívidas em incorporadoras. Apesar das medidas de flexibilização, que comentamos em relação ao mercado imobiliário, a crise econômica e o desemprego elevado entre jovens, que teriam o perfil de first buyers, minaram a confiança inteira no setor. Conforme citamos, mesmo que as vendas totais de moradias (incorporadoras privadas + estatais) tenham demonstrado uma recuperação a/a, o nível de penetração de primeiros compradores ainda está muito baixo. Muitas incorporadoras privadas passaram a ficar inadimplentes por dificuldades na gestão de capital de giro e estão causando perdas aos detentores de títulos.

    Com o fluxo de caixa bastante espremido, as companhias imobiliárias que estão com insolvência têm preferido pagar funcionários e fornecedores, e estão dando calote nos juros ou nas amortizações de dívidas emitidas. A inadimplência da China South City aumenta essas preocupações. Mais de 300 títulos high-yield chineses (incluindo ratings não classificados e retirados) somam um montante de US$110b em perdas para os detentores desde 2023. A maioria desses títulos está sendo negociada atualmente na casa dos 6 centavos de dólar ou menos, dizimando o valor de face, o que sugere perspectivas ruins de recuperação.

    Os investidores em dívidas high-yield deimobiliárias da China podem continuar a vender suas participações à luz da deterioração da esperança de recuperação dos credores, independentemente do apoio político. Isso é evidenciado pelo aumento dos pedidos de liquidação apresentados nos tribunais de Hong Kong, em casos muito parecidos com a da Sunac, que já comentamos. Entretanto, os detentores de títulos fizeram alguns acréscimos na dívida da Vanke (Top 2 entre as maiores incorporadoras da China) nos últimos dois meses, ignorando a recente queda nos preços dos títulos.

    Se pegarmos a abertura das posições que são divulgadas publicamente por gestoras de fundos alocados em ativos relacionados às incorporadoras em crise, veremos que houve uma elevação no montante nominal de participações nas dívidas em dólar da Vanke em +US$60m nos últimos 2M, apesar das preocupações com o enfraquecimento da liquidez. Enquanto isso, as participações nos títulos offshore da Longfor (Top 6 entre maiores incorporadoras da China) foram reduzidas em -US$64m de valor nominal nos últimos 2M, apesar da companhia estar pronta para pagar os títulos onshore com vencimento no 1T24. Não há previsão de vencimento dos títulos em dólar da Longfor até abril de 2027.

    Ao perguntamos o que os investidores pensam sobre essa situação, ouvimos respostas indicando que a conjuntura no caso da Vanke poderia ter atingido o bottom e que há uma crença entre alguns gestores de fundos de que o governo não deixaria a companhia quebrar e que iria intervir, oferecendo um resgate. Como os títulos de dívidas caíram muito, os mais adeptos ao risco entenderam que era uma oportunidade, pensando que a Vanke seria “Too big to fail”.

    “Too big to fail” vs. “quero meu dinheiro de volta”: de qual lado a maioria está? Ainda que alguns investidores tenham a concepção de que o caso específico da Vanke representa uma companhia grande demais para quebrar, em geral, a maioria dos gestores de fundos parece acreditar que o mercado de renda fixa imobiliário na China oferece um sério risco, e que as incorporadoras, tirando um caso isolado ou outro, não possuem salvação e as vendas ainda devem reduzir mais nos próximos 2 anos, estreitando ainda mais o fluxo de caixa das companhias.  

    Constatamos que a Ashmore alienou títulos no valor de US$166m, incluindo a maior parte de sua participação na Evergrande. Oito outros importantes detentores de títulos, como Allianz, UBS, BlackRock, Fidelity, Credit Agricole, Ninety One e HSBC, também seguiram o exemplo. No geral, o corte total na exposição desses gestores de fundos atingiu ~US$670m, reduzindo suas participações acumuladas para ~US$13,5b, o menor valor desde que os registros começaram em novembro de 2021, já no período de crise. O maior valor dessa série histórica em relação à crise imobiliária foi de US$39,2b, de forma que os saques nos títulos das dívidas ultrapassam a marca de 65% do montante total, medido entre o valor nominal de pico e o momento atual. Além disso, como os saques aconteceram de maneira tão enfática, os títulos perderam, também, valor na marcação a mercado, chegando a uma média de -92% desde o início de 2021. Notavelmente, salientamos que os números exatos podem variar ligeiramente devido às diferentes regras de divulgação e datas de registro em diferentes países.

    Quais títulos os fundos de investimento estão vendendo? Através da nossa apuração, os investidores venderam principalmente títulos da Evergrande, Country Garden e Shimao. A Evergrande enfrentou uma ordem de liquidação de um tribunal de Hong Kong em 29 de janeiro. Enquanto isso, a Country Garden continua recebendo pedidos de liquidação de credores, e a Shimao pode enfrentar um processo de liquidação do Deutsche Bank em Hong Kong. Pequenos acréscimos foram observados na KWG, CIFI e Greenland (lista Top 30 entre as maiores incorporadoras da China). Especificamente, a KWG concordou em vender metade de sua participação em um projeto onshore por ¥400m (~US$55,6m). A CIFI garantiu uma extensão do pagamento de seu título de 4,4% em yuans e concordou em alienar 60% de sua participação em 16 terrenos em Sydney por A$66,3m (~US$43,3m), com o intuito de aliviar a pressão de liquidez offshore. Ainda não se sabe como esses recursos serão utilizados.

    Para onde vai o preço do minério de ferro?  

    Iremos avaliar nesse capítulo alguns aspectos da demanda e oferta e abordaremos se há, do ponto de vista fundamentalista, razões que justifiquem a queda expressiva de -20% YTD do minério de ferro. Do nosso último relatório setorial sobre mineração para este, o preço da referência 62% Fe desceu para ~US$110/t vs. ~US$130/t no início de dezembro. Porém, mesmo com uma margem menos elástica nesse momento, o preço ainda se encontra ~20% acima da média dos últimos 10 anos.  Após enumerarmos alguns fatores de (i) demanda e (ii) oferta, apresentaremos mais uma atualização da nossa projeção para a curva de preços do minério de ferro em relação aos próximos anos.

    Demanda

    Mercado imobiliário

    Mesmo diante dos riscos, algumas incorporadoras não zeraram compras de terrenos. Somados os primeiros dois meses de 2024, em uma lista com as 100 maiores incorporadoras chinesas, vimos que o volume total de compras de terrenos subiu em +13% a/a, impulsionado principalmente por incorporadoras estatais, enquanto as vendas de casas caíram -51% a/a. Essa tendência leva a uma asfixia do fluxo de caixa livre para as incorporadoras em situação alavancada que não zeraram suas compras. Portanto, acreditamos que o aumento na compra de terrenos levanta questões sobre o apoio de políticas futuras e a capacidade das incorporadoras privadas de manterem esse ritmo semelhante às estatais. Entre as companhias privadas que estão mais debilitadas, a Vanke foi a que comprou mais terras, apesar da sua compressão no fluxo de caixa.

    Nossa percepção é de que a gestão da companhia potencialmente imagina que será premiada com ajuda do governo, então está basicamente vivendo como se estivesse livre de riscos, o que a leva a continuar aumentando seu landbank, embora a uma taxa reduzida. Apuramos que a Vanke desembolsou ¥2,4b (~US$330m) com compra de terras nos dois primeiros meses de 2024, o que representa 7% de suas vendas brutas contratadas. Portanto, apesar de ainda continuar comprando terrenos, não podemos deixar de ponderar que há uma redução significativa em relação a 2023, quando os gastos com acréscimo de landbank representaram ~20-25% das vendas brutas contratadas da companhia.

    A Longfor também reduziu sua compra de terrenos, não figurando sequer entre os 100 maiores compradores de terrenos em fevereiro. Avaliamos que a redução dos gastos ocorre devido a uma queda de -40% nas vendas de casas nos últimos 2M. Ou seja, à medida que a velocidade de lançamentos reduz pela ausência de apetite nas vendas, a compra de terrenos também cai. Acreditamos que o ideal para o tamanho do problema seja as compras zerarem em incorporadoras com questões ligadas a insolvências.  Além disso, no caso da Vanke, a companhia está negociando com os credores para estender o prazo de seus títulos de dívida, e acreditamos que de fato o governo deve incentivar os credores a fecharem um acordo.

    Companhias imobiliárias estatais seguem mais capitalizadas que as privadas. Conforme já destacamos em diversos outros relatórios de análise setorial, as incorporadoras privadas estão muito mais expostas às dificuldades de alavancagem e gestão de capital de giro do que as estatais. Isso acontece porque, na década passada, as incorporadoras privadas foram incentivadas pelo governo a crescerem o ritmo de projetos de maneira muito enfática, e para isso, tomaram muito mais dívidas do que as estatais. Portanto, hoje, as companhias controladas pelo governo se encontram em uma situação financeira mais saudável, apesar de no médio prazo terem crescido menos.

    Novamente, somando os números de janeiro e fevereiro, constatamos que 90% dos principais compradores de terrenos eram incorporadoras estatais, das quais metade possuem vínculos diretos com o governo central. O maior comprador foi a CR Land, que gastou ¥14,7b (~US$2b), aquirindo lotes que somaram mais de 70% de suas vendas de imóveis no mesmo período. Quatro entre as dez maiores compradoras eram incorporadoras pertencentes a governos regionais. Devido a problemas de liquidez, a maioria das incorporadoras privadas de fato zeraram as aquisições, com exceções como a Hangzhou Binjiang e a Vanke, por exemplo. Olhando pela lista de LGFVs, a cidade de Shijiazhuang, localizada na província de Hebei, foi uma das maiores compradoras de terrenos, gastando mais de ¥5,8b (~US$800m).

