A Vale esclareceu em fato relevante nesta segunda-feira (29/04) sobre a proposta de acordo relacionada ao rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), após vazamento de informações acerca da negociação pelo jornal O Globo nos últimos dias.
Qual é o fato novo?
Essa proposta oficializada hoje por meio do fato relevante divulgado ao mercado pela Vale, busca resolver as obrigações da Samarco sobre o acidente de Mariana (MG), durante uma disputa judicial que dura alguns anos. A disputa judicial decorre da repactuação do acordo em virtude das consequências materiais, ambientais e de vidas, relacionados ao rompimento da barragem de Torto, operada pela Samarco (JV entre Vale e BHP) em 2015. As partes envolvidas, incluindo Vale, Samarco e BHP, apresentaram ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6) uma contraproposta indicativa e não vinculante para a repactuação, totalizando R$127b (-2,3% vs. Genial Est.), após terem em realizado uma proposta inicial de R$42b em dezembro de 2023.
Por que o valor foi divulgado hoje se o acordo ainda ocorre resguardado pelo sigilo da justiça?
O TRF-6 coordena o processo junto a pedido do Ministério Público Federal (MPF), em consonância com o Governo Federal, bem como os governos dos Estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES). O processo de repactuação ocorre ainda sob sigilo da justiça, devido ao caráter confidencial das informações. A Vale acabou confirmando esses valores em resposta ao vazamento de uma parcela de informações confidenciais que diziam respeito as negociações do acordo. A reparação é uma prioridade da companhia, com ~R$37b já gastos em remediação e indenização até março de 2024.
Nossa análise sugere que a Vale preferiu anunciar publicamente o valor da proposta, pois provavelmente acredita que esteja em vias finais de fechar o acordo. Portanto, o anúncio antecipado do valor deveria (i) ajudar aos investidores a precificarem melhor a extensão dos impactos em seus modelos, além de (ii) oferecer uma comparação mais adequada para a modificação do guidance de provisionamento, promovida pela Vale junto com a publicação do resultado do 1T24, no dia 24 de abril (quarta-feira passada), após o fechamento do mercado.
Sobre o que é este relatório?
Neste relatório, uma vez que fomos muito precisos em nossa análise do resultado do 1T24, após a Vale revisitar o guidance de provisionamento relacionado ao acordo de Mariana (MG), iremos publicar o mesmo trecho do relatório anterior, mas adicionando leves ajustes, uma vez que o valor da proposta já foi confirmado. Estamos sempre procurando informar investidores sobre o que acontece antes das informações fazerem preço, nos adiantando em nossas análises frente ao consenso. Para fins de confirmação dos fatos, deixamos aqui anexado a versão do relatório anterior ( Vale 1T24: Ruídos realmente influenciam a performance do papel?).
Em outras palavras, caso o investidor que nos lê agora não teve a oportunidade de apurar o que escrevemos no relatório anexado quando o publicamos na quinta-feira da semana passada, antes da abertura do mercado, sugerirmos então ler o trecho do capítulo abaixo “Análise sobre o acordo de Mariana”. O trecho é quase uma cópia fiel do que já foi escrito. Como sabemos que nossos relatórios são longos, estamos replicando basicamente o mesmo fragmento sobre esse tema, com ajustes suaves sobre o valor da proposta, que antes foi apurado por nós através de uma conta “de trás para frente” e hoje foi confirmado pela Vale.
Portanto, o fato relevante de hoje não muda em nada as nossas contas de modelo. Pelo contrário, mostram que após a confirmação do valor, a abordagem mais pessimista de investidores começa a ser revertida, com as ações reagindo bem na seção de negociações de hoje mesmo com o preço do minério de ferro 62% Fe tendo caído ~1% na madrugada de ontem para hoje. Isso perfaz uma prova de que as ações da Vale estão com um desconto maior do que o seu valor justo, e que o evento de Mariana (MG) foi precificado de maneira mais exagerada do que deveria pelo mercado.
Nesse sentido, nosso foco é na boa performance operacional da companhia, e nos movimentos de curto prazo de minério de ferro. Vemos a Vale sendo negociada a 4,1x EV/EBITDA 24E (vs.4,9x na média histórica). Reiteramos nossa recomendação de COMPRA, com um Target Price 12M de R$72,30 para VALE3-B3 ou US$14,50 nas ADRs-NYSE, o que configura um upside de +14,98%.
Análise sobre o acordo de Mariana
Como antecipamos a notícia de hoje através da mudança de guidance anunciada no resultado do 1T24?
Vale subiu o guidance de provisionamento. Estávamos considerando uma baixa no lucro líquido no 1T24 contaminado por US$270m Genial Est. de provisão, que seria alocado em resultados de Coligadas e JVs, uma vez que o acidente do rompimento da barragem de Torto, em Mariana (MG), ocorreu através da operação da Samarco (JV entre Vale e BHP) em 2015. Mesmo não atribuindo provisionamento no 1T24 para esse assunto em específico, a Vale revisitou o seu guidance e anunciou modificações.
