A Advocacia Geral da União (AGU) em conjunto com os governos estaduais de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES) apresentaram uma nova contraproposta ao desembargador Sr. Ricardo Rabelo, mediador do Tribunal Regional Federal da 6a Região (TRF-6), que coordena o processo junto de esforços do Ministério Público Federal (MPF). Essa contraproposta configura um valor adicional de US$109b para a repactuação do acordo de Mariana (MG), em virtude do rompimento da barragem de Torto em 2015, que era operada pela Samarco (JV entre Vale e BHP). A publicação oficial da AGU segue em anexo (AGU Contraproposta).
A contraproposta ocorre após, tanto a AGU como o governo do Espírito Santo (ES), terem rejeitado no dia 03 de maio a proposta de R$127b oferecida pela Vale e BHP. Quando a Vale levou ao conhecimento geral do mercado o valor da proposta por meio de um fato relevante, publicamos um relatório, que explica de maneira mais aprofundada o nosso cálculo e estimativas para o acordo. Este relatório é encontrado em anexo (Vale Acordo de Mariana: Menos uma desconfiança…).
Sugerimos fortemente a leitura desse relatório passado para que haja maior compreensão da situação como um todo e do desenrolar dos fatos, além do nosso racional, do qual usamos premissas muito duras para propositalmente encurtar o tempo de desembolso que a Vale teria para fazer frente ao pagamento do acordo, o que majora o VPL negativo total. Mesmo com uma contraposta superior vs. o valor que as companhias Vale + BHP haviam enviado para o TRF-6, ainda assim o VPL proveniente das nossas premissas reflete um cenário levemente mais duro. Acreditamos que a Vale e a BHP provavelmente não aceitarão a contraproposta e irão pleitear um valor mais baixo, dando continuidade as discussões e não eliminando o ruído (overhang).
É importante mencionar, da mesma forma como já fizemos em diversos outros relatórios, que as nossas premissas são mais apertadas que o consenso, sobretudo no prazo de pagamento (e não no valor em si). Portanto, apesar de vermos o aceite como potencial catalizador de valor, ainda assim acreditamos que a reação de investidores em geral não carregue um viés tão positivo.
Principais Destaques
Qual é o fato novo? Valor aumenta e prazo diminui.
A contraproposta, ofertada pela AGU + Ministério Público Federal (MPF) + governo dos Estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES), configura o pagamento adicional de R$109b (~US$20,7b), a ser quitado em 12 anos, configurando um acordo de ~R$146b ou ~US$27,7b (+12% vs. Genial Est.), considerando o valor que já foi desembolsado pela Vale, BHP, Samarco e Fundação Renova, que hoje se encontra em ~R$37b (~US$7b). A contraproposta vem na esteira de um imbróglio que já dura anos, desde o encerramento da tentativa de repactuação ocorrida em setembro de 2022. Os trâmites do acordo ocorrem norteados por valores de caráter indenizatório e benfeitorias de reparação, após a falha na barragem de Torto, localizada no município de Mariana (MG), operada pela Samarco (JV da Vale com a BHP, cada uma com 50%). Ainda, é importante mencionar que não estão inclusos dentro do pacote de R$109b valores complementares, estimados para executar obrigações ainda “a fazer”, que permanecerão sob responsabilidade das companhias, como a retirada de rejeitos do Rio Doce. Essas obrigações complementares estão avaliadas em ~R$18b. Concluímos então que a notícia é potencialmente negativa, uma vez que ambas as variáveis (i) valor (maior em +R$37b vs. proposta anterior) e (ii) prazo (mais curto em ~2 anos), contribuem para um cálculo de VLP detrator de maior intensidade. Acreditamos que a Vale + BHP também receberão de maneira negativa o valor da contraproposta e provavelmente irão declinar, de forma que esse não será o final do imbróglio. Há mais capítulos faltando nessa novela… Por ora, reforçamos a nossa recomendação de COMPRA, com Target Price 12M de R$72,30, configurando um upside de +18,12%.
Prazo fica mais curto na contraposta.
Sabemos que o mercado debate muito o valor da proposta, mas para nós a verdadeira discussão está no prazo, e não no valor em si. A contraproposta foi elaborada para ser paga em 12 anos, e tendo em mente a conta de chegada que fizemos, a Vale esperava pagar o acordo em ~14 anos, quando ofertou a proposta de R$127b. Portanto, a contraproposta do Poder Público encurtaria o fluxo de pagamentos em ~2 anos vs. o ritmo que a Vale pretendia desembolsar o valor.