    Ainda não conseguimos decifrar se os governos locais estão tentando transferir a dívida de seus balanços patrimoniais pedindo à LGFVs que comprem terras, mas pelos valores de alguns casos na lista que avaliamos, há indícios de que isso pode ser intencional. Esses terrenos até poderiam ser revertidos na política de social housing que começa a entrar em vigor, em estágios embrionários (nossa última esperança de melhora no médio prazo). Se você deseja saber mais sobre o que são LGFVs e como esses veículos de investimento possuem um forte impacto na política pública de gestão imobiliária na China, além de como está desenhado o sistema de social housing , que acontecerá nos próximos anos, recomendamos fortemente que acesse o relatório setorial anterior, que segue em anexo (link).

    Redução no preço das casas amplia sentimento de decadência em cidades menores. Em fevereiro, na lista dessas 100 principais incorporadoras, o valor total de terrenos aquiridos correspondeu a ¥74b (~US$10,3b), registrando um declínio de -11% a/a, após um aumento de +51% a/a em janeiro. A demanda nas cidades Tier I (cidades grandes) continua supostamente aquecida, evidenciada pela venda de 7 lotes de terra pelo governo de Hangzhou para companhias imobiliárias privadas em fevereiro, com um prêmio médio de +19,1% vs. preço da licitação. Já nas cidades Tier II e Tier III (pequenas e médias) o preço das casas segue dando fortes sinais do desinteresse de compradores, comprimindo duplo dígito em algumas ocasiões.

    Destacamos que, embora as cidades Tier II e Tier III sofram mais, com o metro quadrado desacelerando mais rápido, as cidades Tier I seguem mais atreladas a especulação imobiliária, o que segura os preços em patamares mais altos. Apesar da dificuldade de filtrar esses dados, acreditamos que a penetração de first buyers em cidades Tier I gira em torno de 20%, o que é demasiadamente baixo e um forte indicador do caráter especulativo. Embora a média de penetração na China esteja em ~32%, o que também é bem baixo em relação aos EUA, por exemplo, que possui ~47%, esse valor ganha algo próximo de +12p.p de elevação devido ao peso das cidades  Tier II e Tier III. Esses dois grupos somam quase 3x mais área útil do que as cidades maiores e possuem menos especulação, com as compras historicamente mais correlacionadas com a necessidade real de moradia.

    Cidades maiores ainda permanecem menos afetadas, mas estimamos que os preços possuam trajetória de queda à frente. Postulamos que as cidades Tier I já estão dando alguns leves sinais de recuo nos preços, mesmo seguindo atrativas principalmente para investidores que ocupam a função de second buyers. Eventualmente, mesmo que a bolha demore mais para estourar em Pequim, Shangai e Shenzhen, acreditamos que essas cidades provavelmente passarão por desaceleração de preços de forma um pouco mais abrupta adiante, com contrações apenas superficialmente mais arrefecidas que o grupo Tier II. Ainda assim, observamos uma proliferação de casas no mercado secundário, ou seja, a prática antiga de comprar uma casa e revendê-la para auferir ganhos financeiros está desacelerando também, à medida que essas casas são postas à venda, mas não encontram compradores.

    Como está distribuída a queda de preços dos imóveis? A crescente crise de liquidez da Vanke está exacerbando a queda nos preços dos imóveis residenciais na China e o sentimento dos compradores, com quedas sucessivas nos preços de imóveis novos relatadas em 59 das 70 cidades que monitoramos em fevereiro vs. 56 cidades em janeiro. A falta de pagamento dos títulos do Country Garden em agosto de 2023 aprofundou a crise imobiliária na China, que já havia sido afetada pelo colapso da Evergrande. Em dezembro, 62 das 70 cidades que monitoramos sofreram um declínio sequencial nos preços das casas novas, um aumento acentuado em relação a apenas 38 em junho. Destacamos que o arrefecimento dessa situação em janeiro não indica, necessariamente, uma recuperação, pois essa tendência também foi observada em janeiro de 2023 e 2022 devido ao fato de as incorporadoras terem ajustado suas estratégias de preços após as vendas de dezembro.

    Demanda de aço pelo mercado imobiliário continuará muito debilitada e não vemos o cenário mudando no médio prazo. Acreditamos que as incorporadoras imobiliárias chinesas, sobretudo as privadas de média e alta renda, enfrentarão uma pressão cada vez maior e, portanto, deverão ampliar o ritmo de redução de preços devido a dois fatores principais: (i) queda na demanda dos compradores, bem como a (ii) oferta crescente de casas com desconto no mercado secundário, principalmente nas cidades Tier II e Tier III (médias e pequenas). Em fevereiro, foi registrada uma queda de -64% a/a nas vendas contratadas em incorporadoras privadas. Incorporadoras imobiliárias como a China Overseas Land, Yuexiu e CR Land registraram quedas nos preços médios de venda nos dois primeiros meses do ano na ordem de duplo dígito baixo vs. 2023. Outras incorporadoras como Vanke, Agile, Shimao e Seazen registraram quedas de preço de um dígito alto vs. quedas maiores de 21 a 31% da Sino-Ocean, Sunac e KWG.

    No entanto, a Country Garden foi uma das únicas grandes incorporadoras que registrou um aumento de preço, de +23% (entre jan e fev) devido às fortes vendas de um empreendimento significativo em Hong Kong. Ainda assim, do ponto de vista de VSO (Vendas sobre oferta), a situação é bem aquém do desejável, tanto para a Country Garden como para o restante do setor. O estoque de novas casas nas cidades menores da China atingiu um recorde de 34 meses de vendas médias em janeiro, o maior desde o início da série histórica em 2010, dando mais um indício da pressão sobre os preços das casas em 2024.

    Número de meses necessários para vender uma nova casa cresce exponencialmente. Com um estoque de casas muito alto, as companhias imobiliárias vão cada vez mais baixando o preço para tentar estimular as vendas. Mesmo assim, isso parece não surtir muito efeito para aumentar o apetite das vendas. Segundo nosso levantamento de dados, o número de meses para absorver essa nova oferta de casas é cada vez maior. Para cidades Tier III, cada nova casa que entra dentro do sistema de oferta, demora, em média, ~35 meses para ser vendida hoje (2x mais do que em março de 2023), e a tendência é tão negativa que, mesmo esse valor já sendo o maior já registrado nos últimos 5 anos, ele provavelmente crescerá ainda mais.

    Portanto, acreditamos que um excesso de oferta crescente e vendas comprimidas jogarão o VSO muito para baixo, afetando especialmente a Country Garden, Agile e Seazen, já que tanto os seus landbanks quanto os projetos já entregues, situam-se, em grande parte, em cidades Tier III. Enquanto isso, a carteira de pedidos em atraso nas cidades Tier II está se aproximando de uma alta de 11 anos, com déficit equivalente a 23 meses de vendas. Os possíveis surtos de anúncios de casas no mercado secundário podem aumentar ainda mais a pressão do lado da oferta de casas no mercado primário. Isso pode ocorrer à medida que algumas pessoas optem por procurarem barganhas nas casas secundárias (construídas, compradas e postas à venda novamente), afetando tanto os preços quanto as margens das incorporadoras.

    Queda de preços nos imóveis de mercado secundário atrapalha ainda mais.  As incorporadoras chinesas provavelmente terão dificuldades para aumentar as vendas contratadas este ano, com a demanda permanecendo fraca e em declínio, já que os possíveis compradores de imóveis novos, entregues pelas incorporadoras, estão sendo atraídos pela queda dos preços no mercado de imóveis secundários. Essa tendência também potencializa a redução das demandas de atualização, já que os residentes podem precisar de tempo para vender suas casas atuais sem ter que reduzir os preços. Essa situação eventualmente vai aprofundar ainda mais a desaceleração contínua do número de lançamentos de novos projetos imobiliários residenciais de incorporadoras privadas.

    Acreditamos que a crise está longe do fim e a demanda por aço do setor permanecerá em declínio. As construções em andamento na China vão continuar caindo, essencialmente em sinergia com as construções residenciais recém iniciadas, que se tornarão cada vez mais escassas em 2024 e 2025. A queda das construções recém iniciadas fechou fevereiro em -30% a/a. Julgamos que a situação é muito preocupante, mas já apontávamos para isso desde 2022. Dessa maneira, conforme comentamos em diversos relatórios passados, sobre o problema ser muito mais estrutural do que conjuntural, o setor continuará em declínio nos próximos anos.

    Nossa visão é de que, muito provavelmente, toda essa compressão continuará aniquilando a demanda por aço proveniente do segmento de média e alta renda de incorporadoras privadas, uma vez que é justamente as construções recém iniciadas que suportam a demanda por aço. Se há cada vez menos formação de canteiros de obras, há cada vez menos demanda por aço nesse setor, uma vez que as estruturas de aço são usadas até o primeiro quartil no timeframe de execução de projetos imobiliários. 

    Industria

    Deflação é subproduto de uma indústria com demanda doméstica fraca. Em 2023, a economia da China sofreu deflação durante boa parte dos meses, fechando o ano com um CPI de apenas +0,2%, devido à queda dos preços no setor de manufatura (indústria), com o deflator do PIB contraindo -0,6%, compondo a redução anual mais significativa desde o final da década de 1990. Na cesta conjunta entre diferentes setores que compõem o PIB, o segmento industrial sofreu queda de -3,2% a/a nos preços dos produtos.

    Nossa análise sugere que o maior grau no deflator do PIB ocorreu principalmente em razão do setor manufatureiro sem demanda doméstica o suficiente, uma vez que uma série de produtos de bens duráveis sofreram fortes cortes nos preços. Dessa forma, os dados indicam um excesso de oferta em alguns setores em relação à demanda doméstica, e aço é um deles. Consequentemente, isso pode desencadear alegações de países como Brasil, EUA e da Europa de que a China está investindo muito além da demanda interna em alguns setores de manufatura. Quando há um excedente muito grande, as exportações tendem a aumentar. Dependendo de algumas condicionantes, isso acaba prejudicando a concorrência mundial quando os preços são mais competitivos.  

