No dia 1º de fevereiro, o Conselho Monetário Nacional (CMN) anunciou restrições nos lastros elegíveis e ajustou os prazos de novas emissões de alguns dos principais instrumentos financeiros do mercado: Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA), Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIG).
Essas restrições deverão reduzir substancialmente a oferta desses instrumentos, impactando diversos emissores, especialmente bancos e empresas fora dos segmentos agrícola e imobiliário. Para os bancos, a nova regulação deve aumentar marginalmente o custo de funding, enquanto proíbe o uso desses instrumentos por empresas que não são dos setores agrícola ou imobiliário.
Por outro lado, esperamos um retorno desse fluxo de capital para as gestoras (assets), que experimentaram resgates de investidores para esse tipo de instrumentos nos últimos anos. Junto com a queda “programada” dos juros nos próximos meses, a redução da oferta desses produtos de renda fixa pode impulsionar um aumento no fluxo de capital para a renda variável, beneficiando as plataformas de investimento e a B3. Por fim, os setores agrícola e imobiliário poderão se beneficiar com a diminuição da concorrência, melhorando seu custo de captação (menor taxa de remuneração de novas emissões).
Isenção de Impostos: Forte Demanda
Esses instrumentos foram inicialmente concebidos para impulsionar o crescimento dos setores agrícola e imobiliário. Sua isenção de imposto de renda contribuiu significativamente para a forte demanda observada nos últimos anos, uma vez que garantem uma rentabilidade líquida de imposto superior a ativos de renda fixa similares.
O Problema
O problema surgiu eventualmente quando o mercado começou a usar esses instrumentos de forma mais ampla, com bancos e empresas de outros setores fazendo emissões de CRIs e CRAs fora do objetivo original desses títulos, que era de estimular o crescimento dos setores imobiliário e agrícola, considerados como estratégicos pelo governo. A isenção de impostos garantia uma demanda robusta para esses participantes a um custo menor do que os instrumentos similares.
Com a mudança de regulação, somente empresas agrícolas e imobiliárias podem emitir CRI e CRA. Os CRIs vinculados a aluguel de imóveis de empresas em setores diferentes são vetadas. CRIs e CRAs lastreados em instrumentos de dívida como debentures que não sejam diretamente ligadas aos setores agrícolas e imobiliários também são vetados.
Para as LCAs e LCIs, os bancos serão obrigados a alocar os recursos no setor agrícola e imobiliário, respectivamente. O Banco Central também elevou o prazo mínimo de vencimento e carência das LCAs e LCIs de 90 para 270 dias e 360 dias, respectivamente. Ou seja, o investidor que antes conseguia liquidez diária nesses títulos após 90 dias terão que esperar um tempo maior para ter a possibilidade da liquidez diária.
Crescimento Robusto
O estoque de LCA cresceu de R$ 77 bilhões em 2020 para R$ 459 bilhões ao final de 2023, enquanto o estoque de LCI saiu de R$ 141 bilhões ao final de 2020 para R$ 360 bilhões em 2023.
Estoque de LCI e LCA: Forte demanda após 2021 com a alta dos juros (R$b)
O estoque de CRIs e CRAs também cresceram substancialmente, saindo de R$247b ao final 2022 para R$ 310b em dezembro de 2023.
Estoque de CRI e CRA: Crescimento Robusto (R$b)
Rouba Monte
Com a alta da taxa de juros Selic, esses produtos que geralmente tinham a Selic como benchmark tiveram um forte appeal comercial, promovendo um êxodo substancial de outros instrumentos de investimentos, notadamente os fundos de investimento que tiveram fortes resgates em 2022 e 2023.
Em 2022, os fundos de investimentos sofreram um total de -R$ 130 bilhões em resgates líquidos, dos quais -R$ 87 bilhões em fundo multimercados, -R$ 44 bilhões em fundos de renda fixa e -R$ 27 bilhões de fundos de ações.
Em 2023, a situação não melhorou. Os fundos de investimentos empilharam um total de -R$ 114 bilhões em resgates líquidos, dos quais -R$ 134 bilhões em fundo multimercados, -R$ 60 bilhões em fundos de renda fixa e -R$ 17 bilhões de fundos de ações.
Captação Liquida de Fundos de Investimentos: Resgates bilionários em 2022 e 2023 (R$b)
Segundo o levantamento realizado pela Quantum Finance, os fundos DIs e de Crédito Privado renderam no mesmo patamar do CDI. Assim, para o investidor era melhor investir nas LCIs/LCAs que contam com isenção fiscal e proteção do FGC (Fundo Garantidor de Crédito) ou até mesmo em CRIs/CRAs que também contam com a isenção fiscal. Desse modo, com um menor estoque desses produtos, parte dos recursos devem voltar para os fundos.
As Regras
LCI – São apenas considerados crédito imobiliário as seguintes operações:
I – Financiamentos para a aquisição de imóveis residenciais ou não residenciais;
II – Financiamentos para a construção de imóveis residenciais ou não residenciais;
III – financiamentos a pessoas jurídicas para a produção de imóveis residenciais ou não residenciais;
IV – Financiamentos para reforma ou ampliação de imóveis residenciais ou não residenciais;
V – Financiamentos para aquisição de material para a construção, ampliação ou reforma de imóveis residenciais ou não residenciais; e
VI – Empréstimos a pessoas naturais com garantia hipotecária ou com cláusula de alienação fiduciária de bens imóveis residenciais.
LCA – É vedada a emissão do título com lastro nos seguintes direitos creditórios:
I – Adiantamentos sobre operação de câmbio;
II – Créditos à exportação, inclusive certificados, cédulas ou notas deles representativos;
III – certificados de recebíveis, inclusive certificados de recebíveis do agronegócio; e
IV – Debêntures.
CRI e CRA – Não poderão ter como lastro:
I – Títulos de dívida cujo emissor, devedor, codevedor ou garantidor seja:
a) companhia aberta ou parte relacionada a companhia aberta, exceto se o setor principal de atividade da companhia aberta for o setor imobiliário, no caso dos CRIs, ou o agronegócio, no caso dos CRAs; ou
b) instituição financeira ou entidade autorizada a funcionar pelo Banco Central do Brasil, ou suas partes relacionadas;
II – Direitos creditórios:
a) oriundos de operações entre partes relacionadas; ou
b) decorrentes de operações financeiras cujos recursos sejam utilizados para reembolso de despesas.