Aqui é que entra o nosso conforto em relação as premissas que desenhamos no fluxo de caixa da Vale, em nosso modelo financeiro proprietário. O prazo que assumimos como premissa base para pagamento é de ~7 anos Genial Est., o que representava metade do que a Vale supostamente teria ofertado e uma margem de segurança bastante elástica de 5 anos em relação a contraproposta.
Considerando R$146b como acordo total (excluindo os R$18b de obrigações “a fazer”) o valor de fato fica maior (+12% vs. Genial Est.) que a nossa projeção de acordo terminal de R$130b Genial Est. Porém, ainda assim o prazo muito mais curto que usamos em nosso modelo (7 vs. 12 anos) compensa esse efeito, ao penalizar mais o fluxo de caixa da companhia do que o incremento de valor da proposta. O que nos deixa ainda seguros para afirmar que o valuation de mercado da Vale segue excessivamente descontado.
Contraproposta pode ser dividida em 3 categorias.
E importante separar o valor total em 3 categorias: (i) adicional não pago, (ii) obrigações complementares “a fazer” e (iii) valores já desembolsados. Dessa forma, segundo a contraproposta da AGU (e demais entidades), a Vale, BHP e Samarco seriam responsáveis pelo pagamento de R$109b (adicional não pago) + R$18b (obrigações complementares “a fazer”) + R$37b (já desembolsados), totalizando R$164b (+29% vs. proposta anterior). Esse valor terminal do acordo ficaria acima da banda superior de R$126-155b, que sabemos que a grande maioria dos investidores tinham em seus modelos. Além de um valor maior, a contraproposta também encurta em ~2 anos o fluxo de pagamentos, de acordo com guidance da Vale, que vai até 2038.
Para nós, a notícia é potencialmente negativa.
Concluímos então que a notícia é potencialmente negativa, uma vez que ambas as variáveis (i) valor (maior em +R$37b vs. proposta anterior) e (ii) prazo (mais curto em ~2 anos), contribuem para um cálculo de VLP detrator de maior intensidade. Olhando para o fluxo de caixa projetado, o VPL que calculamos do desembolso corresponde a ~US$6,7b (-2,4% vs. Genial Est.) e é equivalente a 13% do Market Cap. Ao excluirmos os R$18b de obrigações “a fazer” que ficarão de fora da discussão nesse momento, o VPL detrator fica levemente inferior à nossa estimativa, que contempla um acordo terminal de R$130b Genial Est., faltando R$93b a serem pagos com prazo de 7 anos (vs. R$109b em 12 anos da contraproposta).
Nossa visão e recomendação
Aonde a intepretação do mercado pode vir ser equivocada?
Acreditamos que parte do mercado pode confundir alguns conceitos de finanças corporativas bem como realizar comparações incorretas de valores, uma vez que a situação é complexa e a matéria publicada pela AGU pode ter aberto margem para interpretações equivocadas, devido ao caráter dúbio que identificamos em alguns trechos.
A essa altura já tivemos acesso a convergência de informações de que parte do consenso acredita que o impacto da contraproposta é pequeno (apenas um intervalo entre US$1,5b a US$2b de provisão adicional em relação ao VPL), mas nosso pensamento difere dessa opinião. Acreditamos que o tom usado pela AGU na publicação oficial não é apaziguador e oferece uma base comparativa de valores muito acima da proposta da Vale + BHP de R$127b realizada em abril. Essa situação parece sinalizar que a discussão ainda tem “chão para andar” e o impacto na provisão adicional pode estar sendo subvalorizado em um olhar preliminar do consenso.
R$109b vs. R$72b, um aumento de +51%.
Primeiro, deve-se realizar as comparações corretas de valores. A proposta anterior da Vale + BHP totalizava R$127b, recurso que poderia ser dividido em: (i) R$72b de adicional não pago; (ii) R$18b de obrigações complementares “a fazer” e (iii) R$37b já desembolsados. Portanto, devemos comparar R$109b da contraproposta com R$72b, configurando um valor adicional de +R$37b (+51% vs. proposta anterior). Ou seja, curiosamente, a AGU e demais entidades do Poder Público, desconsideram o que já foi pago, que é justamente os R$37b que são somados novamente aos R$72b anteriormente propostos pela Vale + BHP, perfazendo o subtotal de R$109b (vs.R$93b Genial Est.), o que chamamos de “Acordo pós-final”.
Como o próprio trecho da publicação da AGU menciona, “a petição também destaca que a quantia de R$109 bilhões não contempla valores já gastos pelas mineradoras a qualquer título de medida reparatória”. Essa frase deixa claro para nós a intepretação de que a base comparativa para os R$109b seria os R$72b, que figuravam dentro da composição de R$127b da proposta anterior, excluindo da contagem exatamente o montante que já havia sido desembolsado (~R$37b).