    A China está exportando deflação para o mundo? Considerando que vivemos em uma economia globalizada e que os consumidores possuem o direito de escolha pesando critérios de qualidade vs. preço, o que encontramos hoje na China é um quadro de recompensa da indústria com capacidade muito larga e eficiente, que está expandindo o mercado consumidor de seus produtos manufaturados para diversos outros países. Não nos parece ser novidade que a china seja consumidora de commodities e exportadora de produto acabado. Durante muitos anos, a China exportava produtos com qualidade inferior à manufatura em diversas regiões centrais, que possuíam indústrias mais fortes. Isso parecia criar certa rejeição de consumidores, geralmente sendo rotulada como o país das falsificações. Porém, hoje em dia a situação está ficando diferente.

    Diante de décadas de ampliação do parque fabril e de muito capital empregado, que foi adicionado de favorecimento da coordenação estatal a setores manufatureiros chaves, como por exemplo a indústria de base (entre elas, as usinas de aço), a China conseguiu formar hoje produtos que passam a competir em qualidade com os produzidos na Europa e EUA, mas com preços mais baixos.

    A China investiu tanto na capacidade produtiva que, mesmo tendo ~1,4 bilhões de habitantes, o consumo interno não gera suporte o suficiente para absorver toda a oferta de bens duráveis. Enquanto a exportação era feita com qualidade muito inferior de produtos, a China vencia a concorrência nacional dentro de outros países ocidentais apenas quando o interesse dos compradores estava mais enviesado ao redor da variável preço. Entretanto, como a indústria foi refinando cada vez mais a sua manufatura ao longo das últimas duas décadas, a força da China na competitividade com produtos de outros países, consagrados pela gestão e excelência do parque fabril, foi sendo gradativamente mais notória, a ponto de hoje ter reduzido drasticamente a margem de disparidade na variável qualidade, principalmente em alguns produtos chaves para os próximos anos, como os carros elétricos (EV) e recursos de home appliances (linha branca e eletrônicos).

    A grande questão é que o amplo apoio estatal, para além do forte desenvolvimento da engenharia na China, está criando uma conjectura propícia para a concorrência quase que desleal em diversos bens duráveis chaves da economia global. Nesse ponto de vista, concordamos que a China está exportando deflação para o mundo, uma vez que as taxas de penetração de importação de produtos com origem chinesa estão crescendo em diversos países. Mesmo que o componente de inflação de serviços tenha um peso maior nas economias mais maduras, ainda assim, no que tange a inflação de bens, a concorrência com o poder de manufatura da China está fazendo com que a indústria nacional de diversos países, nos mais diferentes segmentos, perca market share ou reduza preços. Essa situação leva, eventualmente, à redução da taxa de inflação ou até a um quadro de deflação para bens.

    Quando a alternativa de reduzir preços parece inevitável, o quadro deflacionário dentro desses países começa a acontecer na composição da taxa de inflação ligada à cesta de bens duráveis e não duráveis. Antes, a China parecia incomodar a concorrência mundial só nos bens não duráveis de ciclo mais curto, como vestuário por exemplo. Hoje, a situação já escalou para alta competitividade em bens duráveis de ciclo mais longo e maior valor agregado.  

    Nossa visão é de que a China tende a ter um consumo doméstico mais fraco no curto prazo, levando o excedente da larga capacidade instalada fabril a ser redirecionado para demais mercados globais. Dentro da nossa cobertura de Metais & Mineração, isso fica extremamente nítido com o próprio aço. Para nós, o consumo de aço embutido está evidente, ou seja, a China compra o minério de ferro de países como o Brasil, transforma a commodity em aço, fabrica o carro elétrico e exporta o veículo de volta para o Brasil. Porém, além do aço embutido, a China começou a intensificar a exportação de aço bruto para as demais economias globais.

    Como as siderúrgicas chinesas, em geral, estão dentro do primeiro quartil de eficiência de custos e ainda recebem subsídios do governo, exportam aço bruto extremamente barato, e a penetração de aço importando da China, dentro do consumo aparente, escala em taxas exponenciais há cerca de dois anos, com ênfase no ano passado, entre países com baixas barreiras tarifárias. Portanto, destacamos que a ausência de demanda interna aquecida na China provoca um maior direcionamento de aço bruto ou embutido para fora. É possível que tarifas protecionistas comecem a surgir para embarreirar as entradas de produtos chineses.

    Quais são as razões para a indústria possuir uma demanda doméstica anêmica? Conforme já comentamos na análise preliminar sobre as perspectivas de investidores em relação à economia chinesa, acreditamos que os motivos para uma demanda interna sem tração sejam compostos por efeitos combinatórios de (i) altas taxas acumuladas de investimento em capacidade produtiva, superando, com um certo nível de folga, a base de consumidores domésticos, mesmo tendo conquistado o posto de país mais populoso do mundo por diversos anos; (ii) declínio marginal da população pelo início do processo de inversão da pirâmide etária em 2022, perdendo, portanto, o lugar de país mais populoso para a Índia no ano passado.

    Além desses motivos, destacamos principalmente o (iii) viés cultural da atual gestão governamental de Xi Jinping e de alguns de seus antecessores, sobre recriminar o consumo e glorificar a poupança; (iv) ausência de um sistema previdenciário claro e público, que desestimulou o consumo e historicamente, nas últimas duas décadas, intensificou o ritmo de depósito bancário e compra de imóveis, que compõe um ativo pouco líquido.

    Ademais, a (v) redução recente do poder aquisitivo, em virtude da crise do sistema imobiliário, considerando que ~70% da poupança do chinês médio foi investida em imóveis e os preços das hipotecas estão despencando; bem como a (vi) transferência gradual de uma economia voltada para a produção de bens, em direção a uma economia consumidora de serviços, principalmente guiada pelo ímpeto pós pandemia, onde o setor de serviços ficou fechado e teve liberação de demanda reprimida em 2023; e por último, salientamos o (vii) aumento histórico do custo de vida com moradia, saúde e educação, pacote essencial que acabou freando gastos com aquisições de bens de consumo duráveis, essencialmente mais caros que os não duráveis.   

    Quanto tempo o baixo nível de demanda por bens pode durar na China? A redução de consumo doméstico, de fato, possui alguns pontos de caráter não cíclico e estruturais, de forma que o desaquecimento da demanda por bens duráveis, que comandam o consumo de aço, deve continuar pressionando as margens das siderúrgicas chinesas por mais tempo. Há algum receio de que, com a potencial migração de parte do peso que hoje nos parece excessivamente alocado no PIB industrial (~40%) para o PIB de serviços nos próximos anos, ocorra uma desaceleração prolongada da demanda por bens duráveis. Isso, portanto, afetaria drasticamente o consumo aparente de aço doméstico na China ao longo dos próximos anos.

    É notório que a China é o país com maior concentração de peso no PIB industrial entre as 10 maiores economias do mundo. A diferença para a Alemanha, segunda colocada, é gritante (+10p.p). Ou seja, acreditamos que o peso da indústria no PIB total da China vai cair nos próximos anos, para se alinhar mais com o peso de economias mais amadurecidas.  

    A reviravolta para que este destino não seja trágico para a indústria chinesa nos parece ser, de fato, a continuidade do processo de exportação, pelo menos do aço embutido através da venda de bens duráveis para mercados externos. Acreditamos que do ponto de vista de eletrificação de frota (EV), por exemplo, a China já esteja incomodando grandes montadoras europeias e americanas, e isso deve se intensificar. Todavia, o risco para as siderúrgicas chinesas é a implementação de barreiras tarifárias, que potencialmente inviabilizem a exportação de produtos manufaturados, deixando as usinas sem muito direcionamento de aço, uma vez que acreditemos que o consumo interno tende a ser mais baixo daqui para frente. A União Europeia estuda implementar tarifas de importação para automóveis ainda esse ano.

    PMI industrial oficial continua na zona de contração. Em fevereiro, o PMI Industrial Oficial da China, medido pelo Escritório Nacional de Estatísticas (NBS), diminuiu ligeiramente para 49,1pts. (vs. 49,2pts. em janeiro), porém veio marginalmente acima das estimativas de consenso de 49pts. A queda m/m pode ser atribuída à inatividade do feriado de Ano Novo Lunar, e não a uma desaceleração aprofundada no crescimento. Ainda assim, o número segue dentro da zona de contração (abaixo de 50pts.), no mesmo espaço debilitado que se encontrou em 9 dos 12 meses do ano passado. Já o PMI de Serviços ficou em 52,5pts., que mesmo com o recuo suave de -0,2pt. m/m, ainda permanece dentro da zona de expansão (acima de 50pts.), estando em linha com o processo de migração da demanda pelo consumo de bens para o consumo de serviços.  

    Já na quebra por subsetores, o PMI do setor siderúrgico permaneceu lateralizado pelo terceiro mês consecutivo em 46,0pts., indicando a permanência na zona de contração nos últimos 12M para as usinas. Após o final do feriado do Ano Novo Lunar, a produção de aço se recuperou parcialmente, aumentando o subindicador de produção para 45,2pts. (+1,5pts. m/m). No entanto, o subíndice de novos pedidos atingiu o menor valor em 9M, abaixando para 41,4pts., devido a um lento retorno ao trabalho nos setores de demanda downstream, especialmente na construção civil. Por outro lado, o PMI industrial medido pela Caixin, que abrange empresas voltadas para a exportação, aumentou ligeiramente para 50,9pts. em fevereiro vs. 50,8pts. nos 2M anteriores, superando as projeções e marcando o quarto mês consecutivo dentro da zona de expansão.