Embora o valor relacionado a Samarco no novo guidance tenha ficado estável em US$900m para 2024, o valor total figurado entre os anos de 2024-2038 subiu para US$4,4b (+22% vs. guidance anterior). Os anos de 2026 e 2027 foram os mais penalizados no novo guidance vs. o antigo, sendo divulgados agora em US$800m (2x mais vs. US$400m) e US$1b (3,3x mais vs. US$300m), respectivamente. Entretanto, o prazo de diluição total também foi divulgado com elevação, em +3 anos frente a curva de provisão passada, o que ajuda a reduzir o impacto de números maiores no cálculo de VPL.
Por que a Vale elevou o guidance de provisão? A nossa análise sugere que a alta de duplo dígito frente a indicação anterior compõe um fator crítico sobre essa temática, ao interpretarmos que antes a Vale estava subvalorizando o tamanho do potencial acordo a ser costurado com o Ministério Público Federal (MPF) e demais entidades governamentais sobre as indenizações e movimentos de reparação ligados ao acidente de Mariana (MG), conforme já havíamos relatado em diferentes passagens em nosso histórico de publicações.
Como o mercado reagiu ao aumento de guidance? Acreditamos que uma parcela relevante dessa alta de provisão já estava precificada. Pelo contato que temos com investidores, apuramos que grande parte do mercado já coloca em seus modelos um acordo que variava entre R$126-155b,com 50% de responsabilidade para a Vale e 50% para BHP. Quanto mais pessimista o investidor estiver com o case, mais perto da banda superior desse intervalo ele se situava. Lembrando também que devemos expurgar da conta o valor que a Samarco + Fundação Renova já pagaram ao longo de todos esses anos, que hoje chega à marca de ~R$37b (conforme já comentamos).
Ao fazermos uma conta de chegada, o somatório acumulado de US$4,4b do novo guidancede provisão implicaria em um acordo terminal de ~R$127b (-2,8% vs. Genial Est.), o que presenta ~R$5b (ou ~US$1b) a menos do que as nossas projeções e em linha com uma contraproposta de R$126b (ou ~US$25b) já oferecida pelo MPF, que coordena o processo junto ao Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6), em consonância com os governos dos estados de Minas Gerais (MG) e Espírito Santo (ES). Agora pela manhã, a Vale confirmou que o a proposta é de R$127b.
Claro que, para além da estimativa sobre o valor final do acordo, o impacto no VPL também depende de como cada investidor está modelando suas premissas, principalmente com relação ao ritmo de pagamento via desembolso de fluxo caixa vs. provisão no P&L. No caso, pelo sentimento que extraímos de rodadas de conversas, as nossas premissas são duras se comparadas com a grande maioria dos investidores.
Como ficam as nossas projeções frente ao anúncio do valor da proposta?
Devemos lembrar que a Vale oficializou o valor da proposta (R$127b), e não do acordo final. Embora o valor terminal que estamos projetando do acordo seja de R$130b Genial Est., o que de fato não se situa na banda superior do intervalo que mencionamos de R$126-155b, por outro lado o ritmo de provisionamento vs. desembolso de fluxo de caixa é muito apertado em nossa modelagem, o que faz com que o VPL seja penalizado de maneira proposital.
Lembramos que estamos assumindo o pagamento de 20% do valorupfront (“na cabeça”) com a repactuação do acordo sendo fechado no 3T24E, e com um prazo de 7 anos, terminando em 2030. O timeframe que desenhamos como base nos parece bem curtofrente as novas expectativas da Vale, que modificou oguidance estendendo o prazo de provisionamento até 2038(+3 anos vs. guidance anterior), com uma margem adicional de +8 anos vs. Genial Est.
Apesar do novo guidance de US$4,4b, acumulados entre 2024-2038, sugerir um aumento de +22% vs. os US$3,6b na curva de provisionamento anterior, com um saldo nominal positivo de +US$800m, ainda assim o valor implícito do acordo, que chegaria a ~R$127b pela conta de trás para frente, (i) acabou se tornando ligeiramente maior do que o já previamente divulgado (+0,8%) pelo Ministério Público Federal-MPF (~R$126b), provavelmente apenas por atualização monetária, uma vez que o MPF apurou R$126b ao final de 2022 e (ii) ainda está abaixo da nossa estimativa (~R$130b). Além disso, estamos convictos de que (iii) as nossas premissas que fazem alusão ao ritmo que esse valor seria provisionado e posteriormente desembolsado, oferecem condicionantes muito mais apertadas em termos de fluxo de caixa do que o novo guidance divulgado pela Vale.