R$18b de obrigações complementares “a fazer” não são de caráter indenizatório.
Entre as obrigações complementares “a fazer” estão a retirada de toneladas de rejeito do Rio Doce, por exemplo. Pode haver a dúvida se esse valor deveria estar ou não na conta do ordenamento de um acordo terminal, uma vez que não possui caráter indenizatório e sim de reparação.
Embora a proposta da Vale + BHP de R$127b não tenha se tornado pública, em razão do trâmite confidencial protegido pelo âmbito da justiça, respaldada pelo TRF-6, com apenas o valor sendo confirmado via fato relevante pela companhia, ainda assim um fluxo de notícias da imprensa que caracterizamos como de renome (grupo O Globo e Estadão) menciona a divisão entre R$72b em dinheiro, ao longo de um período não informado (da qual acreditamos ser 14 anos), aos governos federal, de Minas Gerais (MG) e do Espírito Santo (ES) e aos municípios atingidos, a título de caráter indenizatório. Esse valor seria acrescido de R$18b em obrigações “a fazer”, que por sua vez destinam-se a movimentos de reparação.
Para chegar aos R$127b, soma-se os R$37b já desembolsados. Aqui é importante esclarecer que “indenização” e “reparação” são situações distintas. Indenização refere-se a valores compensatórios pelos danos ambientais, perdas materiais e de vidas, causadas pelo acidente do rompimento da barragem. Esse valor deve ser pago em dinheiro. Por outro lado, “reparação” possui a ideia de responsabilidade para trazer o meio ambiente ao status quo anterior, como o exemplo mencionado sobre a remoção de rejeitos do Rio Doce. Essa reparação não necessariamente será paga em dinheiro e sim com execução de benfeitorias e processos de manejo de resíduos, e obviamente isso tem um custo financeiro (estimado em ~R$18b).
Se porventura excluirmos os R$18b da conta, que à priori, também estavam contidos na proposta de R$127b, com esse valor ficando de fora desta discussão nesse momento, chegamos à conta de R$109b (adicional não pago) + R$37b (já desembolsados), elevando a condição da contraproposta da AGU para um valor terminal de R$146b (vs. R$130b Genial Est.). Se incluirmos os R$18b, a contraproposta iria para um valor terminal de R$164b (+29% vs. proposta de R$127b), acima da banda superior do intervalo de R$126-155b, que constatamos que majoritariamente os investidores estavam alocando em seus modelos. Essa situação nos parece um cenário muito ruim. Ao menos se o prazo fosse maior, justificaria o aumento de valor, mas não foi o caso…
Prazo encurta, e interpretação da AGU foi clara: “vítimas foram penalizadas com o atraso”.
Considerando outro trecho da publicação da AGU, que segue: “A contraproposta prevê que o valor seja pago em 12 anos. O prazo leva em consideração a proposta das próprias empresas (…) descontados os oito anos que já se passaram desde a tragédia. De acordo com a petição encaminhada pelo Poder Público ao TRF6, o atraso precisa ser considerado no cronograma de pagamento, em respeito aos atingidos”. Segundo nossa intepretação, também fica claro que o prazo é bem inferior ao que a Vale + BHP pleiteava, que inicialmente pediam 20 anos para desembolsarem o valor terminal ( 20 – 8 = 12 anos).
Por outro lado, o indicativo da revisão do guidance realizado pela Vale sugere o final de provisionamento em 2038, dias antes da própria companhia tornar público que havia feito uma proposta de R$127b em abril. Portanto, entendemos que o prazo dessa proposta era de ~14 anos (2024-2038), apesar de não ter sido revelado de forma oficial pela companhia. Isso quer dizer que, segundo a nossa análise, o prazo de 12 anos da contraproposta da AGU corresponde a uma redução de no mínimo 2 anos vs. a expectativa de prazo que a Vale havia elaborado na proposta de R$127b, realizada em abril e negada pela AGU e pelo governo do Estado do Espírito Santo (ES).
A nossa tranquilidade advém de premissas mais rigorosas do que o consenso.
Sempre mencionamos que estávamos utilizando premissas mais conservadoras que o consenso em nosso modelo de Vale a fim de demonstrar o upside que há no papel mesmo nos piores cenários que podemos desenhar como possíveis (mesmo, os improváveis).