    Dessa forma, considerando que uma das principais diferenças ente o PMI industrial, medido pela Caixin, e o oficial, medido pelo NBS, encontra-se, justamente, no viés da exportação, a nossa tese de que o consumo doméstico na China foi fraco ano passado e permanecerá fraco esse ano é reforçada, com a indústria crescendo exportações à medida que o mercado interno não absorve a oferta de bens duráveis. Para nós, esse é justamente o retrato da China também para os próximos anos. Como alternativa ao combate do aumento de importações com origem chinesa, a indústria nacional de outros países ao redor do mundo pode elevar barreias tarifárias, conforme já descrevemos. Acreditamos que essa probabilidade é grande, mas a China possuí outra carta na manga para usar se for necessário: a desvalorização proposital da taxa de câmbio RMB/USD.

    A China irá propositalmente desvalorizar a sua moeda? Acreditamos que o viés estruturalmente negativo com relação ao consumo doméstico de bens duráveis na china vai acabar esbarrando, em algum momento, na taxa da taxa de câmbio RMB/USD. O governo regula a moeda de uma forma que parece não retratar claramente a gravidade das circunstâncias econômicas na China.

    Ou seja, como o PIB na China ainda está altamente ligado à indústria manufatureira e ao mercado imobiliário, ambos os setores passando por modificações de decomposição da demanda doméstica, a economia parece atravessar um período de desgaste acentuado e, ainda assim, a moeda não desvalorizou de maneira proporcional, uma vez que o PBoC segura artificialmente a taxa de câmbio. Uma das formas que os Bancos Centrais atuam para estabilizarem a moeda quando o país está em uma situação adversa é através da elevação na taxa de juros, o que, inclusive, pode prejudicar o nível de atividade econômica.

    Por isso, geralmente, essa prática acaba retroalimentando as dificuldades enfrentadas com a desaceleração econômica, uma vez que os Bancos Centrais, comumente, possuem dificuldades para calibrar a relação de juros vs. taxa de câmbio. A ideia por trás desse mecanismo é de que alguns países necessitam atrair fluxo de capital em dólar, o que, potencialmente, evitaria um colapso da moeda em situações de tensão econômica. Com esse objetivo em mente, além de outros, promovem a elevação da taxa de juros como forma de atrair investidores estrangeiros, os quais passam a exigir maiores retornos sobre o capital na tentativa de compensar o risco crescente de ruptura da economia. Porém, o caso da China nos parece divergir da situação usualmente atravessada por demais países quando se deslocam por crises.

    Para nós, é necessário considerar que a China é superavitária em conta corrente, pela força de sua balança comercial. Portanto, a nossa interpretação é de que a China não necessita de entradas crescentes de capital em USD para defender sua própria moeda. A configuração econômica atual parece indicar que o país tem pouca carência de intervenção externa para suprir integralmente suas demandas de consumo local. O obstáculo atravessado pela indústria Chinesa hoje sugere que o verdadeiro problema é exatamente o superávit de volume da produção de bens duráveis, e não o déficit de bens essenciais que não são produzidos internamente. Não havendo, portanto, necessidade de injeção de capital estrangeiro na economia doméstica para compensar a saída de capital.

    A verdade é que, no âmbito da economia real, a China não precisa de muito investimento estrangeiro, então há uma preocupação menor com fuga de USD, embora ela já tenha restringido a possibilidade de correntistas enviarem recursos para o exterior, mediante a última maxidesvalorização, que ocorreu entre 2015 e 2016. Entretanto, a China também possui, agora, interesse em defender o RMB como uma moeda forte, para que, de alguma maneira, dispute com o USD a hegemonia no contexto de negociações internacionais, como símbolo de assertividade do seu modelo econômico para contextualização da política externa. Ou seja, a atitude nos parece ser mais política do que econômica nesse estágio.

    Isso faz com que o PBoC tenha mais liberdade em sua política monetária. A redução de juros que vem sendo aplicada, mesmo que a passos vagarosos, busca incentivar o consumo de bens duráveis no cenário doméstico, e não necessariamente atrair capital estrangeiro, uma vez que a China vive basicamente um ambiente deflacionário. Isso, por si só, levaria o câmbio para baixo. Entretanto, segundo nossa visão, a taxa de câmbio RMB/USD não se desvalorizou o suficiente para refletir os desafios macroeconômicos enfrentados pelo país. Acreditamos que o PBoC utiliza de alguns artifícios na política cambial, como a compra e a venda de contratos em moeda estrangeira de forma ocasional e limitada, com o objetivo de conter movimentos de desvalorização da taxa de câmbio, enquanto também regula as taxas de compulsório.

    Em 2015, o PBoC alterou a maneira como administrava o RMB, permitindo que o mercado tivesse mais importância na cotação (razão informada à época) e desvalorizou a moeda, que sofreu retração. Um dos objetivos do PBoC era ter a moeda do país na cesta de moedas de reserva do FMI (Fundo Monetário Internacional). Coincidentemente, a desvalorização realizada ocorreu dias depois que os dados macroeconômicos da balança comercial haviam demonstrado uma queda brusca nas exportações, levando a crer que a ideia principal, ao desvalorizar a moeda, fosse gerar impulsos nas remessas (embarcações) e acelerar a economia.

    De janeiro de 2014 a dezembro de 2016, o câmbio RMB/USD recuou cerca de -13%, e o PIB da China acelerou +14%. Hoje, o câmbio está em um patamar similar ao visto ao final deste período, porém a situação econômica é consideravelmente pior, com um PIB de +5,2% (menos da metade). Por outro lado, mesmo crescendo bem menos, desde o início de 2023 a moeda recuou apenas -6%, deixando ainda um gap, segundo o nosso entendimento, para uma possível nova queda.

    Pondo tudo isso em outras palavras, de maneira mais objetiva, acreditamos que o RMB está mais valorizado do que deveria estar para esse estágio de desaceleração da economia local. Portanto, parece-nos que o PBoC tem uma margem de segurança com uma amplitude considerável frente ao valuation da moeda. Se demais economias globais começarem a elevar barreiras tarifárias para se proteger da enxurrada de bens chineses, seja no aço bruto ou embutido, nossa tese é de que a China irá propositalmente eliminar os artifícios de política cambial que estão segurando a desvalorização do RMB, fazendo com que haja uma convergência para o valor justo da moeda.

    E por que isso é importante para o setor de Metais e Mineração? Acreditamos que o ato, caso venha a se concretizar, venha a ser intencional por parte do governo chinês, à medida que a única forma de continuar ganhando da competição externa pela variável preço em relação a um potencial bloqueio por barreira tarifária, além de subsidiar setores, seja desvalorizar a própria moeda. Dessa forma, mesmo com uma barreira tarifária maior, a China conseguiria furar essa estratégia protecionista e continuar escoando o excesso de sua capacidade (em aço bruto ou embutido) para os quatro cantos do planeta. Por isso, ainda acreditamos que haja um suporte para as taxas de utilização dos Alto-fornos em patamares rodeando os 90%, indicando que a China não precisará aliviar o ritmo de produção de aço, mesmo com um consumo doméstico mais fraco.

    Isso nos parece ser uma boa notícia para as mineradoras (Vale e CMIN), uma vez que iria garantir algum nível de demanda para o minério de ferro, porém uma notícia ruim para as siderúrgicas brasileiras sob a nossa cobertura (Usiminas, CSN e Gerdau), que estão sofrendo com o influxo do aço chinês e argumentando que a concorrência com a China é desleal. Portanto, é possível que, mesmo que um aumento mais significativo da tarifa de importação de aço seja concedido pelas autoridades brasileiras, o setor de aço doméstico no Brasil ainda possa continuar sofrendo, já que a China poderia driblar o efeito da tarifa no aumento de preço através da desvalorização proposital do RMB.

    Oferta

    O que provocou a recuperação em “v” no final do ano passado? Conforme já explicitamos nas passagens iniciais deste relatório, além de análises contidas no relatório setorial prévio, consideramos que a baixa disponibilidade de oferta no sistema seaborne durante o 2T23 acarretou uma compressão de estoque de minério de ferro nos portos chineses a partir de setembro até dezembro. Embora a demanda doméstica dos segmentos downstream (que consomem aço) estivesse fraca, a interlocução de estímulos pelo viés especulativo de curto prazo, como também a maior tendência à exportação de aço bruto e embutido em bens duráveis pelo viés fundamentalista, fizeram com que as taxas dos Alto-fornos na China permanecessem em patamares elevados durante boa parte de 2023.

    Ou seja, a componente de preço do minério de ferro na referência 62% Fe contou com três situações para provocar uma alta forte no 2S23, que chegou a +38% em apenas 4M: (i) baixo nível de estoque, como sendo o principal motivo, seguido por (ii) maior volume de exportação do excedente de produção, e (iii) rumores e posterior confirmação de estímulos para o mercado imobiliário, que vieram por meios indiretos pós reuniões do Politburo no meio do ano passado, como também de forma direta, com o anúncio do programa de social housing apenas no final do ano passado.

    Fica evidente que, para o investidor que leu o texto todo até aqui, não estamos nem um pouco otimistas com qualquer nível de recuperação do mercado imobiliário chinês, pelo menos do ponto de vista de aumento de vendas de imóveis categorizados como média e alta renda de incorporadoras privadas. Pelo contrário, acreditamos que a situação está bem longe da estabilização e as vendas continuarão caindo, dragando o número de projetos em lançamento.

    O número de construções recém iniciadas deve, portanto, continuar contraindo e a demanda por aço em relação ao segmento imobiliário é altamente aderente a esse indicador. Com a redução dos canteiros de obra de incorporadoras privadas, especialmente em cidades Tier II e Tier III, a demanda por aço nesse setor tende a aprofundar a queda, distante de qualquer recuperação no médio prazo (2024 e 2025, pelo menos).