Nossa visão e recomendação
Destacamos que não iremos convergir nossas premissas mais duras em prol do novo guidance (e nesse momento, nem do valor final do acordo, uma vez que ainda é uma proposta), já que estamos abordando de maneira proposital um pessimismo exagerado como uma perspectiva de defesa do case, pelo mais contraditório que possa parecer ao primeiro olhar.
A nossa ideia, já comentada na última sequência de relatórios, era apertar de maneira pessimista as premissas e verificar o quanto de upside o nosso modelo conseguia gerar frente ao nível de valuation atual das ações, uma postura que parece ser muito mais adotada pelos investidores e menos por outras firmas de sell side. Essa é uma abordagem para tentar convencer investidores de que mesmo sob cenários estressados, com premissas pessimistas, ainda vemos a Vale com um FCF yield 24E de ~13% vs. 11,5% em janeiro (antes da nossa atualização de modelo), o que configura um número atrativo de geração de caixa vs. o preço atual das ações.
Apenas para relembrar, nossas premissas mais pessimistas, inseridas no modelo em fevereiro, contemplam: (i) uma curva de minério de ferro 62% Fe abaixo do consenso, com valor terminal marcado a US$75/t em 28E (flat até a perpetuidade), e valor médio de US$103/t em 24E; (ii) Pagamento de outorgas complementares nas ferrovias EFVM e EFC, também com 20% de upfront; (iii) Condicionantes do acordo de Mariana (MG), que já foram descritas; (iv) Prêmio All-in projetado em US$2,7/t em 24E, abaixo do guidance US$3-4/t e (v)Custo C1 ex. compra de terceiros projetado chegando a US$22,9/t em 24E, colado na banda superior do guidance de US$21,5-23/t.
Essas modificações nas premissas geraram um corte na previsão de geração de FCFF 24E para US$6,8b (vs. US$7,2b anteriormente). Ainda assim, curiosamente o FCF yield 24E melhorou, chegando agora a 13% vs. 11,5%, tomando como base a estimativa feita em janeiro, antes da alteração no modelo. Essa melhora ocorreu uma vez que o preço das ações da Vale caiu para ~R$63,00 atualmente vs. ~R$71,00 nesse mesmo período (jan-abr), ou para ~US$12,00 nas ADRs-NYSE vs. ~US$14,40, sugerindo uma notável subavaliação da companhia pelo mercado.
Em palavras mais simples, mesmo que as nossas premissas propositalmente mais pessimistas tenham forçado a geração de caixa para baixo, ainda assim o preço das ações caiu de maneira mais intensa do que a perspectiva de geração de caixa em nosso modelo, isso desenhando premissas das quais gostamos de pensar de fariam parte do “pior cenário possível”.
Para nós, é uma prova cabal do quanto o mercado penaliza de maneira desproporcional as ações frente ao momento de falta de precisão sobre o futuro. Não negamos que o cenário é de fato incerto, mas o nível de desconto implícito nas ações parece exagerado. Assim, apesar dos ajustes com vieses baixistas em nosso modelo, a Vale ainda exibe métricas financeiras sólidas.
Portanto, em suma, as modificações que a Vale promoveu em seu guidance de provisionamento podem ser interpretadas como ligeiramente negativas para o mercado. Entretanto, acreditamos que não farão tanta pressão vendedora para que ampliassem ainda mais os níveis já depreciados das ações. A razão disso seria porque investidores já estavam, em sua maioria, mais pessimistas do que o guidance anterior. Agora, com a oficialização da proposta de R$127b, o mercado pode interpretar como positivo, uma vez que os que estavam modelando próximos de R$150b provavelmente irão se desfazer das premissas, gerando um upside.
Menos uma desconfiança…. Do nosso lado, as modificações com relação ao provisionamento direcionado para Samarco também não implicam em redução de Target Price 12M, uma vez que as condicionantes, embora mais apertadas do que o guidance anterior, são mais frouxas do que as que já possuíamos em nosso modelo. Acreditamos que o valor da proposta de R$127b oferece uma paz de espírito para o investidor que modelava um cenário muito pior que esse. Ainda assim, enquanto não for validado pelo TRF-6, não iremos modificar nenhuma premissa nossa.
Atualmente, a companhia é negociada a 4,1x EV/EBITDA 24E (vs.4,9x na média histórica), o que parece descontado ao considerar que estamos usando premissas propositalmente pessimistas para deliberadamente forçar a geração de fluxo de caixa para baixo. Apesar das incertezas ligadas a (i) China, (ii) acordo de Mariana (MG) e ferrovias (EFVM e EFC), bem como a (iii) pressão do governo em meios a tentativas de intervenções políticas na gerência da companhia (suspenção das licenças de Onça Puma e Sossego), mantemos a nossa confiança no desempenho operacional. Seguimos com a recomendação de COMPRA, com um Target Price 12M de R$72,30 para VALE3-B3 ou US$14,50 nas ADRs-NYSE, o que configura um upside de +14,98%.