Isso quer dizer que embora não estivéssemos servindo o modelo com um valor na banda superior do intervalo de R$126-155b, acreditávamos que estávamos penalizando e maneira proposital o VPL à medida que projetávamos como cenário base um prazo de pagamento que nos parecia excessivamente curto (7 anos vs. 12 da contraproposta). Portanto, mesmo que a contraproposta tenha nos assustado olhando para o valor terminal, ainda assim a nossa premissa de prazo compensou, fazendo com que VPL projetado no fluxo de caixa seja de uma magnitude ainda inferior ao nível detrator que já temos em nosso modelo proprietário.
Consenso parece ter feito cálculo de VPL simplificado. Cuidado, é pior do que parece.
Com a nossa análise encontramos como valores um acumulado de -US$6,7b (vs. -US$6,8b Genial Est.) para o VPL do desembolso de fluxo de caixa e -US$4b de VPL para provisão que ainda falta a ser realizada (considerando os ~US$4,2b que a Vale tem provisionada no Balanço Patrimonial) , configurando 7,9% do market cap. da companhia.
Nos parece que alguns integrantes do mercado fizeram um cálculo simplificado do VPL ao ignorar que o ritmo de dispêndio, seja no efeito de desembolso de fluxo de caixa como também no de provisionamento, não ocorre de maneira linear. Uma regra básica de finanças corporativas mensurada através da matemática financeira é de que os fluxos que são mais próximos do Ano 1 possuem peso maior dentro da composição de VPL (para o bem ou para o mal). Ou seja, quanto mais próximos do início do fluxo, mais peso aquele valor vai fazer dentro do fluxo descontado. A recíproca também é verdadeira, quanto mais longe determinando fluxo estiver do Ano 1, menos peso ele terá dentro do somatório total do fluxo descontado quando trazido a valor presente.
Isso quer dizer que, para apurar um intervalo de -US$1,5b a -US$2b de VPL adicional ao provisionamento já contido no balanço patrimonial da Vale, acreditamos que a conta que alguns integrantes do mercado fizeram foi de descontar de maneira uniforme o valor complementar que faltaria a provisionar, que corresponde a ~R$31b (~US$5,8b) por uma taxa de desconto (Ke ou WACC), ignorando o fato de que, uma vez aceitando a proposta, os primeiros 6 anos a Vale teria um ritmo de provisionamento mais severo do que nos últimos 6 anos, do total de 12 anos da contraposta.
Portanto, os integrantes do mercado que chegaram na conclusão de que o impacto ser apenas de US$1,5b a US$2b provavelmente não ajustaram o VPL pela não linearidade do fluxo de pagamentos e provisionamentos. Isso pode ser confirmado pelo próprio guidance de provisionamento da companhia, que não é linear, e segue justamente essa tendência. Com os primeiros 6 anos somando US$3,6b e os últimos 6 anos somando apenas US$800m. Quanto mais peso os primeiros anos do fluxo carregarem, maior será a intensidade detratora do VPL.
A nossa conclusão é de apenas estamos seguros enquanto aos reflexos do VPL dentro do valor justo porque já estávamos muito mais pessimistas que o consenso que relação ao prazo. Como o prazo do nosso cenário base era muito curto, o fluxo nos primeiros anos possuía uma forte concentração, principalmente porque estávamos assumindo 20% de pagamento upfront (na “cabeça”). Essa situação fazia com que o nosso VPL fosse altamente detrator de fluxo de caixa, conforme segue nos demonstrativos ampliados abaixo.
Acreditamos que a Vale + BHP devem declinar a contraposta e continuarem batalhando por valores mais baixos.
Conforme comentamos que estamos confiantes com as nossas premissas rígidas e levando em consideração que ainda não há uma definição sobre o valor terminal do acordo, bem como prazo de pagamento, continuamos então com o nosso cenário sem realizar qualquer mudança em nosso modelo proprietário. Acreditamos que a Vale + BHP também receberão de maneira negativa o valor da contraproposta e provavelmente irão declinar, de forma que esse não será o final do imbróglio. Há mais capítulos faltando nessa novela…
Por um lado, a demora para um valor definitivo aumenta a incerteza e continua gerando o ruído (overhang) que afasta investidores das ações. Do outro lado, acreditamos que essas condições da contraproposta foram prejudiciais para a Vale e bem acima da proposta anterior a níveis de VPL, o que deve fazer com que a Vale argumente no TFR-6 em favor de baixar os R$109b. Isso vemos como positivo, pois ampliaria a diferença para o nosso VPL, que embora ainda haja algum residual, teria um upside muito reduzido se as condições da contraproposta forem as definitivas. Por ora, reforçamos a nossa recomendação de COMPRA, com Target Price 12M de R$72,30, configurando um upside de +18,12%.