    Programa de social hosing ainda não contribuiu significativamente para elevação de demanda. O anúncio do programa de social housing no final de 2023 foi o único acontecimento que nos deixou um pouco mais animados com o setor imobiliário, uma vez que não perpassa pela demanda de média e alta renda, além de contar com fundos levantados por meio dos LGFVs e pelo uso restrito de vouchers, não havendo a opção do recebimento em dinheiro, prática antiga que gerou ainda mais especulação no passado. Acreditamos que os vouchers, provavelmente, serão direcionados majoritariamente para empreendimentos selecionados de incorporadoras estatais e exclusivamente por first buyers, retirando do balanço o risco de alavancagem e a baixa confiança do consumidor sobre a possibilidade de não cumprimento do prazo de entrega do empreendimento.

    Além desses fatores há uma restrição pelo código de regulamentação do programa que evita o cenário desconstrutivo em que o comprador “flipa” a casa no mercado secundário após tê-la adquirido, o que é extremamente positivo e não havia sido feito em incentivos anteriores. Em geral, o programa nos pareceu bem desenhado, corrigindo falhas do passado. Porém, é necessário lembrar que o programa de social housing é idealizado para acontecer ao longo dos próximos 4-5 anos, não mexendo muito o ponteiro de demanda no curto prazo. Para mais detalhes sobre o programa de estímulo, acesse nosso relatório passado (link).

    Dessa forma, concluímos que o anúncio do programa de social housing pode até ter ajudado, em algum grau, a recuperação a ganhar impulso no final do ano passado. Porém, enxergamos essa questão como meramente especulativa, tendo ocorrido apenas por um ganho de ânimo e pelo agenciamento de preço feito pelo estoque na mão das tradings, uma vez que a demanda real por aço relacionada ao programa é mais lenta, e será gradual ao longo dos próximos anos.

    Restrição de oferta foi o único game changer de curto prazo. Como o programa de social housing ainda não foi responsável por elevar a demanda de maneira mais enfática, isso leva a afirmar que a restrição de oferta foi o fator principal para a forte alta de preço do minério de ferro no final do ano passado (+38% em apenas 4M). Ou seja, descartamos que tenha ocorrido um aumento considerável de demanda, seja ela proveniente do mercado imobiliário ou do setor industrial, que tenha alterado sensivelmente as condições de preço da commodity do ponto de vista fundamentalista.

    Portanto, até mesmo o segmento industrial não nos parece ter sido um maciço contribuinte desse aumento de preço do minério de ferro, uma vez que não enxergamos, nos últimos meses de 2023, uma colocação adicional de empenho produtivo para redirecionar ainda mais volume para o exterior, e domesticamente, o consumo permaneceu totalmente sem força. Acreditamos que a China até possa ter acelerado marginalmente as exportações no final do ano passado de alguns produtos, mas a média permaneceu relativamente estável ao longo do ano. E embora essa média, de fato, seja superior se comparada ao histórico, não nos parece justificar, isoladamente, o voraz aumento do preço do minério que ocorre especialmente nos últimos 4M de 2023.

    Se olharmos os dados compilados, através do somatório de estoque portuário que acompanhamos em 45 portos chineses, a oferta de minério de ferro ficou no menor nível nos últimos 5 anos a partir de outubro. Isso criou um papel fundamental para o preço da commodity ter uma alta expressiva de preço. 

    Quando o estoque nos portos voltou a subir, o preço foi derrubado. Da mesma forma como comentamos na parte introdutória deste relatório, os preços do minério de ferro 62% Fe amargaram uma perda de -US$30/t (-20%) desde o início do ano (YTD), para ~US$110/t, devido a um (i) excesso de oferta nos portos e (ii) a fraca demanda doméstica por aço na China. A questão levantada por nós no trecho acima é justamente que o preço do minério de ferro estava obtendo uma forte recuperação até o final de dezembro basicamente atrelada por oferta baixa nos portos.

    Porém, à medida que o preço do minério de ferro foi ascendendo e passou a ficar muito caro para uma demanda doméstica apática, as siderúrgicas rapidamente reduziram o volume de compras nos portos, e logo no início de janeiro a alta da commodity perdeu fôlego e reverteu completamente a direção, passando a fechar quase todos os pregões deste ano em queda.

    Essa inversão de sentido, passado de uma voraz alta para uma intensa queda, serve para mostrar que o fator dominante de curto prazo é a oferta (que parece mudar mais rápido) e não a demanda (que estava fraca e permanece fraca). Entender os mecanismos de oferta daqui em diante será essencial para uma precificação com mais acurácia do minério de ferro. Obviamente, como as margens das siderúrgicas chinesas seguem muito pressionadas, considerando que os insumos, como por exemplo o coque e o minério de ferro, acabaram sofrendo uma elevação no final do ano, o preço da bobina à quente (HRC) na China chegou a desacelerar ainda mais, em US$525/t na última semana (vs. US$595/t no início de janeiro), caindo -11% YTD.

    Como as siderúrgicas tiveram que aprofundar ainda mais o corte de preço no início de 2024, mesmo com os subsídios do governo, ainda assim a rentabilidade não compensava a manutenção das taxas de utilização nos Alto-fornos de ~92% observadas em outubro do ano passado. Isso porque o preço de insumos, como o minério de ferro e coque, estava subindo muito. Essa situação, aliada às paralizações e sazonalidade enfraquecida diante do feriado do Ano Novo Lunar (10 de Fev a 25 Fev), foram as razões que justificaram a queda na taxa de utilização média dos Alto-fornos ao logo de 2024, que atingiram ~82% em março (-10p.p em ~5M).

    Com a derrubada das taxas de utilização, os estoques de minério de ferro nos portos voltaram a uma situação de acúmulo, uma vez que as siderúrgicas diminuíram consideravelmente a velocidade de reposição do insumo direto para o pátio das usinas. Isso, por sua vez, também explica como o diagnóstico em relação à potencial restrição de oferta mudou tão rápido, indo em direção a uma oferta excessiva.  

    Como ficou o despacho de volume nesse meio tempo? As exportações australianas de minério de ferro permaneceram abaixo dos números do ano passado devido ao clima adverso e às greves, com as exportações caindo para 65Mt em fevereiro, o menor valor desde fevereiro de 2022. Apesar das condições desafiadoras, a BHP exportou um recorde de 21Mt em fevereiro. Os embarques da Rio Tinto caíram mais de -5Mt, para 21,3Mt, devido ao mau tempo e ao ciclone tropical Lincoln afetando a costa australiana. A Fortescue se recuperou de um descarrilamento de trem e exportou 14Mt em fevereiro.

    Já para as mineradoras brasileiras, o mês de fevereiro veio como um novo recorde mensal desta época do ano, com 29Mt, um aumento de +1Mt vs. janeiro e +6,4Mt vs. fevereiro de 2023. Tanto a Vale como outras mineradoras de menor porte, como a CMIN, Samarco e Trafigura Brasil, estão apresentando um forte desempenho desde o final do ano passado. Acreditamos que do ponto de vista operacional, as mineradoras brasileiras estão cada vez mais se superando, considerando a sazonalidade um pouco mais enfraquecida que é de se esperar para a temporada de chuvas.

    Nossa estimativa é que os despachos em março aumentem para 31,2Mt Genial Est. (+7,6% m/m) devido ao início do processo de entrada em um clima um pouco mais seco e ao aumento da capacidade de mineração, já que a Vale nos parece estar realizando um excelente trabalho mesmo com algumas minas em deplation e a CMIN possui um ramp-up para esse ano de +5Mt em relação a produção própria.

    Com as mineradoras indo bem nos embarques, o excesso de oferta foi revertido. Concluímos então que a demanda não parece ter sido responsável, de maneira fundamentalista, para a alta de preços do final do ano passado e nem pela baixa de preços no início desse ano. No nosso ponto de vista, foram as dinâmicas de oferta que, aliadas à estagnação da demanda, fizeram o preço se movimentar de maneira intensa nos últimos 6M (alta volatilidade, subiu muito forte no final do ano passado e caiu muito rápido no início desse ano).

    Como o quadro do final do ano passado era de menor nível de estoque nos portos da China durante pelo menos os últimos 5 anos (e um dos níveis mais baixos do histórico de 10 anos), mesmo com uma demanda pífia do mercado imobiliário residencial, a indústria parece ter encontrado nas exportações a solução para o problema de overcapacity, pelo menos parcialmente.  Dessa forma, a demanda se manteve relativamente estável (ainda no patamar razoavelmente baixo, apenas não piorou). Um nível de estoque bastante enxuto aliado a uma demanda invariável, resultou em uma alta voraz de preço da commodity.

    Porém, o jogo se inverteu rapidamente, também. Atribuímos a derrocada do preço do minério de ferro 62% Fe YTD (Jan-mar) aos seguintes pontos: (i) as mineradoras se recuperaram nas vendas nos meses finais do ano passado, principalmente as brasileiras, e continuaram mantendo um ritmo impressionante de despacho para essa época do ano em 2024, considerando o delay de ~45 dias para a chegada do carregamento nos portos da China; somadas ao fato de que (ii) as siderúrgicas chinesas desaceleraram a produção pelo encarecimento do insumo, que espremiam ainda mais as suas margens, que já estavam muito estreitas a essa altura; além da (iii) sazonalidade ruim desse período do ano para produção nos Alto-fornos, com algumas concentrações de manutenções e redução de capacidade diante do feriado do Ano Novo Lunar, que dura 15 dias na China. 

    Com o efeito combinatório desses três pontos, o resultado foi a inversão do quadro de estoque, que saiu de um cenário de restrição de oferta para um excedente de volume. Com o excesso de volume nos portos, o preço sofreu diversos choques, regredindo muito rapidamente.

    Produção provavelmente se manterá estável em 2024. Em 2023, a produção total de minério de ferro das majors (Vale, Rio Tinto, BHP e Fortescue) foi de 1,12Bt, um aumento de +1,7% vs. 2022. Olhando para 2024, de acordo com a nossa projeção de cenário base, tanto as mineradoras australianas quanto a Vale manterão a produção basicamente estável, regredindo em -1Mt Genial Est. o volume total de minério de ferro no sistema seaborne em 2024.

    Por outro lado, haveria um upside de até +19Mt no nosso cenário otimista, se todas as companhias majors conseguirem atingir a banda superior de seus guidances de maneira simultânea. Ou seja, na melhor das hipóteses do ponto de vista de produção, o volume total iria subir para 1,31Bt (+17% vs. 2023). Com um bom início de ano operacional, ratificado pelos dados que puxamos da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX), é possível que a Vale consiga atingir a banda superior do seu guidance de 310-320Mt, mas isso ainda dependerá se estará apta a manter esse ritmo ao longo do ano (considerando a sazonalidade).

    Preço

    Como os recentes acontecimentos afetam a curva daqui em diante? Mediante ao nosso cenário base atual para a oferta, que é obtido através da junção da performance atrelada sempre ao meio do guidance das mineradoras majors, o volume ficará basicamente estável em 2024 vs. 2023, podendo reduzir marginalmente, inclusive. Do lado da demanda, acreditamos que a migração lenta e gradual do peso de contribuição de PIB industrial em direção ao PIB de serviços na China dará pistas de uma demanda doméstica ainda fraca ao longo do ano. Nossa visão é de que as exportações de bens de consumo duráveis de ciclo mais longo, com aço embutido ou do próprio aço bruto, deverão ainda manter as taxas de utilização dos Alto-fornos na China próximas da média anual 24E de ~90% Genial Est., parecido com o ano passado. Então a situação é ruim, mas não tanto…

    Concluímos então que, embora a demanda deva ser apática na China (tanto do setor industrial doméstico quanto do mercado imobiliário), não esboçando muita reação em 2024 vs. 2023 (ligeiramente diferente do que esperávamos antes), o aumento de volume das exportações pode compensar parcialmente a falta de demanda por aço interna. Tudo o que escrevemos até aqui nesse relatório procura criar base técnica para reforçar esse esboço que estamos desenhando para o ano 2024. Reforçamos que a leitura do relatório completo nos parece figurar como plano ideal para os investidores absorverem todos os fundamentos que justificaram a nossa projeção da curva de minério de ferro, que segue abaixo.

    Nossa nova projeção: Ainda que o preço do minério de ferro tenha retraído -20% YTD, nossa análise atual sugere que provavelmente haverá uma continuidade desse movimento, porém, em um ritmo bem mais brando, considerando que o reequilíbrio de oferta e demanda já foi quase todo restabelecido a essa altura. O benchmark de 62% Fe permanece estimado em US$120/t para a média do 1T24 (intacto vs. anteriormente), porém reduzimos a projeção média do 2T24 para US$100/t (vs. US$115/t anteriormente). Hoje o preço spot está em ~US$108/t.

    Conforme comentamos, a queda se aprofunda suavemente no 2S24, para US$98-95/t (vs. US$115-112/t anteriormente). A explicação para essa redução de preço projetada por nós durante o 2S24 está relacionada ao fator sazonal, onde naturalmente as mineradoras aumentam produção durante, principalmente, os 3Ts. Importante mencionar que o preço spot caiu mais do que esperávamos YTD em relação a nossa curva anterior. Estamos desconsiderando potenciais estímulos que o governo da China faça ao longo de 2024. Destacamos que alguns investidores com quem conversamos acreditam que o governo chinês possa desenvolver pacotes de estímulos no meio do ano, principalmente visando atingir a meta de PIB de 5%, o que faria com que a curva do minério de ferro apresentasse uma alta (e não uma queda, que é o que estamos estimando).

    Porém, do ponto de vista fundamentalista, acreditamos que, mesmo que isso aconteça, os efeitos demoram para entrar na economia real. Dessa forma, é verdade que o preço do minério de ferro pode vir a ter um upside em relação às nossas estimativas, uma vez que o mercado de commodities no curtíssimo prazo vive de momentos de rally quando há boas notícias, independente se o aumento de demanda por aço já esteja inserido ou não na economia real. Ser fundamentalista para estimar preço de commodities diante de tantas incertezas é uma tarefa difícil, mas alguém tem que fazê-la.

    Adotamos uma abordagem conservadora. Consideramos que a nossa curva de projeção do minério de ferro é conservadora, uma vez que se encontra abaixo da estimativa de alguns outros analistas e potencialmente mais pessimista que o consenso. Olhando para a visão do ano completo, 2024 possui agora uma projeção média de US$103/t (vs. US$116/t anteriormente). Para 2025 a média estimada ficou agora em US$100/t (vs. US$106 anteriormente). Entretanto, a projeção de longo prazo (2028) permanece constante em US$75/t.

    Mesmo com a queda, preço segue atrativo. No curto prazo, destacamos que mesmo adotando um tom mais conservador para os próximos 2 anos (24E-25E), o preço médio de minério de ferro 62% Fe projetado de ambos os anos rodearia o patamar de US$100/t. O que, por sua vez, confere um poder de preço implícito na commodity, que figuraria no patamar de +10% vs. média histórica dos últimos 10 anos. Concluímos que, mesmo tentando forçar a curva ainda mais para baixo do que o consenso, diante de toda a negatividade e incertezas que envolvem a China, o preço ficaria (em média) em um nível que consideramos atrativo.

    A explicação para isso se encontra em alguns pontos: dinâmicas de oferta, estruturalmente mais restrita pelos (i) custos mais altos da mineração (inflação geológica e deplation de minas) e (ii) mudanças de regulamento em direção a formas mais seguras nas lavras, principalmente no Brasil (descaracterização de barragens, proibição desde 2019 das barragens de construção a montante, das quais retinham mais volume que as ajusante, e aumento no rigor do licenciamento).

    Já nas dinâmicas de demanda, as (i) exportações de bens duráveis (aço bruto ou embutido) devem ajudar a compensar parcialmente a demanda doméstica fraca da indústria.  Porém, (ii) para o mercado imobiliário, como as dificuldades são mais estruturais do que conjunturais, a situação é preocupante e permanecerá ruim durante mais tempo. Esse volume de demanda, oriundo da formação dos canteiros de obra em projetos de construção civil, não tem como ser compensado inteiramente pelas exportações mais fortes. Por isso, repetimos: o suporte do preço em patamares melhores que a média histórica, muito provavelmente, virá do lado da restrição da oferta e não do aumento de demanda.

    Nossa visão e recomendação

    Conforme descrevemos ao longo do relatório, as mudanças que estão acontecendo na China nos parecem mais estruturais do que cíclicas. Isso significa que aqueles que esperam uma guinada forte de ciclo com relação ao consumo de aço interno na China podem vir a se decepcionar.

    Modelo econômico da China se esgotou?

    Entendendo a falácia da “mão quente”. A teoria da “mão quente” sugere que o sucesso passado aumenta a probabilidade de sucesso futuro. No entanto, essa crença não é mais do que uma falácia, conforme analisado em um artigo altamente repercutido na comunidade cientifica sobre comportamento psicológico ligado a eventos probabilísticos, publicado em 1985 por Thomas Gilovich, Amos Tversky e Robert Vallone. O estudo, “Hot Hand in Basketball” (Mão Quente no Basquete), questionou a hipótese de que arremessos anteriores bem-sucedidos aumentam as chances de um jogador de basquete acertar o próximo arremesso.

    O mesmo conceito se aplica a uma série de fracassos, denominada “mão fria”.  Ou seja, a constituição dessa crença do senso comum pressupõe que, para o bem ou para o mal,  o que aconteceu no passado vai continuar acontecendo no futuro. Apesar de que a construção da confiança mental que um atleta adquire ao acumular diversos arremessos bem-sucedidos de alguma forma impacta o seu estado de espírito ao realizar um próximo arremesso, a teoria da “mão quente” se provou uma falácia do ponto de vista da probabilidade matemática.

    A diferença aqui é que um atleta se sentiria mais confiante já tendo um track record de diversos acertos, por isso não “tremeria a mão” ao realizar um próximo arremesso. Isso faz sentido, mas é uma conduta muito mais psicológica do que probabilística, como argumentando no artigo. A chance matemática de acertar ou não o arremesso permanece inalterada.

    Para ficar ainda mais fácil entender as razões que comprovariam que as chances matemáticas são iguais independente do passado, em outro exemplo, o mesmo estudo sugere dois vieses originados do padrão de pensamento associado ao lançamento de uma moeda: (i) a falácia do apostador, em que se acredita que, após uma sequência de cara ou coroa, a probabilidade da outra alternativa aumenta (o que não é verdade); e (ii) a rejeição da aleatoriedade, acreditando que uma sequência não é representativa de uma amostra aleatória.

    Apesar de ser uma percepção do senso comum, o fenômeno conhecido como “mão quente” é predominantemente psicológico e não matemático. Isso se torna um fator crítico em jogos de azar, como o lançamento de cara o ou coroa, e inevitavelmente, investimentos. Apesar de que alguns podem ficar injuriados com a comparação, aqui a fazemos considerando que ambos os eventos (lançamento de moedas ou investir em ações) lidam com questões do futuro das quais os participantes não possuem total controle das variáveis, configurando incertezas.

    Lembre-se, economia é uma ciência comportamental.  A ideia de uma “mão quente” dentro dos estudos econômicos ligados a investimentos, como uma sequência de vitórias aparentemente impulsionada pelo momentum, é, na verdade, um fenômeno psicológico, não uma realidade numérica. Essa crença pode levar ao (i) excesso de confiança e soberba, além de ampliar o (ii) viés de confirmação, à (iii) ilusão de controle e elucidar o (iv) viés de recência (dar maior importância ao evento recente por si só e desconsiderar outras evidências).

    Apesar de que investidores institucionais procuram se cercar do maior número de informações possíveis e racionalidade de cálculo para tomarem uma decisão, tanto  apostadores de jogos de azar como esses próprios investidores podem, por vezes, compartilhar até de modo subconsciente dessa crença, que os psicólogos acreditam ter origem na heurística representativa. Todos somos humanos e possuímos vieses comportamentais. Por isso, embora haja números, cálculos e razão dentro das equações de investimentos profissionais, no final, a as ações econômicas são baseadas na psicologia do ser humano.

    Por exemplo, os dados mostram que a decisão de comprar ou não cotas de um fundo de investimento estão muito atreladas ao histórico do gestor do fundo, apesar das evidências matemáticas sugerirem que esse fator é altamente superestimado. Essa situação é tão indiscutível que basicamente todos os fundos, e em qualquer mercado de capitais ao redor do mundo, possuem o disclaimer  “performance passada não é garantia de performance futura”. O aviso está lá no prospecto, mas ainda assim, o fator amplamente usado como primordial para decidir o ato de investir ou não no fundo é justamente a performance passada, contradizendo o aviso. Isso acontece porque o nosso cérebro é treinado para reconhecer padrões e esperar que esses padrões se repitam.

    Portanto, acreditamos ser notório que os investidores costumam fazer escolhas com base em suas conclusões a partir da avaliação do desempenho passado dos ativos do ponto de vista micro, e das decisões historicamente tomadas pelos formuladores de políticas econômicas de um país do ponto de vista macroeconômico, o que nos parece ser um comportamento atribuído à falácia da “mão quente”.

    Economia nem sempre é feita de ciclos. Não negamos que uma parcela importante das atividades econômicas  recebe uma interferência momentânea, que é cíclica. Os ciclos econômicos podem e devem se repetir ao longo de um horizonte de tempo, seja os de alta ou os de baixa (em relação a taxa de juros e as commodities, por exemplo). Porém, em algumas situações há fatores determinísticos que interrompem os movimentos cíclicos, justamente por mudanças estruturais.

    Os ciclos são subordinados a conjunturas e não estruturas. Como por exemplo, podemos assumir a frase “ o consumo está fraco porque a taxa de juros está alta”. Nesse caso, se a taxa de juros baixar, extingue-se a condição que dificultava o consumo  a ganhar corpo. Porém, como rompimentos estruturais são mais raros, a frequência maior de movimentos cíclicos incentiva a maioria acreditar que eles sempre vão se repetir em um formato muito parecido com o passado, o que nem sempre é verdade. Portanto, a frase “estamos em um ciclo de baixa, então em algum momento o ciclo irá inverter o sentido e o consumo vai subir” nem sempre é assertiva.

    Essa tendência psicológica faz com que os indivíduos categorizem ativos, gestores de fundos, investimentos e decisões de cunho econômico, como “quentes” ou “frios” com base em resultados anteriores, independentemente de sua irrelevância para resultados futuros. Isso ocorre da mesma forma que cada evento de lançamento de moedas não é afetado por tentativas anteriores. As ciências exatas revelam que não devemos nos ater ao passado como forma inequívoca de prever o futuro, mas os vieses comportamentais dos seres humanos os levam para outros caminhos, onde muitas vezes ignoram o fator matemático.

    China nos parece um caso de falácia da “mão quente”. Voltando ao foco do relatório, comentamos esse trecho sobre os estudos comportamentais na tomada de decisão ligada a investimentos para argumentar que, acreditar que só porque algo aconteceu no passado vai acontecer de novo no futuro também é um erro matemático, creditado a uma crença psicológica. E as pessoas costumam faz isso com elevado nível de convicção, porque investir, como já foi dito, é uma ciência comportamental. Por outro lado, a matemática, que é  uma ciência exata,  é taxativa: olhar para o passado nem sempre vai te dizer o que vai acontecer no futuro, mas uma parcela de investidores continua fazendo isso, especialmente com a economia Chinesa.

    Ao longo do relatório, procuramos enumerar vários pontos fundamentalistas para comprovar que o consumo de aço doméstico na China pode (e deve) ser menor ao longo dos próximos anos. Alguns investidores inclusive possuem a ideia de que o modelo econômico da China chegou à exaustão e que a China precisará se reinventar durante a próxima década. Como ficou claro nos capítulos finais, essa também é a nossa opinião, mas não necessariamente é a opinião da maioria nesse momento.

    Do outro lado, existem ainda investidores que olham a China hoje e buscam antever os mesmos gatilhos que ocorreram no passado (como por exemplo os estímulos),  para então prever qual será o futuro da economia do país. Como se tivéssemos presos sempre a uma ideia cíclica de modelo econômico. Para nós, isso é definitivamente uma falácia da “mão quente”.

    A China dificilmente vai crescer no ritmo que já cresceu, se acostume com essa ideia. Isso quer dizer que o modelo deu errado? Não. Também inferimos isso ao longo do relatório. Não é que o modelo não foi bem-sucedido. Ele foi… ele só chegou a sua exaustão, muito provavelmente. É como imaginar um suco de laranja. Você espreme a laranja, até uma hora que ela não vai dar mais suco. Podemos pegar outra laranja para espremer, mas quantos litros de suco aguentaríamos beber?

    Esse é o estágio atual da economia chinesa: a população chinesa deve gravitar de maneira gradual em direção ao consumo de serviços e menos ao consumo de bens, portanto, o PIB industrial da China ao longo dos próximos anos deve perder peso em relação ao PIB total. Isso, por sua vez, acarretará um consumo de aço doméstico menor ou, pelo menos, na ausência do crescimento robusto da indústria de bens de consumo que vimos na China nas últimas duas décadas. Isso já aconteceu com outras economias que já atingiram a maturidade, mas alguns ainda insistem em dizer que esse movimento é cíclico e que o consumo da China por bens vai voltar a ser o que era. Não concordamos com essa tese.

    A nossa tese sobre a economia Chinesa é de que está ocorrendo um rompimento com o comportamento histórico de décadas passadas. Basicamente o que nos leva a crer com mais convicção que há um rompimento em curso é a mudança nos padrões relacionados a demografia. A China parou de crescer sua população em 2022 após 60 anos consecutivos, e mesmo com a retirada da política de filho único em 2015, as taxas atualmente muito baixas de casamentos e de fertilidade das mulheres indicam que o tamanho da população irá encolher nos próximos anos. Isso é muito recente e nos parece ser perfeitamente compreensivo que nem todos ainda entendam o peso que essa situação faz dentro do consumo de commodites, especialmente as metálicas.

    Todavia, acreditamos ser pretencioso demais ignorar o fato de que o movimento de redução da demanda doméstica por aço está em curso concomitantemente com a desaceleração do crescimento populacional e posterior inversão da pirâmide etária como marco demográfico estrutural (e não conjuntural). Para nós, não há como desassociar o que está acontecendo na China hoje com o rompimento de padrões demográficos que estiveram em vigor durante mais de 6 décadas. Como é uma mudança de padrão demográfico, nossa percepção é de que a redução do consumo de bens não é cíclica e ela vai perdurar. O modelo econômico da China se esgotou. Acreditamos que a China deverá passar por mudanças enfáticas, com o consumo migrando mais para serviços e menos para bens.

    Mudança nas projeções de PIB.  Nossa projeção de PIB da China para 2024 se mantem em linha com a anterior, em 4,9% Genial Est., com uma leve redução em relação a divulgação oficial pelo Escritório Nacional de Estatísticas (NBS) de 5,2% de crescimento de PIB ano passado. Porém, alteramos nossa projeção de PIB de longo prazo, em 2030, que passa a ser um crescimento de 3,8% Genial Est. vs. 4,2% anteriormente.  

    Fundamentos do minério de ferro

    Se o tom do relatório foi negativo para demanda, por que não estamos tão pessimistas com as mineradoras? Começamos o trecho inicial do relatório argumentando que não vemos a China em seus melhores dias, mas a situação pode não ser tão ruim quanto alguns investidores precificam. Apesar do tom majoritariamente negativo do relatório para o consumo, enfatizamos que estamos falando do consumo doméstico e não do consumo aparente de aço total na China.

    Quando comentamos que nos parece que alguns investidores estão carregando um pessimismo além do ponto justo em seus vieses nos referimos ao consumo total, penalizando-o de maneira equivalente a redução esperada para o consumo doméstico. Mas, segundo a nossa percepção, o consumo total na China não será tão reduzido assim com alguns podem imaginar hoje.

    Taxas dos Alto-fornos devem permanecer altas nos próximos anos. A China deve continuar com uma taxa de utilização de Alto-forno no patamar próximo a uma média de ~90% nos próximos anos. Isso porque, mesmo que haja um overcapacity do parque fabril chinês em relação a demanda doméstica, à medida que a economia se volta mais para a atividade de serviços e reduza a concentração de peso no PIB industrial, ainda assim, nossa análise sugere que as companhias chinesas industriais irão aumentar ainda mais o percentual de exportação de seus produtos para outras economias globais. Isso de certa forma, amplia a noção de overcapacity do ponto de vista doméstico, mas garante níveis satisfatórios de produção e demanda total das instalações fabris.  

    No caso, as siderúrgicas chinesas já estão fazendo isso com o aço bruto, exportando o excedente, elevando o volume de aço exportado em 2023 ao maior patamar dos últimos 6 anos. Já escutamos o argumento de que esse excedente é pouco representativo em relação a capacidade instalada total da China para produzir aço, com ~95Mt sendo exportadas em 2023 vs. ~1,1Bt produzidas, o que representa uma fatia de ~9% da produção total do ano passado. Ainda assim, é cruel comparar a magnitude percentual com o efeito devastador que isso provoca para outras economias que tiveram elevação da taxa de penetração do aço importado chinês, entre elas, o Brasil. Isso porque a produção de aço mundial é ~1,8Bt, portanto, somente a produção de aço na China sozinha é responsável por mais de 60% da produção global.

    Então, ainda que a China escoe “somente” 9% de sua produção de aço bruto para outras localidades do mundo, essas localidades recebem uma enxurrada de aço chinês. Isso está afetando negativamente a Gerdau, CSN e Usiminas. Porém, de maneira fundamentalista, isso é bom para a Vale e para a CMIN.

    E para além do aço importado, também acreditamos na tendência do redirecionamento da própria indústria downstream de aço para escoar seus produtos que o mercado interno da China não irá absorver daqui em diante. A produção interna de automóveis elétricos na China por exemplo, em poucos anos deve ganhar escala mundial de forma bem relevante, com os automóveis chineses cada vez mais crescendo mercado consumidor nos EUA, América Latina e Europa.

    As companhias de mineração não estão muito preocupadas com o destino do aço. Se o consumo de aço da indústria vai ser em reflexo do cidadão chinês aumentar seu desejo em consumir bens duráveis ou não, a verdade é que isso não diz respeito ao negócio da Vale e CMIN. Por exemplo, se o automóvel (que é feito de aço) for produzido na China, mas exportado para o Brasil, ainda assim alguma mineradora vendeu o minério de ferro para as usinas produzirem esse aço. Desta forma, a demanda por minério de ferro ainda é garantida mesmo com o consumo doméstico de bens duráveis mais fraco na China.

    Por outro lado, acreditamos que a produção de aço na China tende a ser de fato menor, mesmo com o redirecionamento da indústria para exportação, uma vez que o mercado imobiliário está reduzindo de tamanho na China, e conforme descrevemos ao longo do relatório, isso não é um movimento de curto prazo. A redução continuará durante alguns anos. Ainda assim, as taxas dos Alto-fornos devem ser seguradas em patamares elevados pela indústria, que redirecionará o excesso de produção vis-à-vis consumo interno para as exportações, devido ao aumento consistente do fator “qualidade” dos bens duráveis chineses, que estão passando a competir com países de indústria mais tradicional, como EUA e Alemanha, em níveis mais equidistantes se comparados a uma década para trás.  

    Restrições de oferta vs. projeto Simandou. Além  disso, acreditamos que há nos próximos anos questões relacionadas a maior pressão no sistema de oferta da commodity. Uma oferta mais restrita pode provocar ciclos de alta no preço do minério de ferro, como a recuperação no formato de “v” que observamos ocorrer no final do ano passado. Por outro lado, também existe o projeto de Simandou, localizado na Guiné (África ocidental), que contém ~60Mtpa de qualidade 66% Fe após o seu ramp-up completo. Hoje configura o projeto de maior relevância em termos de adição de capacidade no sistema de oferta do minério de ferro seaborne.

    A Rio Tinto recebeu o direito de exploração do projeto há mais de 27 anos. O que antes parecia uma realidade muito distante, hoje realmente está saindo do papel. A Rio Tinto confirmou esse ano que espera que o primeiro despacho aconteça em 2025, com o ramp-up completo em 2028. O projeto é ambicioso, e compõe a construção de 2 minas + 1 ferrovia + 1 porto. No total, o investimento da Rio Tinto deve chegar ao montante de US$20b.

    Mesmo com a turbulência que a Guiné passou (entre eles, três golpes de Estado), alguns investidores acreditam que a China pode fazer pressão para acelerar a execução do projeto e, com isso, eliminar os riscos de restrição de oferta como uma variante de alta no preço do minério de ferro. O que nos parece ser de interesse do governo chinês.  

    Nossa visão é de que o projeto deve ser inaugurado entre 2025-2026, com provavelmente 1 ano de delay vs. expectativa da Rio Tinto em nosso cenário base, e ainda assim não é algo que acreditamos alterar os fundamentos de curto prazo de uma conjuntura com uma oferta mais pressionada. Isso porque julgamos que a (i) inflação geológica, (ii) maiores dificuldades de grandes players da mineração de superarem as taxas de deplation de minas em atividade há diversos anos e (iii) ramp-up lento do projeto Simandou,  conjuntamente oferecerão suporte para a tese de que a oferta ainda será um fator decisivo no preço do minério ferro no curto prazo, com preços projetados de ~US$100/t de média ao longo de 2024-2025.

    Vale

    Conforme já discutimos muitos efeitos do plano macroeconômico, olhando agora para o micro da Vale, os reflexos no valuation são:

    (i) Menor valor de realização de preço em minério de ferro, em razão da redução do benchmark 62% Fe que estimamos agora vs. a projeção anterior. As explicações estão no capítulo “Para onde vai o preço do minério de ferro”; (ii) Redução do Enterprise Value (EV) em nosso modelo, em virtude de agregar na conta o VPL do fluxo de caixa negativo com os pagamentos dos ajustes cobrados pelo governo brasileiro, através do Ministério dos Transportes, sobre a concessão das ferroviais EFVM (Estrada de Ferro Vitória-Minas) e EFC (Estrada de Ferro de Carajás); (iii) Leve endurecimento de premissas relacionados a condições de pagamento do acordo de Mariana vs. estimativas anteriores; (iv) Prêmio All-in projetado em US$2,7/t 24E, abaixo do guidance US$3-4/t; (v) Custo C1 ex. compra de terceiros projetado em US$22,9/t 24E, colado na banda superior do guidance de US$21,5-23/t; (vi) Produção de minério de ferro estimada em 315Mt 24E, em linha com a banda intermediária do guidance de 310-320Mt, mesmo a Vale dando indicativos de que poderá atingir a banda superior; (viii) Modificação na nossa taxa de desconto, uma vez que cortamos a nossa projeção do PIB da China de longo prazo (2030) para 3,8%, o que infere uma redução nossa taxa g de crescimento na perpetuidade em -4p.p vs. taxa usada anteriormente.

    Acreditamos que escolha das nossas premissas envolvem um viés conservador, uma vez que a maioria dos investidores com que conversamos não estão muito otimistas com as ações de Vale. Portanto, optamos por não selecionar premissas que poderiam soar como agressivas, justamente para refletir em nosso valuation níveis mais adequados de upside e mais uma vez, verificar o quanto de “desaforo” o nosso modelo aguenta em relação a precificação da companhia em um cenário estressado vs. o preço atual de negociação das ações (que está muito baixo).

    É importante mencionar também que no caso do ponto (ii), sobre o pagamento complementar a outorga já estabelecida para os ativos EFVM e EFC, a premissa utilizada é de 60% do valor solicitado em carta emitida pelo Ministério dos Transportes em janeiro de R$25,7b, o que daria ~R$15,5b (~US$3b), com 20% do valor pago em upfront, o restante em iguais prestações durante 26 anos, trazidos a valor presente pela taxa Ke de 11,75%, o que por sua vez, configura um somatório de -US$1,2b, retirados direto do valuation através do FCFE.

    Conforme comentamos no início do relatório, iremos publicar dentro dos próximos dias um conteúdo separado apenas para comentar os aspectos microeconômicos da Vale com mais profundidade, principalmente com relação  aos overhangs (acordo de Mariana, escolha de nome para cargo de CEO e pressões do governo). Optamos por concentrar esforços nessa publicação que está sendo lida agora mais intensamente nos aspectos macroeconômicos da China. Essa abordagem é proposta para evitar que o relatório se torne muito extenso, o que poderia dissuadir as pessoas de ler o conteúdo completo.

    A conclusão após diversas modificações em nosso modelo para refletir tudo o que foi descrito no relatório é que o Target Price 12M foi cortado para R$72,30 vs. R$82,50 anteriormente para VALE3-B3. Já para as ADRs-NYSE, o novo Target Price 12M passa a ser de US$14,50 vs. US$16,75 anteriormente. As ações, portanto, agora configuram um upside de +18,86% segundo o nosso modelo, negociando em EV/EBITDA 24E de 4,3x (abaixo da média de histórica de 5x). Reiteramos, mesmo forçando o input premissas conservadoras, a nossa recomendação de COMPRA, baseado em um valuation descontado demais para ser ignorado.

    CMIN

    Já para o micro da CMIN, os reflexos no valuation são:

    (i) Menor valor de realização de preço em minério de ferro, em razão da redução do benchmark 62% Fe que estimamos agora vs. a projeção anterior; (ii) Manutenção do mesmo patamar de produção, com 43Mt 24E vs. 42-43,5Mt do guidance; (iii) Expectativa de maior equilíbrio do balanço entre produção própria vs. compra de terceiros, com um aumento de +2,5Mt vs. 2023 na produção própria e redução de -2,5Mt de compra de terceiros. (iv) Essa situação deve elevar as margens da CMIN, e como o movimento que segue independe do preço de minério de ferro, ainda acreditamos que as perspectivas para a companhia são boas no curto prazo e que o mercado está subvalorizando o potencial da companhia em relação a redução de compra de terceiros. A prova disto foi justamente o forte resultado do 4T23. Acreditamos que há mais por vir.

    Apesar de uma perspectiva interessante do ponto e vista micro, em razão da nossa atribuição de elevação de margens, não como escapar de um corte no Target Price 12M para R$6,20 vs. R$7,00 anteriormente, uma vez que reduzimos a realização de preço pela estimativa de uma curva do minério 62% Fe mais baixa que a anterior. Ainda assim, o upside em nosso modelo é de +16,98%. Negociando a um EV/EBITDA de 4,1x, reiteramos a nossa recomendação de COMPRA.

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